#Legislativas2022 Minerar um quarto de Portugal? Os partidos assobiam para o lado~ 6 min
Por Francisco Norega
Portugal tem hoje cerca de um quarto do seu território sob risco de exploração mineira. São dezenas de milhares de quilómetros quadrados para prospecção e extracção de diversos minerais. No entanto, todos os partidos guardam silêncio sobre o tema. Foi preciso chegar ao 15º debate televisivo para a mineração ser referida pela primeira vez.
O plano de fomento mineiro avançado pelo governo é algo que trará consequências inimagináveis para a maior parte do interior, prometendo deixar um rasto de devastação de norte a sul do país e contaminar não só solos e ar mas também a maior parte das bacias hidrográficas. Este plano põe em causa a qualidade de vida das populações rurais, os seus modos de vida, a biodiversidade, a agricultura e os recursos hidrológicos do nosso território.
Há autarquias e órgãos locais de partidos de todo o espectro político com posições públicas contra a mineração e, no entanto, todas as estruturas partidárias nacionais continuam a agir como se o tema não existisse. Não surpreenderia que o PS, sendo o mais feroz defensor deste plano de fomento mineiro, tentasse fugir deste debate na campanha eleitoral. Mas os restantes partidos estão a facilitar-lhe o trabalho.
O Bloco de Esquerda fala do ambiente, fala das alterações climáticas e da chamada “transição energética”, mas as populações prestes a ser sacrificadas em nome da “mobilidade verde” não merecem menção. O PSD, maior partido da oposição, não refere o tema uma única vez. A Iniciativa Liberal e a extrema-direita idem. O PCP também não. Os seus parceiros de coligação, Os Verdes, são o único partido com assento parlamentar que tem uma posição assumidamente contra a mineração e que tem propaganda na rua sobre o tema. Infelizmente, Os Verdes não participam nestes debates televisivos.
Depois temos o CDS, que se afirma o “único defensor do mundo rural” e que tem um dos seus presidentes de câmara, em Ponte de Lima, com uma posição pública contrária à mineração. Nos debates televisivos fala de agricultura, fala de caça, fala de pecuária e, ainda assim, também não refere uma única vez o tema da mineração.
Resta o PAN – Pessoas-Animais-Natureza. Segundo os seus estatutos, o partido “tem como fim a protecção (…) dos direitos das pessoas, dos animais (…) e da natureza, presentes e futuros”. Segundo o que escutamos nos debates, para o PAN, o combate às alterações climáticas passa por “transição energética” e “descarbonização”, e isso consegue-se transformando a economia que temos numa “economia verde” e criando milhares de “trabalhos verdes”. Simples assim.
Aparentemente, para o PAN, a mineração não era um tema suficientemente importante para trazer a debate com os seus adversários. Foi preciso chegar ao 15º debate, o terceiro do PAN, no caso frente ao PS, para se falar de mineração. Mas não por iniciativa de nenhum dos partidos. É uma pergunta feita pela moderadora, pela qual tantas populações do interior ansiavam, que põe o tema em cima da mesa. E é uma pergunta surpreendentemente bem colocada: «Neste processo mundial rumo à descarbonização (…), o lítio é ou não uma solução para a mudança de paradigma energético?»
Inês Sousa Real, porta-voz do PAN, falha em dar uma resposta clara à pergunta. Diz que defendem que, «para além de uma forte regulamentação destas matérias, tem de existir um distanciamento das comunidades e das populações» e que «não pode acontecer a opacidade dos contratos». Diz ainda que a mineração de lítio «vai pôr em causa valores ambientais e biodiversidade. (…) Se queremos de facto ter um compromisso com o combate às alterações climáticas não podemos estar a explorar o lítio em zonas sensíveis, em zonas protegidas».
Tem, no entanto, um outro lado do discurso. Para Inês Sousa Real, «se não somos competitivos, não faz sentido estarmos a esburacar o país». «Portugal não tem uma capacidade concorrencial como têm outros países», afirma. Diz que «não partilhamos a visão do não no nosso quintal, isso seria uma pura hipocrisia», mas a ambiguidade do discurso abre espaço a que surjam algumas perguntas – se as minas não forem em zonas protegidas, e forem afastadas das populações, já não há problema? Não existiriam igualmente problemas para o ambiente e a biodiversidade?
Se Portugal tivesse essa «competitividade», já faria sentido esburacar o país? Nos territórios em que houver competitividade, avança-se com a mineração? É incrível que haja quem pense que se combate as alterações climáticas e se salva a natureza… destruindo a natureza.
O PAN diz muita coisa, mas não usa a oportunidade para responder a «o lítio é ou não uma solução para a mudança de paradigma energético?». Não fala de que há várias alternativas às baterias de lítio – algumas delas mais eficientes, mais duradouras, menos prejudiciais para o ambiente e de mais fácil reciclagem, mas que são repetidamente ignoradas pelo simples facto de serem menos lucrativas e por isso menos interessantes ao sistema económico.
O PAN não usa a oportunidade para denunciar como este plano de fomento mineiro pretende, a coberto desse “mineral verde”, o lítio, esventrar todo o interior para extrair mais de uma dezena de minerais. O PAN não denuncia os contratos assinados para exploração de ouro, cobre, volfrâmio e outros tantos minerais. O PAN refere a Serra d’Arga e a Argemela, mas surpreendentemente não refere o Barroso, uma das regiões em que a ameaça é mais iminente, que não só é Património Agrícola Mundial como também um dos seus municípios, Montalegre, faz parte da Reserva da Biosfera Transfronteiriça do Gerês–Xurés.
Alguns partidos talvez guardem silêncio por medo das consequências eleitorais de se debater a fundo o tema, outros porque o eleitorado do interior não lhes é suficientemente importante. Toda a gente assobia para o lado. Até ao veneno chegar às suas torneiras.