UE silencia cirurgião britânico que testemunhou o genocídio em Gaza~ 7 min

Por F

Ghassan Abu Sitta é cirurgião e chegou à Faixa de Gaza a 9 de Outubro de 2023. Durante 43 dias, enfrentou o inferno na terra enquanto prestava cuidados médicos às vítimas da campanha genocida perpetrada por Israel. Este sábado, tornou-se a mais recente vítima do silenciamento de vozes pró-palestinianas pelas “democracias” ocidentais.

Abu Sitta ia falar perante o Senado francês a pedido do Partido Os Verdes, para contar o que viu e viveu na Faixa de Gaza entre Outubro e Novembro. No entanto, à chegada ao Aeroporto Charles de Gaulle, foi impedido de entrar em território francês, uma decisão considerada “escandalosa” por Guillaume Gontard, presidente do grupo dos Verdes no Senado.

Apesar dos seus esforços, os advogados do partido não conseguiram convencer as autoridades francesas a reverter a decisão, mas conseguiram que fosse permitido a Abu Sitta participar na sessão do Senado por videoconferência. Poncet Monge, a senadora que havia convidado Abu Sitta a intervir na câmara alta do parlamento francês, afirmou que se sentiam “ultrajados por ele não poder estar pessoalmente presente”.

Ghassan foi repatriado para o Reino Unido ainda no sábado, num dos últimos voos com destino a Londres, não antes de ser informado que está proibido de, durante um ano, entrar no espaço Schengen. A proibição foi pedida pela Alemanha e teve o apoio das autoridades francesas.

Testemunha do genocídio

“A Fortaleza Europa está a silenciar as testemunhas do genocídio enquanto Israel as mata na prisão”, comentou Ghassan no Twitter, no sábado. “O genocídio colonial é um componente formativo da identidade europeia, daí a sua ânsia em tornarem-se cúmplices no silenciamento das testemunhas e em armar os criminosos de guerra”.

Ghassan Abu Sitta tem dupla nacionalidade, britânica e palestiniana, e ficou mundialmente conhecido quando liderou a conferência de imprensa após o bombardeamento do Hospital Baptista Al Ahli, a 17 de Outubro.

A sua experiência enquanto médico em Gaza valeu-lhe uma referência no caso apresentado pela África do Sul contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ). No texto das alegações pode ler-se a seguinte citação sua:

Havia uma criança com todo o corpo coberto de estilhaços. Ela tinha nove anos. Acabei por ter de limpar estas feridas e mudar as ligaduras sem anestésicos ou analgésicos. Consegui encontrar paracetamol intravenoso para lhe dar… o seu pai chorava, eu chorava, e a pobre criança gritava…

Abu Sitta é também Reitor da Universidade de Glasgow. Foi eleito em Março, depois de uma campanha em que prometeu que “um voto em [si] é um voto de solidariedade” com a Palestina, apelando ao desinvestimento no comércio de armamento.

Durante os últimos 15 anos, a Universidade de Glasgow foi um dos principais parceiros académicos da Universidade Islâmica de Gaza, a mais antiga da Faixa de Gaza, e onde estudavam mais de 20 mil palestinianos antes de ser destruída pelas forças israelitas durante a presente campanha genocida.

No entanto, a Universidade de Glasgow é também um dos maiores financiadores académicos do comércio de armas, com cerca de 7 milhões de euros investidos em empresas de produção de armamento, incluindo algumas que fornecem armas a Israel, como a BAE Systems. 

As eleições tiveram uma participação esmagadora, mais do que duplicando relativamente à eleição anterior. Ghassan Abu Sitta foi eleito com 80% dos votos dos estudantes.

Bastião da liberdade ou culto pró-genocídio?

O “bastião da liberdade” chamado União Europeia mostra cada vez mais abertamente a sua cara autoritária e fascista.

Como é que um cidadão britânico, cirurgião e reitor de uma prestigiada universidade europeia, que viaja a partir do Reino Unido, é impedido pelas “democracias” europeias de falar sobre a sua experiência enquanto cirurgião que testemunhou um genocídio? Só há uma resposta possível: não vivemos em democracias.

E este é apenas um dos muitos casos de silenciamento de vozes pró-Palestina.

No mês passado, Ghassan Abu Sitta voou para Berlim, onde ia intervir no Congresso Palestina. À chegada ao aeroporto, Abu Sitta foi questionado durante horas antes de ser informado que não lhe era permitido entrar na Alemanha. Além disso, foi ainda informado de que, se tentasse participar através de videoconferência ou até enviar uma mensagem gravada, estaria a violar a lei alemã e podia enfrentar uma pena de até um ano de prisão.

No mesmo congresso iam participar também Ali Abunimah (jornalista da Electronic Intifada) e Yannis Varoufakis. Ambos foram previamente informados, directa ou indirectamente, de que não são bem-vindos na Alemanha e enfrentariam consequências legais se participassem em alguma actividade sobre a Palestina no país, mesmo por videoconferência. Varoufakis foi informado de que está proibido de levar a cabo qualquer actividade política na Alemanha.

Palestinianos e judeus silenciados em Berlim

Apesar das várias ameaças, o Congresso Palestina não foi banido pelas autoridades alemãs mas, 45 minutos após ter início, o local onde este se realizava foi invadido pela polícia. Nesse momento, dava início à sua intervenção Salman Abu Sitta, um escritor palestiniano de 86 anos, sobrevivente da Primeira Nakba, em 1948.

A polícia alemã cortou o fornecimento de electricidade ao edifício e ameaçou os presentes com acções legais caso tentassem levar a cabo a agenda do Congresso, mesmo que num formato puramente online. Pelo menos 17 pessoas foram detidas.

Os manifestantes que saíram às ruas de Berlim nos dias seguintes para protestar contra a repressão deste congresso foram atacados e detidos pela polícia alemã.

As repetidas acusações de anti-semitismo com que tentam justificar a repressão deste Congresso não podiam ser mais bizarras, pois faziam parte da sua organização judeus críticos do projecto sionista, como é o caso do grupo alemão Jewish Voice for a Just Peace in the Middle East. Dois membros deste grupo foram detidos durante a repressão do congresso, um deles no exterior do edifício enquanto segurava um cartaz em que se lia “Judeus contra o genocídio”.

A Alemanha é o segundo país do mundo que mais envia equipamento militar a Israel, atrás dos EUA. Em 2023, de acordo com o Ministério da Economia alemão, a Alemanha enviou 326,5 milhões de euros em armamento e outros equipamentos militares a Israel.

Graças ao caso apresentado no TIJ pela Nicarágua contra a Alemanha, acusando-a de cumplicidade no genocídio, sabe-se agora que, desde 7 de Outubro, a Alemanha emitiu licenças para a exportação para Israel de pelo menos 3 mil armas anti-tanque e meio milhão de rondas de munições para metralhadoras.

Gostaste do artigo? Considera subscrever a newsletter. Permite-nos chegar a ti directamente e evitar a censura das redes sociais.

Sigam o nosso trabalho via Facebook, Twitter, Youtube, Instagram ou Telegram; partilhem via os bonitos botões vermelhos abaixo.

Right Menu Icon