Portugal // As peripécias dos licenciados de amanhã: despesas no Ensino Superior~ 6 min

Por Humberto Palma

Independentemente dos rendimentos que as suas famílias possuam, todos os estudantes em Portugal são obrigados a pagar propinas.

Aquilo que não é justo, na minha opinião, é que seja grátis para todos, sendo pago por aqueles que não utilizam.
– Rui Rio, atual presidente do PSD

Rui Rio enuncia assim o corolário do princípio do utilizador-pagador. Este é um dos princípios ideológicos que orienta a gestão do Ensino Superior Português.

Lá vai uma, lá vão duas, três propinas a voar

Com o aumento das propinas, o papel do Estado no sector foi reduzindo. Em 1990, 95% do orçamento das instituições do Ensino Superior era proveniente do Orçamento de Estado. Os restantes 5% eram receitas próprias. Em 2008, o primeiro valor havia diminuído para 62,1% e o segundo aumentado para 37,9%. No ano lectivo de 1992/1993, o valor das propinas era de 6 € anuais, enquanto que no presente ano lectivo é no máximo de 1 064 € para licenciaturas.

Para mestrados e doutoramentos existe liberdade para determinar o valor das propinas por parte das instituições de Ensino Superior. As cifras escolhidas por universidades e politécnicos em muitos casos ficam bastante acima do valor máximo para a licenciatura.

Parte considerável da factura do Ensino Superior deixou de ser responsabilidade do Estado, e passou a ser a dada às famílias que têm filhos que desejam estudar. O acesso ao Ensino Superior tornou-se assim pouco diferente da compra de outra qualquer mercadoria. Como se obter educação fosse apenas mais uma transação entre privados.

No ano lectivo de 2015 / 2016, o valor médio necessário para frequentar uma licenciatura no Ensino Superior Público em Portugal era de 5 576 € por ano. Incluem despesas directas de educação, como o valor das propinas, taxas e livros. Mas também despesas correntes, como alojamento, alimentação, transportes e saúde.

As despesas de educação, directamente necessárias para a frequência de aulas e acesso à avaliação, eram de 1 283 € por ano. Estas são maioritariamente definidas e reguladas pelo Estado. Para licenciaturas, as propinas cobradas pelos institutos têm um tecto mínimo e máximo, definidos nacionalmente. Por isso, as variações geográficas neste tipo de despesas não são muito expressivas.

“Grande Oportunidade: aluga-se quarto, 400 euros mês”

As residências universitárias, geridas pelas Universidades, oferecem alojamento a preços reduzidos. Para estudantes bolseiros, o preço de uma cama é geralmente gratuito ou muito reduzido. Se os estudantes não forem bolseiros, os Serviços de Ação Social pedem valores mais elevados. Entre 100 e 200 €, em média.

No entanto, em 2016/2017, apenas 13% dos estudantes deslocados se encontravam numa residência universitária. Isto apesar de estes representarem 42% de todos os estudantes, a nível nacional. A principal causa: a pouca capacidade instalada de residências.

Em consequência disso, para uma grande parte dos estudantes deslocados, o arrendamento de um quarto parece ser a única solução. A maior parte das despesas dos estudantes são despesas correntes, das quais a maior componente são os custos com alojamento. Em 2015 / 2016, o valor médio das despesas correntes era de 4 293 € anuais.

Maioritariamente regulados pelo mercado imobiliário, estes custos apresentam grandes variações geográficas. Por um lado, um estudante deslocado possui em média 14% mais despesas do que um estudante não deslocado. E por outro, as despesas de alojamento em cidades como Lisboa ou Porto são muito mais elevadas do que em cidades no interior, como Covilhã, por exemplo.

Segundo dados divulgados recentemente pela Uniplaces, os valores médios de arrendamento de um quarto durante o ano de 2018 foram 377 € por mês para Lisboa e 287 € para o Porto. Se assumirmos estes custos com alojamento e considerarmos que as restantes despesas são iguais às de um estudante deslocado no litoral no ano de 2015 / 2016, é possível fazer uma estimativa das actuais despesas anuais dos estudantes deslocados nestas cidades.

Concluímos que são necessários cerca de 8 843 € por ano para estudar em Lisboa e 7 763 € para o Porto. Falamos de quinze vezes o salário mínimo nacional para estudar em Lisboa e de treze vezes para o Porto.

“Queres conseguir viver e estudar ao mesmo tempo? Sabe mais abaixo”

Estes custos são obviamente incomportáveis para famílias de baixos rendimentos. Para estas existirão sempre outras alternativas. O aluguer de alojamento em cidades próximas à da instituição de Ensino Superior, por exemplo. Abdicar de uma vida social mais activa. Abdicar da compra de alguma bibliografia recomendada. Ter uma alimentação menos saudável. Tornar-se trabalhador-estudante.

E, claro, existe sempre a possibilidade de os estudantes (e as suas famílias) não conseguirem suportar as despesas e deixarem a universidade. Ou não fosse a maior motivação para a desistência do Ensino Superior de natureza económica.

Pedras no sapato

Actualmente o alojamento e as propinas constituem os dois maiores obstáculos no acesso ao Ensino Superior público. Ambos são causados pela desresponsabilização do Estado com o sector.

Por um lado, com o não investimento em residências universitárias, os estudantes deslocados tornaram-se particularmente susceptíveis às dinâmicas do mercado imobiliário. Este não é orientado para a garantia de um tecto para todos, mas sim para o lucro. Nas cidades de Lisboa e Porto, as crises da habitação fazem destas espaços proibitivos.

Por outro, com o aumento das propinas, foi criada nas últimas décadas uma fatura insuportável para as famílias. Esta é especialmente proibitiva para as famílias de baixos rendimentos, tendencialmente de classe trabalhadora.

O bolso para o estudo e a bolsa de estudo

Voltando aos argumentos dos tecnocratas neoliberais:

A ação social não se faz abolindo as propinas, faz-se através de bolsas de estudo.
– Rui Rio, atual presidente do PSD

Diz-nos assim Rui Rio que os que podem pagar os custos devem ter a entrada livre. Enquanto isso, os mais pobres têm de submeter uma candidatura a bolsa de estudo. Apenas findo um processo trabalhoso e vagaroso saberão se são dignos de ter acesso à educação.

Por fim, os felizardos a quem foi concedida permissão para estudar receberão bolsas de estudo desajustadas à sua realidade. Reduz-se, mas não se resolve o problema da desigualdade no acesso ao Ensino Superior.

Fim da primeira parte.

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