Crónica de um evento insólito com um criminoso de guerra israelita~ 23 min

Por F
Há duas semanas, dia 1 de Julho, um evento insólito teve lugar em Coimbra.
Sob o lema “We need to talk about israel, zionism, xenophobia, hatred, violence”, o evento contou com a presença de 3 israelitas – dos quais pelo menos um, Bar Harel, serviu nas IDF durante o genocídio em curso na Faixa de Gaza.
Logo à partida, várias coisas levantaram suspeitas entre quem tem apoiado a Palestina na região de Coimbra – depois de 20 meses de genocídio, o cartaz que anunciava o evento tinha a bandeira de israel como pano de fundo e não fazia qualquer referência à Palestina. Tal como o regime sionista na Palestina e as pessoas que diariamente arrancam cartazes pró-Palestina em Coimbra, o cartaz deste evento tinha objectivos claros – defender e vitimizar israel e apagar a existência da Palestina.

Algo mais levantou suspeitas entre nós: o evento não foi anunciado publicamente, tendo o cartaz sido enviado em privado a uma companheira por uma das pessoas por detrás da organização do evento.
Tudo indicava que o evento serviria para dar palco a sionistas e, muito provavelmente, seria uma manobra destes para identificar as pessoas que estão activas em Coimbra em torno do tema da Palestina.
Ainda assim, e apesar dos riscos, várias de nós decidimos comparecer. Deste lado, as razões foram claras: um evento destes não podia acontecer na nossa cidade sem que houvesse contraditório e, caso outras pessoas comparecessem, não deviam estar sozinhas.
Os sentimentos dos pobres israelitas
Cedo se percebeu que o evento era mesmo aquilo que esperávamos: um espaço para três israelitas e uma judia alemã poderem expressar o quão ofendidos, atacados e inseguros se sentem por verem nas paredes cartazes a criticar as acções do regime sionista.
Durante mais de 3 horas de discussão acesa e, em grande medida, cordial, deparámo-nos com típicos argumentos e lógicas imersos em excepcionalismo judaico – sem o qual seria impossível invocarem tantas vezes a necessidade de judeus, israelitas e sionistas se sentirem seguros, sem mostrarem qualquer preocupação para com a segurança dos palestinianos que estão a ser vítimas de um genocídio.
Da mesma forma, não demonstraram qualquer empatia quando lhes demos conta da insegurança que nós próprias sentimos em acções de rua. Afinal, nestes 21 meses, a única agressão física que aconteceu em Coimbra em torno da questão da Palestina foi perpetrada por turistas israelitas contra um protesto das AsSentadas no Largo D. Dinis, em Abril do ano passado.
Segundo eles, utilizar nos cartazes a expressão “turistas israelitas” é uma generalização anti-semita, e a utilização da estrela de David nestes cartazes provoca um sentimento de insegurança aos judeus que andam nas ruas de Coimbra com estrelas de David ao pescoço. Curioso como nenhuma destas pessoas se mostrou preocupada com a forma como a sua segurança enquanto judeus é ameaçada pela utilização da estrela de David pelo regime sionista enquanto comete genocídio e justifica a morte de dezenas de milhares de crianças, mulheres e homens palestinianos.
Estas pessoas, assim como os seus colaboradores locais, tinham provavelmente a esperança de apanhar pessoas pró-Palestina a usar argumentos anti-semitas, ou a negar o Holocausto, ou a cometer algum erro que servisse para lançar acusações que descredibilizassem os movimentos pela Palestina na cidade.
Na verdade, foram os sionistas os únicos a negar a existência de um Holocausto – aquele que neste momento se desenrola em Gaza.
Bar negacionista
Foi um dos israelitas presentes, que se apresentou como um mero estudante e que mais tarde viemos a descobrir chamar-se Bar Harel, que enveredou pelo mais bizarro exercício de negacionismo.
Já numa fase avançada do evento, coloquei três perguntas simples a Bar: se denuncia e renuncia ao genocídio, se denuncia e renuncia ao apartheid, e se denuncia e renuncia à ocupação. Bar, surpreendentemente, respondeu afirmativamente às três perguntas, apenas para logo de seguida afirmar que considera não estar a acontecer um genocídio, e não existir apartheid nem ocupação na Palestina.
Esta afirmação levou o responsável pelo espaço a intervir para clarificar que, num local que se afirma anti-fascista, não cabe a negação do genocídio em curso em Gaza, assim como seria intolerável alguém negar o Holocausto, o genocídio arménio ou qualquer outro genocídio.
Este negacionismo abjecto, partilhado desavergonhadamente por uma reputada docente da Faculdade de Letras da UC, serviu de mote para o responsável pelo espaço dar por terminado o evento. Já anteriormente tinha pedido a palavra, numa das poucas intervenções que fez, para se manifestar surpreso com o carácter do evento, que inicialmente pensara tratar-se de uma roda de conversa pró-Palestina, e para chamar a atenção para o facto de estarmos num espaço anti-fascista, sendo o sionismo uma forma de fascismo.
Bar falacioso: ocupação, paz e sionismo liberal
Não é minha intenção maçar os nossos leitores e leitoras com os longos debates que tiveram lugar durante o evento, mas parece-me útil referir três argumentos apresentados por Bar Harel, pois são bastante ilustrativos da psique sionista.
Bar usou da palavra para dizer que a situação na Cisjordânia é complicada por causa de ataques de “ambas as partes”. Quando confrontado com o facto de a presença israelita na Cisjordânia ser a razão para haver ataques contra colonos, Bar admitiu concordar que os colonatos deviam ser retirados do território – no entanto, afirmou que as IDF lá deviam continuar, porque “a situação é complexa”.
Bar também afirmou que “israel quer paz”, dando o exemplo do tratado de paz com o Egipto que dura há mais de 50 anos – e que, como ele próprio afirmou, foi conseguido depois de israel “conquistar” o Sinai, prontamente devolvido em troca da “paz”. Foi confrontado de imediato, pois fazer uma afirmação destas não é mais do que normalizar a conquista de território de países vizinhos para depois os chantagear – o que aconteceu não só com o Egipto há meio século, mas está a acontecer neste preciso momento com o Líbano e a Síria.
No meio destas considerações, Bar diz “my friends in the IDF”, uma expressão que me deu voltas ao estômago, tanto quanto daria ouvir “my friends in the SS”.
O mais curioso é que estas são as opiniões de um israelita que, durante o debate, afirmou ser “de esquerda” e crítico de Netanyahu e da “extrema-direita” israelita. A sua intenção era outra, mas o que acabou por deixar claro, para quem ainda não o tivesse compreendido, é que o problema do regime sionista não é Netanyahu, Ben Gvir ou Smotrich, mas o projecto colonial como um todo.
Esta é a realidade: Netanyahu até pode cair mas, caso seja substituído por um líder sionista “de esquerda”, as únicas mudanças serão retóricas e cosméticas – e o genocídio, a ocupação e o apartheid vão prosseguir, e continuarão a ser negados.
Mossad?
1. O organizador do evento
Voltando ao início… Quando o evento estava prestes a começar, coloquei uma questão aos presentes:
Can someone give us a guarantee that there are no people from Mossad or shit like this [in] here?
Obviamente, não esperava uma resposta honesta dos sionistas presentes, mas é sempre útil lançar uma pergunta destas para ver as reacções e sentir a sala. A resposta imediata, e a mais curiosa, veio do Vasco, o “organizador do evento”: «What is Mossad?»
Sim, o Vasco organizou um evento sobre israel, mas fez-se de desentendido quando confrontado com uma pergunta simples. Depois de uma curta troca de palavras em que passámos do inglês ao português, o Vasco afirmou (e esta é a única citação directa que posso fazer, pois é a única parte da conversa que gravei):
Mesmo que eu não saiba o que é o Mossad, eu acho que não preciso de saber para poder criar um espaço onde as pessoas podem ser ouvidas. E, neste espaço, vocês também podem trazer esta informação para que eu também, no futuro, também possa ser um organizador melhor. Eu tive esta necessidade de criar este espaço, mesmo não sabendo o suficiente sobre, se calhar, história e política do que se passa no Médio Oriente, porque eu vejo o que se passa em Coimbra, e para mim é importante falar sobre isso.
No final do evento, dei o meu número ao Vasco e a mais uma ou outra pessoa presente – algo que pode ser considerado estúpido e abre as portas a ter o meu telemóvel hackeado, mas que ajudou a descobrir a careca a esta rede de agentes (de quê exactamente, ou de quem, não há ainda forma de afirmar com certeza) infiltrados nos movimentos e meios alternativos de Coimbra.
Algumas horas depois, recebo uma mensagem do Vasco, dando-me conta de que não é a primeira comunicação entre nós. Há um ano atrás, a 26 de Maio de 2024, o Vasco escreveu-me – tendo presumivelmente encontrado o meu contacto depois de se ter infiltrado no grupo de whatsapp do Coimbra pela Palestina, provavelmente no seguimento de uma interação com os e as estudantes que estavam na altura acampadas em frente à Faculdade de Letras da UC.
Nesse dia, escreveu-me a propósito do documento “75 anos de Ocupação – Uma breve história do estado de israel”, que eu havia ajudado a redigir meses antes, quando ainda participava no movimento. Numa longa mensagem, o Vasco disse que estava a ler a “compilação de história do conflito israel-Palestina” e que estava “mesmo muito bom, ao mesmo tempo claro e bastante detalhado”.
Depois das palmadinhas nas costas, o Vasco passou a queixar-se da “desvalorização dos mortos israelitas”, fazendo referência a uma passagem sobre a Segunda Intifada. De seguida, disponibilizou-se para sugerir maneiras de melhorar o texto.
A pergunta que se impõe é simples: como é que uma pessoa que organiza um evento sobre israel diz não saber o que é “o Mossad” e que “não sabe o suficiente sobre história e política do que se passa no Médio Oriente”, quando um ano antes leu um texto de várias páginas sobre a história da ocupação da Palestina, classificou-o como “muito bom” e se achou informado o suficiente para “sugerir formas de reescrever” certas passagens?
Voltando ao presente… Numa troca de mensagens no dia a seguir ao evento, o tom também já foi completamente diferente – quando voltei a perguntar-lhe “Como é que eu consigo saber que tu não és da Mossad?”, a resposta foi outra:
Aviso-te que, se eu for da Mossad, serei muito experiente em infiltrações! Vê lá se os teus skills de “cafés” estão à altura do meu treino intensivo de espião.
Vasco, o organizador
2. Bar: de estudante à 8200
Um dos israelitas presentes, que eu ainda não sabia chamar-se Bar Harel, respondeu assim à minha questão:
There will be no one from the Mossad here. I’m a student.
Qual não é a minha surpresa quando descubro, um par de dias depois, que este “estudante” com quem passámos 3 horas fechados na mesma sala é, na verdade, um criminoso de guerra das IDF, que serviu durante o genocídio em curso na Faixa de Gaza.
Mas Bar não é membro de uma unidade qualquer das IDF – foi (ou é) da Unidade 8200, a unidade de serviços secretos militares sob tutela das IDF. Não é a Mossad, os serviços secretos israelitas que respondem directamente ao primeiro-ministro – mas prova que a pergunta que fiz no início do evento não era assim tão descabida.
Eis uma das partes mais caricatas de toda esta história – estas pessoas montaram uma operação complexa para se fazerem passar por vítimas e para tentarem descobrir as pessoas por detrás dos cartazes e autocolantes que teimam em arrancar por toda a cidade. No fim, acabaram por ser eles a expôr-se como infiltrados nos meios pró-Palestina e alternativos da nossa cidade.
Mais uma prova de que os israelitas, que se consideram superiores ao comum dos mortais e acreditam ter o melhor exército do mundo, são autênticos amadores – até aqueles que fazem parte de unidades de serviços secretos. Afinal, qual é a probabilidade de um membro de uma unidade de inteligência militar ter essa informação visível no seu perfil de LinkedIn?
Os restantes participantes
Outra das participantes, e namorada do “organizador”, é uma jovem que se apresentou como alemã e judia, e que no evento jogou o papel de “polícia bom”, afirmando sentir-se, para além de atacada e insegura com os referidos cartazes, preocupada também com os palestinianos e, por isso, interessada em ouvir.
Foi esta pessoa que introduziu o cartaz nos meios pró-Palestina, partilhando-o com uma companheira activa aqui na cidade. Mais uma vez, a companheira nunca tinha dado o seu contacto a esta jovem alemã, apesar de se terem visto um par de vezes e conversado brevemente, mas recebeu uma mensagem dela por estarem ambas num mesmo grupo de whatsapp.
Para além disso, estiveram presentes no evento um outro estudante israelita – que manteve um discurso bem mais cordial, embora nunca centrado nos sentimentos dos palestinianos em Gaza, mas nos seus e na equiparação entre a opressão de israelitas e palestinianos – e uma jovem, presumivelmente também estudante e israelita, mas que não fez uma única intervenção.
Uma prestigiada professora da Faculdade de LETRAS da UC, que tratava vários dos participantes pelo nome, também esteve presente e também enveredou por exercícios de negacionismo – alegando, contudo, não saber a definição da palavra genocídio.
Para além destas, e de três pessoas pró-Palestina que aguentaram ficar até ao fim, estiveram presentes apenas outras duas pessoas – o que torna ainda mais suspeito todo o evento, que parece não ter sido divulgado publicamente, mas apenas por privado junto do alvo específico – a comunidade pró-Palestina.
Equações de dissuasão: porquê publicar sobre tudo isto, e escrevê-lo assim?
Durante vários dias, perguntei-me se devia escrever sobre este insólito evento.
A verdade é que, se algumas de nós expusemos as nossas identidades a este grupo de sionistas, mais vale expor publicamente os acontecimentos desse dia.
Escolhi não revelar os nomes dos restantes participantes, além de Bar Harel e do organizador do evento, a personagem mais suspeita de toda esta história.
A verdade é que, para além do caso de Bar, não tenho elementos suficientes para fazer afirmações peremptórias sobre se cada uma destas pessoas é agente desta ou daquela organização, ou se as suas intervenções durante o evento eram opiniões genuínas ou uma encenação. Quem sabe se não foi tudo inócuo? Afinal, vivemos hoje num mundo bizarro. Talvez andem só a utilizar os grupos de whatsapp para, com fins puramente recreativos, contactar pessoas que nunca lhes deram o número e convidá-las para eventos suspeitos – ou para apelar à valorização dos nazis dos nossos tempos.
De qualquer forma, por uma questão de segurança – não só a nossa, mas a de toda gente que se organiza por estas bandas –, um documento com os detalhes das várias pessoas envolvidas nestes eventos foi enviado a diferentes pessoas e grupos pró-Palestina na cidade e na região.
Preocuparmo-nos com a nossa segurança pode parecer paranóico – mas, tendo em conta que pelo menos uma destas pessoas é um criminoso de guerra das IDF, com vários anos de experiência em ciber-espionagem, não será totalmente descabido. Se há algo que os últimos 21 meses ensinaram ao mundo é que os sionistas não têm limites.
Nós não temos um alcance extraordinário e, como tal, somos pouco importantes no cômputo geral das coisas. Por isso, é pouco provável que decidam agir, o que só chamaria a atenção para quem, perante a indiferença generalizada, está a fazer algo pela Palestina em Coimbra.
No entanto, publicar isto deixa claro que, caso algo venha a acontecer a algum ou alguma de nós, a responsabilidade certamente estará algures entre estas pessoas. Isto vale tanto para agressões e intimidações como para tentativas de censura do nosso site ou das nossas páginas nas redes sociais – considerar-vos-emos responsáveis.
Se algo já compreendemos é que os sionistas só se comportam quando se lhes é imposta uma equação de dissuasão.
Apagamento, de Gaza a Coimbra
Uma última nota sobre outra coisa suspeita que aconteceu durante as horas que o evento durou. Antes de começar, à porta do local onde este se realizou, encontravam-se vários cartazes anti-sionistas colados na parede e em duas portas metálicas de uma caixa de electricidade.
Pouco depois de chegar, o organizador colou um cartaz do evento por cima de um dos cartazes anti-sionistas, isto apesar de haver espaço de sobra para o colar noutro local. Após a porta ser aberta e a maioria subir para o espaço, um dos presentes retirou esse cartaz, tendo o cuidado de não o danificar, e subiu para o devolver ao organizador e dizer-lhe: “Tens aqui o teu cartaz, cola-o noutro sítio. Ali não.”
Quem ficou no evento até ao final, ao sair do espaço, deparou-se com as tais portas metálicas imaculadas, os cartazes e a tinta de vários tags e desenhos meticulosamente removidos. Coincidência? Quem sabe?


Um par de horas antes do evento, o Vasco participou num cordão humano pela Palestina que se realizou na Baixa de Coimbra. No final, entregou flyers do evento a algumas de nós – e apenas a nós, que estávamos com cartazes de apoio à resistência e com grafismo identificável. De seguida, subiu a um caixote do lixo para tentar arrancar um cartaz dirigido aos turistas israelitas.
O Vasco e os seus amigos sionistas são responsáveis, a par com instituições e comerciantes da cidade, por arrancar diariamente os cartazes e autocolantes que por aí são espalhados, ou neles deixar mensagens de ódio nos casos em que não conseguem ser bem-sucedidos.

Sim, na nossa cidade andam pessoas a pagar do seu bolso para exprimirem a sua oposição ao Holocausto dos nossos tempos, enquanto israelitas genocidas vêm para cá estudar em universidades públicas, financiadas pelos nossos impostos, e tentam difamar-nos, silenciar-nos e invisibilizar-nos – a nós e à Palestina.
Obviamente, nem lá nem cá serão bem-sucedidos.
Desafio a Bar Harel
Quando saí do evento, de forma ingénua, mostrei-me aberto a, no futuro, continuar a discussão com vários destes sionistas, seja num outro evento semelhante ou em cafés. Assim como eles têm interesse em saber mais sobre nós, também eu tinha interesse em saber mais sobre eles – e, nessa altura, sentia que talvez algum deles tivesse genuínas intenções de ouvir e aprender com o outro lado.
Depois do que fui descobrindo nos últimos dias, a minha vontade de “tomar cafés” desvaneceu-se. No entanto, não temo nenhum debate – muito menos com sionistas.
É nesse sentido que venho publicamente desafiar Bar Harel a debater comigo o “conflito israelo-palestiniano” (como ele lhe chamará) numa data próxima. Desta vez, num evento devidamente anunciado e difundido, num local aberto ao público e com uma mediação acordada entre ambas as partes.
Apesar de no mundo virtual não expôr a minha identidade, quem me foi conhecendo ao longo dos anos sabe que eu nunca tive problema em dar a cara e defender aquilo em que acredito. E o Bar, será que tem?



















