Direito de resposta à propaganda turca publicada pelo Jornal Público~ 6 min

Este texto foi redigido por Rok Brossa, internacionalista voluntário presente em Rojava, fazendo uso do direito de resposta salvaguardado na lei para aqueles que são directamente afectados pelos conteúdos de uma publicação. O prazo de 30 dias do direito de resposta foi respeitado, tendo o envio sido feito a 10 de Novembro. Ausente qualquer sinal por parte do Jornal Público, aceitámos publicar a resposta de Rok ao Director de Comunicação da Presidência da República da Turquia.

Por Rok Brossa

No dia 10 de Outubro, o Jornal Público publicou uma crónica do Diretor de Comunicação da Presidência da República da Turquia, Fahrettin Altun. Nesta, o referido diretor explica porque é que “O mundo deve apoiar o plano da Turquia para o nordeste da Síria”.

Entre as muitas barbaridades presentes na referida crónica, o diretor refere que “A Turquia não tem ambição no nordeste da Síria, exceto neutralizar uma ameaça de longa data contra os cidadãos turcos e libertar a população local do jugo de bandidos armados.” discorrendo de seguida uma série de falsas acusações às quais pretendo responder.

A Federação Democrática do Norte da Síria (DFNS) é composta por povos de várias etnias — curdos, assírios, turquemenos, tchetchenos, árabes, entre outros — que neste momento se encontram sob ataque por parte do exército turco e das milícias jihadistas, também conhecidas como Exército Livre Sírio. Entre estas também se encontram, por exemplo, milícias da Al-Qaeda ou do ISIS. Esta operação recebeu o nome de “Nascente de Paz”.

A guerra pessoal de Erdogan procura não só efectuar uma limpeza étnica no nordeste da Síria, como também pretende acabar com o projecto revolucionário que os povos da região colocaram em prática e que assenta na democracia directa, ecologismo e libertação das mulheres.

A inversão de papéis que Fahrettin Altun tenta levar a cabo para explicar a guerra na Síria é falsa e pretende apenas maquilhar a guerra genocida que ninguém deseja – excepto o regime do AKP e o seu parceiro MHP, nacionalistas turcos que também prestam apoio militar via o seu braço paramilitar, os Lobos Cinzentos. Desde o início da guerra na Síria, a Turquia sempre foi um elemento central no apoio logístico e técnico a vários bandos jihadistas. Permitiu também que esses mesmos bandos cruzassem livremente as suas fronteiras, recebessem tratamento hospitalar na Turquia e foi a principal compradora do petróleo do Estado Islâmico.

Desde que se iniciou esta nova etapa da guerra genocida contra o povo curdo, o exército turco e os seus bandos jihadistas assassinaram mais de 300 civis e pelo menos 600 estão feridos. Mais de 300 000 pessoas foram forçadas a fugir da guerra, mais de 5000 professores ficaram sem trabalho e pelo menos 85 000 crianças foram forçadas a deixar de ir à escola. Há já uma ampla documentação dos crimes de guerra cometidos pela exército turco, tal como o uso de armas químicas proibidas [fósforo branco] e o bombardeamento de zonas essenciais à sobrevivência das populações. Estas incluem a estação de água de Alok, que fornecia água a mais de meio milhão de pessoas.

Internamente, esta guerra também tem provocado vítimas. Centenas de pessoas foram presas por fazer comentários contra a guerra. Erdogan também aproveitou para aumentar ainda mais o nível de militarização de Bakur (no sudeste da Turquia). Dezenas de representantes políticos pró-curdos estão a ser presos e impedidos de exercer os cargos para quais foram legalmente eleitos.

Os crimes de guerra, registados em fotos e vídeos realizados pelos próprios combatentes jihadistas, são exemplificativos do sadismo e da mentalidade patriarcal de quem participa neste processo de limpeza étnica. Dois casos em particular chocaram o mundo, dada a brutalidade dos eventos. Um foi o assassinato de Hevrin Khalef, política curda e uma referência entre as mulheres da Síria. Uma incansável defensora dos direitos das mulheres e reconhecida activista pela paz. Foi emboscada, torturada e o veículo em que seguia foi metralhado com dezenas de balas. O segundo caso foi o de Amara Rênas, combatente das YPJ, capturada por milicianos pró-turcos, que mutilaram o seu corpo.

A dada altura do seu texto, Fahrettin Altun afirma que “a Turquia irá basear-se nas suas anteriores experiências no Norte da Síria para manter a zona estável”. É mais uma tentativa falhada de gerar algum tipo de legitimação ou aceitação de uma guerra genocida . 600 dias depois das milícias de ideologia salafista, controladas pela Turquia, terem tomado Afrin. Nas ruínas da cidade agora governada por jihadistas, os sinais de vida são inexistentes. Era uma cidade em que, até ao momento da ocupação do regime turco, a guerra não tinha chegado. Um ponto de abrigo e de segurança para milhares de pessoas que tinham fugido de outros pontos da guerra na Síria.

Com a derrota territorial do ISIS, o mundo olhou com expectativa para aquilo que poderia ser um vislumbre do fim de uma guerra que já ceifou demasiadas vidas, que provocou uma onda de milhões de refugiados e a perda de património cultural e social da humanidade. Na fase em que se poderiam iniciar diálogos políticos para uma solução de paz, a Turquia, uma vez mais insatisfeita com os resultados e com a forma como poderiam arruinar o horizonte neo-otomanista que Erdogan pretende criar, desestabiliza a região e um projecto revolucionário que permite uma solução de paz duradoura para a zona em particular e para o Médio-Oriente no geral.

Por todas estas razões e muitas outras que poderíamos referir, não poderíamos deixar de condenar a publicação da referida crónica pela Jornal Público, assim como o director de comunicação pela forma como tenta legitimar um genocídio e uma limpeza étnica. Neste momento é necessário que o mundo se erga em solidariedade com o projecto revolucionário construído pela Administração do Norte e Este da Síria. Mais do que nunca, a solidariedade internacionalista tem de ser exercida e necessitamos de exigir que organizações públicas e Estados condenem a invasão de Rojava pela Turquia e exijam o fim imediato de qualquer agressão militar. 

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