Portugal // Público e Expresso apelam a donativos para enviar armas e voluntários às forças ucranianas~ 5 min

Por Víctor Boaventura

Um artigo do jornal Expresso e outro do Público fizeram um apelo, na madrugada passada, para “apoiar o povo da Ucrânia” e “ajudar quem mais precisa”. 

No texto do Expresso pode ler-se o seguinte: “Para lá do xadrez geopolítico, o mundo tem uma crise humanitária em mãos e toda a ajuda é bem-vinda”. Até aqui tudo bem, é normal que em tempos de guerra haja um apelo para as pessoas ajudarem quem mais sofre, os feridos e refugiados. Mas qual é o nosso espanto ao verificar que uma das organizações referidas no artigo, a Army SOS, pedia dinheiro para “angariar munições, escudos e alimentos para os soldados ucranianos”.

Decidimos investigar cada uma das organizações referidas nos dois artigos.

Come Back Alive: O link “Come Back Alive” disponível no artigo do Expresso leva-nos a uma página de angariação de fundos. Se fizermos uma pequena pesquisa neste mesmo site, vemos que esta organização “fornece aos militares da Ucrânia equipamentos auxiliares, software especializado, drones, proteção corporal pessoal, treino de oficiais e soldados.”

Army SOS: Se clicarmos no link da página do Expresso, este leva-nos para uma página com a seguinte descrição: “Exército protege a Ucrânia! Você está pronto para ajudar o Exército hoje?”. Segundo o site da Army SOS, a organização “compra as munições necessárias, escudos, instalações de intercomunicação e reconhecimento, uniformes e abastecimento de alimentos”. E garante que todas as mercadorias são entregues directamente aos soldados.

Sunflower of Peace: Esta organização é referida pelo Público como uma ONG que ajuda o povo ucraniano. Quando clicamos no link presente nos artigos leva-nos a uma página de Facebook com pouco mais de 1000 seguidores. Na descrição da mesma existe uma web que nos leva a um site que não existe ou está desativado. Segundo os dois jornais portugueses, esta organização recolhe fundos para “fornecer mochilas médicas de primeiros socorros para paramédicos e médicos”.  Mas, fazendo uma rápida pesquisa na página de Facebook da Sunflower of Peace, descobrimos que afinal as tais mochilas de primeiros socorros são “desenhadas para ser usadas por grupos de combate militares altamente qualificados – fuzileiros navais, unidades de forças especiais e inteligência”. Ou seja, temos outro claro exemplo de angariação de fundos para a compra de material de apoio a militares.

Revived Soldiers Ukraine: Como o próprio nome indica, o principal objectivo desta organização financiada pelos Estados Unidos é o apoio médico a militares feridos em combate. Segundo a descrição do Jornal Expresso, esta organização dedica-se a “prestar apoio ao povo da Ucrânia para garantir direitos e liberdades fundamentais”. Falta “apenas” mencionar que todo esse apoio não se destina ao povo, mas sim aos militares, o que é bem diferente. Se fizermos um scroll na página da Revive Soldiers, deparamo-nos com uma secção que se chama “Alguns dos nossos heróis”. Aí encontramos a foto de um soldado que foi ferido em combate e precisa de dinheiro para o seu tratamento. De acordo com o site, o militar chama-se Ihor Soroka – um fuzileiro naval que pertence, desde 2014, ao Primeiro Pelotão de Assalto do Pravy Sektor, ou Right Sector. O Right Sector é um partido e organização paramilitar neonazi que utiliza uma adaptação da bandeira do Exército Insurgente Ucraniano (UPA), uma organização nacionalista ucraniana paramilitar que colaborou com a Alemanha nazi durante a 2ª Guerra Mundial e levou a cabo processos de limpeza étnica no Oeste da Ucrânia.

Kyiv Independent: Segundo o Público, este é um meio de comunicação independente “criado por jornalistas que foram despedidos do Kyiv Post por defenderem independência editorial”. Até aí tudo bem. Mas, fazendo uma pesquisa mais exaustiva ao site, encontramos um artigo intitulado “Quer ajudar o exército da Ucrânia como estrangeiro? Aqui está o que você pode fazer”. O artigo sugere 3 maneiras em que você pode ajudar: “doar dinheiro para os militares”, “juntar-se à Home Guard” e, por fim, o “serviço militar activo”. 

Na secção “juntar-se à Home Guard”, o artigo menciona: “Para aqueles que moram na Ucrânia e querem envolver-se a maior nível, temos boas notícias – um estrangeiro pode realmente posicionar-se ao lado dos seus vizinhos ucranianos e juntar-se às Forças de Defesa Territoriais da Ucrânia. Este novo ramo de serviço está apenas em formação, mas os voluntários já podem alistar-se.” Por outras palavras, este jornal “independente” quer angariar voluntários para juntar-se a milícias armadas.

Na secção “serviço militar activo”, o artigo do Kyiv Independent diz: “Os estrangeiros, especialmente aqueles com experiência nas forças armadas, também podem considerar ingressar nas Forças Armadas ou na Guarda Nacional da Ucrânia como membros activos”. Ou seja, o Kyiv Independent está a cometer uma ilegalidade – a lei ucraniana não permite que os militares assinem contratos de serviço oficial com estrangeiros ou apátridas. 

Este é apenas um “sair do armário” dos media portugueses em relação a este conflito. Não bastou o papel que desempenharam ao darem cobertura à “revolução” Maidan enquanto escondiam os seus elementos de extrema-direita nacionalista e russofóbica. Ou ignorarem o caos político e económico que se seguiu, com doutrina de choque neoliberal para matar velhos de frio e forçar a força de trabalho a imigrar, enquanto gangs de oligarcas lutavam pelo cadáver do país. E também fingirem que não se passa nada quando os EUA demonstraram todas as intenções de tornar a Ucrânia numa base militar gigante para meter o dedo no olho da Rússia. 

Depois de tudo isso, só faltava mesmo alimentar directamente a guerra tão ansiada. Com o dinheiro dos outros, claro.

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