Repressão da solidariedade com a Palestina na Volta a Portugal~ 25 min

Por Francisco Ulrike
A penúltima etapa da Volta a Portugal teve lugar este sábado, partindo de Alcobaça rumo a Montejunto, passando pela Nazaré, Caldas da Rainha, Torres Vedras e Bombarral, entre outras localidades do Oeste.
A Volta contou com a participação da equipa Israel Premier Tech, do bilionário canadiano-israelita Sylvan Adams – uma equipa acolhida com toda a normalidade na competição, apesar de o genocídio em curso na Faixa de Gaza estar já no seu 23.º mês. Assim, a Volta a Portugal tornou-se em mais um evento desportivo manchado com sangue palestiniano – e cúmplice do branqueamento dos crimes do regime sionista.
Mas, como se não bastasse o regime sionista estar representado, o estado português mobilizou as forças policiais para silenciar sistematicamente a solidariedade com a Palestina.
Na Nazaré, onde a Guilhotina esteve presente, duas dezenas de pessoas foram alvo de abuso policial, intimidação, empurrões e identificações por segurarem bandeiras da Palestina e cartazes críticos do regime sionista.
Pouco depois, chegou-nos a notícia de que a polícia tinha sido ainda mais agressiva nas Caldas da Rainha, onde uma pessoa acabou detida por fazer algo que se faz em todas as Voltas. Para compreender exactamente o que sucedeu, falámos com Marta Moura, residente nas Caldas da Rainha há vários anos, que presenciou todos os acontecimentos e nos relatou os eventos em detalhe.
Quando estávamos a fechar este artigo, chegou-nos ainda um relato de intimidação e abuso de autoridade durante a etapa final da Volta, no dia seguinte, em Lisboa – que reproduzimos no final do artigo.
Abuso de autoridade e detenção ilegal nas Caldas da Rainha
Cerca de uma dezena de pessoas reuniu-se ao início da tarde de sábado nas Caldas da Rainha para expressar a sua solidariedade com a Palestina na passagem da Volta a Portugal pela cidade. Consigo tinham apenas três bandeiras e dois cartazes.
Pouco depois, conta Marta Moura, um carro descaracterizado chegou ao local e estacionou no meio dos presentes.
Saem [do carro] dois polícias à paisana e começam a pedir identificação a toda a gente. Nós dissemos que eles não nos tinham de identificar, não estavam a identificar mais ninguém, não havia razão nenhuma.
Um dos polícias disse que nós tínhamos bandeiras da Palestina e portanto ia identificar-nos – e eu perguntei onde é que estava a lei que dizia que eu não podia andar com uma bandeira da Palestina.
Marta Moura
Entretanto, os paisanas chamaram reforços e, pouco depois, chegou a PSP que disse aos presentes que não havia uma manifestação convocada. «Nós dissemos que não estávamos a fazer uma manifestação, estávamos a assistir à Volta com aquelas bandeiras e aqueles cartazes, mas não tínhamos que ter convocado aquilo.»
A polícia acabou por não identificar os presentes, mas impôs a mesma fórmula que havia usado pouco antes na Nazaré: seria permitido empunhar bandeiras, mas não cartazes.
Por volta das 14h, quando alguns ciclistas da equipa israelita estavam a passar pelo local, um dos jovens começou a tentar correr ao lado dos ciclistas – «como se faz em todas as Voltas», aponta Marta Moura – enquanto segurava uma bandeira da Palestina. O jovem não atacou nenhum ciclista, não se atravessou à sua frente, nem colocou em risco a integridade física de ninguém – quem o fez foi um dos polícias, que imediatamente atravessou a rua e fez uma placagem violenta ao jovem, atirando-o contra um carro.
Um grupo de 4 polícias rodeou o jovem e imobilizou-o, movendo-o depois para junto de um muro, o que fez com que o irmão deste jovem e Marta Moura se aproximassem para questionar a acção da polícia.
«Nós tentámos ir parar aquilo [e] houve outros dois polícias que agarraram em nós e mandaram-nos para o meio da estrada», conta Marta Moura. «Eu disse que eles não podiam estar a bater, não podiam estar a fazer aquilo, e eles continuaram a empurrar-nos e fizeram um cordão para nós ficarmos do outro lado da estrada.»

De seguida, algemaram o jovem e levaram-no para dentro do carro-patrulha. «Nós fomos lá, o irmão tentou dar-lhe o telemóvel, nós dissemos que ele tinha direito a ter o telemóvel – e eles disseram que não, que se quiséssemos que fossemos para a esquadra.»
E assim o fizeram.
Chegámos lá, e ele estava a trautear a música “Eu Vi Este Povo a Lutar”, do José Mário Branco, e não dizia nada.
Marta Moura
O jovem detido recusava identificar-se, pelo que foi o irmão a fazê-lo.
Quando o irmão o estava a identificar, eles começaram a interrogá-lo sobre a manifestação. (…) E nós dissemos: «Olhem, vocês não podem estar a interrogá-lo, ele não está detido, ele está aí para identificar uma pessoa, e é a essas perguntas que ele tem de responder. Vocês não podem estar a fazer-lhe perguntas sobre mais nada porque não há razão nenhuma para o fazerem.»
Eles passaram-se um bocado mas aquilo lá acalmou. Enfim… Porque às tantas estavam 7 polícias à volta do miúdo que estava a identificar o irmão, a fazer-lhe perguntas sobre tudo e mais alguma coisa. E o miúdo estava super nervoso…
Mas pronto, a maior parte deles foi-se embora. Ficou a [agente da] polícia, que acho que é da Polícia Judiciária, a que apareceu à paisana, e estava a PSP.
Marta Moura
Concluído o processo de identificação, decidiram sair da esquadra pois o ambiente «estava muito tenso». Pouco depois, seguindo o conselho de uma advogada, regressaram à esquadra para fazerem «pressão para ele ser libertado ou ter direito a um advogado». Quando perguntaram aos agentes «se lhe tinham dito que ele tinha direito a advogado, se ele já o tinha pedido», estes «disseram-nos sempre que ele não tinha pedido advogado».
Ficámos na sala de espera – enquanto ele cantava lá dentro, nós assobiávamos cá fora. Eles começaram a ficar um bocado fartos daquilo, eu acho, e acabaram por libertá-lo.
Ele vinha com marcas de algemas, houve um polícia que se meteu em cima dele e lhe deu um pontapé na perna para ele se calar, porque ele tinha que ter respeito pelas autoridades e não sei o quê. Ele não assinou nada e esteve sempre a pedir advogado e nunca lhe deram advogado – e foram-nos mentindo a nós a dizer que ele nunca tinha pedido – e houve um polícia que, dentro da esquadra, quando ele estava detido, o filmou. Ele tem o número de identificação do polícia, e ele filmou-o com o telemóvel pessoal.
Marta Moura
O jovem foi libertado por volta das 16h, sem que tenha sido formalizada qualquer acusação.
No entanto, nada garante que uma acusação não venha a ser apresentada. Segundo Marta, «eles diziam que o que queriam… [que] a cena era acusá-lo de desobediência civil porque eles nos tinham dito que podíamos ficar com as bandeiras mas não podíamos fazer mais nada – portanto, é por aí que eles querem pegar na coisa. (…) Nós percebemos que, especialmente os polícias à paisana, queriam perceber se havia ligação com as outras coisas que aconteceram noutros sítios do país.»
Intimidação e identificações na Nazaré
Pouco antes dos eventos nas Caldas, por volta das 13h, cerca de duas centenas de pessoas reuniram-se na marginal da Nazaré para assistir à passagem da Volta. Entre elas, encontravam-se duas dezenas que estavam munidas de cartazes e bandeiras da Palestina – pacíficas, calmas e em cima do passeio, tal como todas as outras.
A polícia dirigiu-se imediatamente ao grupo e começou a empurrar várias das pessoas de forma agressiva, alegando que se tratava de uma manifestação e que esta não tinha sido comunicada à Câmara Municipal.

Os agentes, que entraram a ameaçar identificar toda a gente e impedir o protesto, foram imediatamente confrontados com o facto de protestos espontâneos serem um direito de todos e todas nós. O facto de, desde cedo, inúmeras pessoas entre a multidão terem começado a filmar, estupefactas, a actuação policial, foi provavelmente a principal razão para o abuso policial não ter escalado como nas Caldas.
Os agentes suavizaram então a sua abordagem e permitiram que as presentes empunhassem as bandeiras, mas não os cartazes. Um dos cartazes que a nova PIDE proibiu dizia apenas uma palavra – “assassino” – ao lado da uma foto de Netanyahu, o criminoso de guerra com mandado de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional.

Os agentes acabaram por identificar apenas duas pessoas, e não todas, pois foram enrolados numa longa conversa sobre leis e legalidades. Durante o processo, ainda encontraram a oportunidade para ameaçar confiscar o telemóvel a uma mulher que filmava o momento das identificações.
Pouco depois, um sionista apareceu em frente ao grupo, no meio da estrada, e começou a gravar as caras das pessoas, enquanto balbuciava as habituais acusações de anti-semitismo – neste caso, foi retirado cuidadosamente do local e não foi identificado nem ameaçado com a apreensão do telefone.
Legalidades: direitos e decretos-lei
Há bastante tempo que a polícia tem por hábito chegar a qualquer protesto espontâneo ou não-planeado a alegar que se trata de uma “manifestação ilegal” – e agora fá-lo de forma cada vez mais frequente e agressiva.
No entanto, este conceito de “manifestação ilegal” não existe na lei portuguesa – aliás, existe mas, segundo a Constituição Portuguesa, diz apenas respeito a manifestações nas quais os participantes estejam armados.
Artigo 45.º
Direito de reunião e de manifestação1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.
2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.
Constituição da República Portuguesa
Apesar da prepotência com que a polícia habitualmente o afirma, o Decreto-Lei n.º 406/74, sim, regula a comunicação formal de manifestações às Câmaras Municipais – mas não se sobrepõe ao direito de reunião e manifestação tal como está consagrado na Constituição.
Os senhores polícias até podem identificar, deter e bater em quem quiserem, e podem lançar acusações de “manifestação ilegal”, mas dificilmente um tribunal vai declarar culpado alguém que se tenha manifestado pacificamente, sem empunhar armas, sem “perturbar a ordem pública” nem colocar em perigo a integridade física de ninguém.
As únicas pessoas que estão a cometer ilegalidades nestas situações são os próprios polícias. Afinal, que lei é que lhes dá o direito de empurrar manifestantes pacíficos, de pedir identificações a pessoas que não estão a cometer nenhum crime, ou de levar a cabo detenções arbitrárias e negar aos detidos o acesso a um advogado?
Segundo esse mesmo Decreto-Lei, “as autoridades só poderão interromper a realização de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles (…) quando forem afastados da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efectivamente a ordem e a tranquilidade públicas” (Art. 5.º). E o DL 406/74 estabelece também que, caso as autoridades “impeçam ou tentem impedir, fora do condicionalismo legal, o livre exercício do direito de reunião incorrerão na pena do artigo 291.º do Código Penal e ficarão sujeitas a procedimento disciplinar” (Art. 15.º).
Instituições públicas, sejam elas a Câmara Municipal ou a PSP, não têm autoridade para autorizar ou deixar de autorizar qualquer manifestação – tanto a Constituição como o DL 406 afirmam que este direito não depende de autorizações. No caso de concentrações, vigílias e quaisquer outros actos que sejam pacíficos, estáticos e não interrompam o trânsito, nem sequer o acto de informar as autoridades é propriamente necessário – afinal, a nova polícia política monitoriza atentamente os movimentos e está sempre mais que informada acerca de que protestos vão acontecer.
Nestes casos concretos de expressão de solidariedade com a Palestina durante a Volta, não aconteceu nada de ilegal ou sancionável, nem nada que não tenha acontecido em edições anteriores – pessoas a correr ao lado dos ciclistas sempre aconteceu, tal como a utilização de bandeiras. No sentido estrito da palavra, as únicas ilegalidades que tiveram lugar foram as actuações da polícia.
Se jamais veremos repressão policial de pessoas que levantem a bandeira de Portugal, por que haveriam de ser reprimidas pessoas que levantem a bandeira da Palestina? Até agora, não existe nenhuma lei em Portugal que proíba esta bandeira.
Ainda sobre legalidades… A propósito das ameaças de confiscar telemóveis – sejam elas proferidas por polícias (como aconteceu na Nazaré) ou por funcionários camarários (como aconteceu na semana passada em Coimbra, numa homenagem a Anas Al-Sharif e todos os jornalistas palestinianos assassinados pelas forças da ocupação) –, convém esclarecer algo: também não existe nenhuma lei que proíba a filmagem de agentes da polícia ou funcionários públicos. Um cidadão privado pode invocar o direito à privacidade para exigir não ser filmado, um polícia ou um funcionário público em exercício das suas funções não.
Pelo contrário, polícias e funcionários públicos, cujos salários são pagos com o dinheiro dos nossos impostos, não só podem como devem ser filmados, especialmente quando estão a abusar da sua autoridade para atentar contra os nossos direitos.
Manifestações espontâneas
Além de tudo isto, convém ter bem claro que as manifestações espontâneas ou convocadas de emergência são um direito de todos e todas nós – e ninguém precisa de esperar 48 horas após um determinado acontecimento para se poder manifestar. Enquanto os nossos carrascos não fizerem a sua revisão constitucional de tamanho familiar, continuamos a ter direito a reagir no imediato a um despejo, a uma cena de brutalidade policial, a um homicídio ou a um feminicídio. Ou a um genocídio.
Como foi dito aos agentes durante as identificações na Nazaré:
Vou-lhe só dizer uma coisa. Se alguém agora chegar aqui e matar alguém, por uma situação qualquer, e nós daqui a uma hora quisermos fazer uma concentração, uma manifestação, em frente à Câmara Municipal da Nazaré, ou de outra coisa qualquer, nós temos o direito de fazer manifestações espontâneas. Não é preciso prazo nenhum de 72 horas. (…) Você, como polícia, devia ler jurisprudência.
E, em Gaza, homens, mulheres e crianças morrem aos magotes todos os dias.
Prestar homenagem às centenas de milhares de mortos em Gaza – e visibilizar a Palestina, que as elites e os seus cães de guarda tanto tentam apagar do espaço público – não é só um direito: é um dever de qualquer pessoa a quem reste um pingo de humanidade e de preocupação sobre como vamos ser lembrados na História, enquanto sociedades ocidentais, pela nossa cumplicidade com o Holocausto dos nossos tempos.
E não há decreto-lei nenhum que possa negar-nos esse direito.
Os criminosos
Na verdade, é o estado português que tem estado em completa violação das mais básicas leis e tratados internacionais que assinou e ratificou – começando pela Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, que estipula que todos os países devem fazer tudo ao seu alcance para prevenir que genocídios sejam perpetrados, e que os seus responsáveis sejam punidos.
Mas não – Portugal continua a ter relações comerciais com israel e a ter a embaixada sionista em Lisboa a funcionar como se nada se passasse, guardada 24 sobre 24 horas por agentes da PSP pagos com os nossos impostos.
E a polícia deixa-se usar por este mesmo estado criminoso para reprimir vozes dissidentes que expressam a sua oposição ao genocídio em curso. Quando, dentro de alguns anos, lhes perguntarem porque é que defenderam o regime responsável pelo Holocausto dos nossos tempos, responderão como responderam os alemães depois do Holocausto: «Estávamos apenas a seguir ordens.»
Todos os governos portugueses desde 1976 estão em violação da própria constituição, que estabelece que “Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos” – ao fazerem parte da NATO e participarem das suas aventuras imperialistas que destruíram meio mundo, ao se relacionarem desde sempre com o regime colonial do apartheid israelita, e ao terem permitido que a Base das Lajes fosse usada na invasão do Iraque e, mais recentemente, no ataque contra as instalações nucleares do Irão.
Enfim… há muito que os nossos governos e a polícia não querem saber da Constituição para nada.
Do fascismo que se agiganta
Enquanto todos os olhos estão postos na ameaça que a extrema-direita representa para a nossa sociedade, o estado português e os seus cães de guarda normalizam práticas fascistas.
A função da extrema-direita – que nasce do sistema, é financiada pelo sistema e serve o sistema – é precisamente essa: normalizar discursos reaccionários e racistas, normalizar o ódio, a violência e o abuso de poder. Depois de normalizados, os partidos do “centro” absorvem os seus discursos e as suas práticas – ficando assim cumprida a missão da extrema-direita, mesmo que esta nunca chegue ao poder.
Veja-se o caso de Carla Gonçalves, detida por informar, sozinha e pacificamente, sobre a cumplicidade da Starbucks no genocídio em Gaza, mantida quase 48 horas incomunicável e sem acesso a um advogado, ou do jornalista argentino brutalmente detido por paisanas e enfiado num autocarro descaracterizado por ofender a Ana Leal – uma aberração que dizem ser jornalista mas cuja propaganda que produz é uma ofensa ao jornalismo.
O abuso de autoridade e a violência policial tornam-se o prato do dia numa sociedade cada vez mais fascizada – obediente, calada e submissa, tomada pelo medo. Os media permanecem em silêncio, e as reacções da sociedade civil são poucas ou nenhuma.
Na Nazaré, por exemplo, o momento das identificações foi filmado por várias pessoas – e nós tivemos acesso a um vídeo, mas não o podemos publicar pois quem o gravou tem medo de represálias. O movimento Nazaré pela Palestina, por sua vez, não tem na sua página uma única menção da tentativa por parte da polícia de impedir o protesto. Já o MPPM publicou imagens da passagem da Volta pela Nazaré, mas não fez uma única menção ao abuso policial e às identificações – nem partilhou nada sobre a detenção ilegal nas Caldas da Rainha. Ao consultar muitas das maiores páginas e movimentos pela Palestina em Portugal, é como se nada se tivesse passado.
É este o estado da nossa “democracia e liberdade”.
Denunciar estes abusos é um grito contra a sua normalização, pois cada situação destas que não é denunciada é mais um passo rumo à aceitação desta nova realidade em que qualquer um pode ser detido por um facho fardado (ou paisana) e ver os seus direitos (como o acesso a um advogado) serem-lhe negados. E cada vez que cedemos às intimidações, que desviamos o olhar, que nos calamos, desferimos mais um golpe contra os nossos direitos colectivos que as gerações passadas tanto lutaram para conquistar.
Perguntamo-nos também: porquê o silêncio dos media (mainstream e “alternativos”) relativamente a estes casos de repressão? Quantos outros casos de repressão e silenciamento da solidariedade com a Palestina terão acontecido durante a Volta a Portugal sem que ninguém tenha sabido?
Não temos muitos vídeos dos abusos de autoridade, intimidações e empurrões que relatamos neste artigo – em grande parte, porque a intervenção policial foi súbita e inesperada, quando pouco ou nada estava a acontecer.
Apelamos a quem tiver imagens dos abusos policiais na Nazaré e nas Caldas da Rainha, ou informações sobre outros casos de repressão da solidariedade com a Palestina durante a Volta a Portugal, que as envie para contacto@guilhotina.info ou por mensagem para a nossa conta de instagram.
As pessoas no Ocidente estão preocupadas com o crescimento de forças fascistas de extrema-direita, e com a perspectiva de vê-las chegar o poder. A maioria não parece aperceber-se que somos todos nós, o Ocidente Colectivo, que estamos a perpetrar o mais depravado Holocausto da História. E não há nada mais fascista do que apoiar e participar no extermínio de um povo visto como inferior.
Todos os partidos no poder no Ocidente, mesmo os que exibem as suas lágrimas de crocodilo após 600 dias de genocídio, são partidos fascistas – independentemente de serem vistos como de esquerda, direita ou centro, moderados ou radicais.
Será que só diremos que as nossas elites são fascistas quando normalizarem a brutalidade e o tratamento desumano contra brancos europeus, ou contra minorias no centro do Império que podem ser fetichizadas pelas escolas de pensamento da esquerda?
em 20 months on, it’s hard to find the words to keep reporting
Lisboa: Intimidação na Final da Volta
Gostava de tentar ser breve na descrição dos factos, mas não consigo.
Começou pelas 13h30 na ponte pedonal entre o Cais Fluvial de Belém e o Museu dos Coches. Dois polícias da PSP não permitiram que 14 pessoas passassem a ponte por estarem a carregar bandeiras da Palestina. Quem não tivesse bandeiras podia passar, quem tivesse tinha que descer até à estação do comboio e cruzar a N6 para ir para Belém. Pese embora a óbvia estupidez e ridículo da situação, para não nos atrasarmos, anuímos.
O nosso objectivo era posicionar-nos na esquina entre o Jardim Afonso de Albuquerque e a N6, já que outras pessoas iam estar na Praça do Império e outras em Alcântara.
Assim que saímos da estação de comboio e atravessámos a N6, reparámos que estávamos a ser seguidos por uma carrinha do corpo de intervenção rápida, a qual se posicionou na Praça Afonso de Albuquerque a vigiar-nos. Passados menos de 10 minutos, apareceu um chefe da PSP com dois agentes, e todos os elementos do corpo de intervenção rápida que estavam dentro da carrinha. O Chefe Silva afirmou ter recebido ordens que não podíamos estar ali porque aquela era a área do palácio de Belém e que nos dirigíssemos para junto da Praça do Império. Perguntei a base legal para essa ordem visto estarmos a mais de 100 metros do Palácio de Belém, como tal não violando nenhuma disposição do DL 406/74. O Chefe Silva disse que não podia falar de leis mas sim das ordens que recebeu, e que não entendia porque estava eu tão agressiva. Ao que respondi que não estava agressiva, e que quem tinha chegado com um contingente de 10 agentes, 8 de intervenção rápida, era o Chefe Silva, completamente desproporcional, e que não podia obedecer a ordens mas sim a leis. Disse que ficaria ali e que era o meu direito, não podendo falar pelas restantes pessoas que seriam responsáveis pelas suas decisões.
Fiquei no passeio, sem pisar a estrada, a abanar uma bandeira da Palestina. Foram precisos menos de 2 minutos para um agente de Trânsito, Polícia Municipal, vir gritar-me na cara que, se não obedecia à PSP, ia obedecer-lhe a ele, que ali mandava ele. Perguntei no que mandava exactamente e porque estava sequer a falar comigo e disse que não podia pisar a estrada e tinha que me colocar para dentro do passeio para garantir que nem o meu braço “trespassava a estrada”. Honestamente comecei a rir e disse-lhe que não sairia dali porque não estava na estrada (N6) e não era a primeira vez que assistia a uma competição de ciclismo. Disse-lhe que nem sequer tentasse voltar a chegar perto de mim e que, se quisesse que eu saísse de onde eu estava, tinha que me tirar a mim e às outras pessoas todas que ali estavam (uma até sentada no passeio com os pés na estrada).
Por esta altura, éramos só 6 dos 14 iniciais, já que os restantes foram para a Praça do Império. Continuámos com o corpo de intervenção rápida a vigiar-nos. Depois do aquecimento dos ciclistas, descemos um pouco mais para junto da curva de acesso à meta, onde estava uma das câmaras da RTP. O corpo de intervenção rápida voltou a seguir-nos e deslocaram para ali outros dois agentes da PSP. A dada altura, ouve-se no rádio de transmissão que estes dois agentes tinham: “Aquela área já está livre e limpa de manifestantes da Palestina?” – “Afirmativo, chefe”. Referiam-se à Praça Afonso de Albuquerque em frente ao Palácio de Belém.
A perseguição continuou aqui por parte da polícia de intervenção rápida. Três agentes estiveram permanentemente a importunar-me e a impedir de acenar a bandeira da Palestina do lado da estrada, que tinha que a acenar do lado do passeio, afastada das grades. O objectivo era não aparecer na câmara da RTP… Confrontei-os com o facto de estarem, do outro lado da estrada, pessoas com a bandeira da Colômbia à frente das grades, e uns apoiantes do ciclista Diogo Henriques com um cartaz, também do lado da estrada. Resposta: “Nós não somos responsáveis por aquele lado, só por este.”
Para não continuar sujeita à pressão de ter três agentes de intervenção rápida atrás de mim a intimidarem-me, fui para a zona da meta onde estavam a maioria dos apoiantes da Palestina. Os agentes de intervenção rápida seguiram-me e voltaram a interpelar-me duas vezes ameaçando-me que me retiravam dali por não estar a cumprir ordens ao continuar a abanar a bandeira junto às grades/baias. Voltei a dizer que do lado oposto havia pessoas a agitar tudo e mais alguma coisa e um dos agentes de intervenção rápida desafiou-me a ir para o outro lado, sabendo que não era possível passar uma vez que a prova (CRI) estava a decorrer. Eu disse isso, disse que estava a embirrar comigo e que me vinha a seguir há imenso tempo, que não me podia impedir de abanar uma bandeira pois não magoava ninguém. Ficou incomodado, subiu o tom de voz e a agressividade e gritou-me: “Experimente abanar a bandeira junto à grade para ver o que lhe acontece!” Chamou reforços e tive, durante 30 minutos, 5 agentes de intervenção rápida a vigiar-me a uma distância de um metro.
Quando a prova terminou, alguns apoiantes foram para casa e cerca de 30 dirigiram-se para detrás do palco/pódio. A polícia de intervenção rápida (agentes diferentes dos que tinha vindo a referir) pediram-nos para sairmos detrás do palco/pódio para “não estragar a festa”. Dissemos que não o faríamos. Um responsável da organização da Volta veio ameaçar-nos e exigir que baixássemos as bandeiras e cartazes. Como não anuímos, mandou chamar reforços policiais. Chamaram uma coluna de polícias que nos fez um cerco. E os que estávamos mais perto do gradeamento fomos permanentemente importunados, que não podíamos abanar as bandeiras do lado interior do gradeamento e perguntei porquê? uma vez que não estava ninguém ali que pudesse ser magoado… que era o argumento anterior. Tudo estava a ser feito para que o boicote não fosse notado nem aparecesse nas câmaras. Por 4 vezes, o agente de intervenção rápida me pediu para chegar para trás com a bandeira e tive que lhe dizer que não estava a fazer nada proibido na lei, ao que ele respondeu com a frase inicial: “Eu só cumpro ordens que me foram dadas, o que está na lei não sei”.
Foi isto.
Patrícia, 42 anos, mãe de 5 filhos

