Palestina silenciada: Ali Abunimah preso e deportado da Suíça~ 6 min

Por F

Ali Abunimah, director executivo da Electronic Intifada, foi preso no passado sábado pela polícia suíça, em Zurique, onde tinha sido convidado a participar num evento sobre a Palestina.

À chegada à Suíça, na sexta-feira, Ali tinha sido interrogado durante uma hora no aeroporto de Zurique. Depois de responder a todas as perguntas que lhe foram colocadas, viu o seu passaporte carimbado e foi-lhe permitido entrar no país.

No dia seguinte, horas antes do evento agendado, o jornalista palestiniano-norte-americano foi raptado de forma violenta por 4 agentes à paisana, que o algemaram e “o forçaram a entrar num veículo descaracterizado sem lhe dizer para onde ia ser levado”.

A cumplicidade dos media suíços

O Neue Zürcher Zeitung, um dos maiores jornais suíços, tornou-se cúmplice deste processo ao publicar, horas após a chegada de Ali Abunimah à Suíça, um artigo que o acusa de ser um “islamista radical”, apesar de o próprio jornalista afirmar ser “uma pessoa não-religiosa”.

O artigo dá voz ao representante de um grupo suíço pró-israelita que acusa Ali e a Electronic Intifada de serem “porta-vozes do Hamas”, e noticia que a polícia cantonal de Zurique submeteu à polícia federal suíça um pedido para a emissão de uma interdição de entrada no país.

O NZZ cita ainda Mario Fehr, chefe do Departamento de Segurança de Zurique, que explica que “não queremos um islamista que odeia judeus, e que apela à violência, na Suíça”. Um artigo da Grayzone revela que Mario Fehr, que deu a ordem para o aprisionamento de Ali Abunimah, é um “activista pró-israel fanático” com um largo historial de intervenções públicas em que afirma a sua lealdade à narrativa sionista.

Tendo em conta que Ali já tinha entrado legalmente no país, a insistência em apelar à emissão de uma interdição de entrada, na prática, constituiu uma incitação, por parte de um meio de comunicação, à detenção de um jornalista – o que acabou por acontecer no dia seguinte.

Três dias na prisão

Após a sua detenção, Ali Abunimah foi levado directamente para uma prisão onde ficou, durante três dias e duas noites, sob “detenção administrativa”. Foi informado de que tinha violado a lei suíça, mas não foi formalmente acusado de nenhum crime. 

Era uma prisão nova, muito asséptica, muito luminosa, muito brutalista e de cimento, muito ferro e sons metálicos (…). Era uma prisão a sério, não era uma cadeia de esquadra, eram corredores intermináveis de celas.

Ali Abunimah, 28/01/2025

Ali foi mantido “sem qualquer comunicação com o exterior”, impossibilitado de contactar a família ou, sequer, a sua advogada. Nesta prisão suíça, em que os reclusos são mantidos nas suas celas 24 horas por dia, o único contacto humano acontece pelas janelas das celas, através das quais os prisioneiros trocam mensagens entre si.

Mustafa, o prisioneiro de origem marroquina com quem partilhava a cela, a certa altura escreveu na janela, apontando para Ali, que o seu companheiro de cela era palestiniano, ao que os restantes prisioneiros responderam com acenos e gestos de vitória, numa demonstração de solidariedade que Ali relata com emoção. Segundo ele, todos os presos nesta prisão são de etnia árabe, sendo a maioria requerentes de asilo vindos de Marrocos e da Argélia.

No segundo dia de detenção, agentes do Ministério da Defesa suíço tentaram interrogar Ali, que se recusou a responder a perguntas na ausência da sua advogada e exigiu que os seus direitos fossem respeitados. Ali recusou todas as refeições, bebendo apenas água, até saber que ia ser libertado. 

Deportado

Ali Abunimah foi deportado da Suíça na tarde de segunda-feira. O jornalista foi levado para o aeroporto “algemado, numa pequena jaula de metal dentro de uma carrinha prisional sem janelas, e escoltado até ao avião pela polícia”.

Após a sua libertação, Ali publicou um longo comunicado na sua conta pessoal do twitter em que deixou uma palavra de solidariedade para com os milhares de prisioneiros palestinianos:

Esta provação durou três dias, mas o sabor da prisão foi mais do que suficiente para me deixar com um ainda mais profundo respeito pelos heróis palestinianos que passam meses e anos nas prisões do opressor genocida.

Na noite de terça-feira, num livestream especial não-programado, Ali Abunimah conversou com os seus colegas da Electronic Intifada e relatou em detalhe a sua experiência na Suíça.

Assédio e repressão dos movimentos locais

Ali tinha sido convidado a falar num evento que se devia ter realizado numa escola, numa sala alugada previamente pelo Comité Palestina de Zurique.

Na noite de sexta-feira, um dos organizadores recebeu uma visita da polícia federal, que informou que as autoridades “não queriam que Ali Abunimah falasse em sítio nenhum na Suíça”.

No sábado, horas antes do evento, foi deixado na porta da escola um aviso informando que o evento tinha sido cancelado. 

A Europa do silenciamento

A detenção de Ali Abunimah faz parte de uma campanha alargada, a nível europeu, para silenciar vozes pró-palestinianas. Durante o último ano, activistas, jornalistas e médicos têm sido detidos, visto as suas casas invadidas pela polícia e proibidos de viajar sob pretexto de terem “violado legislação anti-terrorista”.

Em Outubro, o jornalista Asa Winstanley, também da Electronic Intifada, viu a sua casa invadida e os seus aparelhos electrónicos confiscados por agentes da polícia britânica, sem que tenha sido formalizada qualquer acusação.

Por ocasião do Congresso Palestina, que devia ter-se realizado em Berlim em Abril, Ali Abunimah foi informado de que não era bem-vindo na Alemanha e enfrentaria consequências legais se participasse em qualquer evento sobre a Palestina no país, mesmo que a participação fosse por videoconferência. Também Ghassen Abu Sitta, cirurgião e reitor da Universidade de Glasgow, e Yanis Varoufakis foram impedidos de entrar na Alemanha para participar neste Congresso, que acabou por ser interrompido pela polícia alemã nos primeiros minutos da intervenção de abertura.

Pouco depois, Abu Sitta foi impedido de entrar em França, onde tinha sido convidado a falar perante o Senado francês sobre a sua experiência enquanto cirurgião em Gaza. Antes de ser repatriado para o Reino Unido, Abu Sitta foi informado de que estava proibido de entrar no espaço Schengen pelo período de um ano.

Estes casos não são anomalias ou excepções à normalidade democrática, mas um padrão consistente que demonstra que a “democracia” e a “liberdade de expressão” são apenas figuras de estilo que têm como única função iludir o público no centro do Império, criando uma falsa dicotomia entre o Ocidente civilizado e os “regimes autoritários” que a propaganda nos quer fazer odiar.

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