Prisioneiros pró-Palestina lançam greve de fome histórica no Reino Unido~ 8 min

Por Ana Só
No dia 17 de Outubro, Audrey Corno e Francesca Nadin – duas representantes do grupo Prisioners for Palestine (PFP) cuja militância também já as levou atrás das grades – entregaram à Ministra do Interior britânica, Shabana Mahmood, uma carta na qual o grupo apresenta uma lista de reivindicações “em nome de 33 pessoas detidas injustamente por terem participado em acções para travar o genocídio na Palestina”. O grupo ameaçava lançar uma greve de fome, caso as reivindicações não fossem atendidas, no dia 2 de Novembro, o 108.º aniversário da Declaração Balfour, através da qual o governo da Grã-Bretanha apoiou formalmente o estabelecimento de um estado judaico na Palestina.
Como esperado, o Ministério do interior ignorou por completo a carta dos prisioneiros, nunca lhe tendo dado qualquer resposta. Na manhã de hoje, 2 de Novembro de 2025, as duas primeiras prisioneiras recusaram o seu pequeno-almoço, dando início àquela que se deverá tornar a maior greve de fome coordenada nas prisões britânicas desde a histórica greve de fome dos prisioneiros irlandeses em 1981, liderada por Bobby Sands.
Os seus nomes são Qesser Zuhrah, que faz parte dos Filton 24, e Amu Gib, dos Brize Norton 5. Ambas divulgaram comunicados para marcar o início da greve de fome.
Nós, que estamos encarceradas pelo estado britânico por resistirmos ao genocídio do nosso amado povo palestiniano, declaramos o início da nossa Greve de Fome, reafirmando o compromisso com a nossa luta de dentro das paredes desta Prisão. (…)
Até que as nossas exigências sejam atendidas, Resistiremos. Perguntamos agora ao nosso governo: estão dispostos a deixar-nos morrer antes de pararem de armar o genocídio? (…)
Ao travarmos esta luta, seguimos a honrada herança dos prisioneiros ao longo dos tempos, da Irlanda a Guantanamo e à Palestina. (…) [Agora,] é de dentro das paredes desta Prisão que usaremos as ferramentas dos Prisioneiros para desarmar a casa do amo.
Qesser Zuhrah, 2 de Novembro de 2025 [comunicado completo]

Ainda tenho o dever de lutar pela liberdade contra a opressão. (…) Há uma fome dentro de mim que a comida por si só não satisfaz. Desejo, com todas as minhas forças, um mundo que seja gentil e justo – não cruel, não disposto a aceitar o sofrimento do povo palestiniano. Esse mundo é possível e é o mundo que merecemos.
Amu Gib
Ao longo dos próximos dias e semanas, os restantes prisioneiros juntar-se-ão gradualmente à greve.
As razões
Os prisioneiros incluem membros dos Filton 24 – detidos em finais do ano passado por terem participado numa acção contra uma fábrica da Elbit Systems em Bristol em Agosto de 2024 – e dos Brize Norton 5 – que invadiram uma base aérea da RAF e atacaram dois aviões que, afirmam, eram “utilizados para operações militares em Gaza e em todo o Médio Oriente”.
Todos os prisioneiros do grupo viram a sua fiança negada, e alguns estão detidos há mais de um ano sem julgamento, com acusações que incluem danos criminais e assalto agravado.
Durante o encarceramento, os prisioneiros têm sofrido abusos sistemáticos pelos guardas prisionais e restrições na sua correspondência, chamadas telefónicas e visitas, que escalaram após a proscrição da Palestine Action como “organização terrorista” pelo governo britânico em Junho deste ano.
Apesar de terem utilizado o sistema de reclamações da prisão e o sistema judicial para apresentar as suas reivindicações, as mesmas nunca foram atendidas. Os prisioneiros consideram por isso que o governo não lhes deixou nenhuma outra opção para se fazerem ouvir.
Entre Agosto e Setembro deste ano, a prisioneira T Hoxha, dos Filton 24, encarcerada na prisão HMP Peterborough, esteve 28 dias em greve de fome, tendo conseguido que algumas das suas exigências fossem atendidas. Os abusos, no entanto, continuaram.
As exigências
1. Fim de toda a censura
Exigimos poder enviar e receber comunicações sem restrições, vigilância ou interferência da administração prisional. A liberdade de expressão é um direito humano fundamental que é vital para os prisioneiros, cujas vozes já são sistematicamente silenciadas. A censura dentro das prisões é uma ferramenta de controlo usada para punir a resistência. Cartas, telefonemas, declarações políticas, livros e todas as outras formas de expressão devem ser respeitadas.
2. Liberdade imediata sob fiança
Exigimos ser libertos da prisão preventiva enquanto aguardamos julgamento. Manter pessoas em prisão preventiva, em alguns casos por tempo indeterminado, é um abuso deliberado de poder, usado para punir prisioneiros antes mesmo de terem sido julgados ou condenados por qualquer crime. Alguns de nós [quando chegarmos a julgamento] estaremos presos há quase dois anos sem condenação. O direito a um julgamento justo deve incluir o direito de se preparar para ele em liberdade, e não atrás das grades.
3. Direito a um julgamento justo
Exigimos o direito a um julgamento justo, o que não poderá acontecer até que todos os documentos relevantes relacionados com os nossos processos sejam divulgados na íntegra. Isso inclui todas as reuniões entre funcionários do Estado britânico e israelita, a polícia britânica, o procurador-geral, representantes da Elbit Systems e quaisquer outros envolvidos na coordenação da presente caça às bruxas contra activistas e apoiantes.
Exigimos também a divulgação dos registos governamentais de todas as exportações da Elbit Systems UK nos últimos cinco anos. Temos o direito de saber quais as armas que estão a ser fabricadas e exportadas do Reino Unido, especialmente quando são utilizadas para cometer genocídio.
4. Anular a proscrição
Exigimos a eliminação imediata de todas as acusações e «ligações» relacionadas com o terrorismo, bem como o fim da utilização da estratégia Prevent. A utilização de leis antiterroristas pelo governo para perseguir aqueles que participam em protestos e acções directas é injustificada e sem precedentes, e deve ser parada.
Assim, exigimos que o governo britânico anule a proscrição da Palestine Action. A acção directa não é terrorismo. É uma táctica legítima empregada quando os canais democráticos não reflectem a vontade do povo. Quando o governo viola a lei, os cidadãos têm a responsabilidade moral de agir em defesa da vida, dos direitos humanos e da dignidade colectiva.
Exigimos também um pedido de desculpas de Yvette Cooper por liderar uma campanha difamatória numa tentativa cínica de justificar a sua decisão de proscrever a Palestine Action. A sua alegação de que a Palestine Action era uma organização violenta «possivelmente financiada pelo Irão» não tem qualquer fundamento factual.
5. Encerrar a Elbit
Muitas de nós estamos presas por alegadamente termos tomado medidas contra a Elbit Systems, o maior fabricante de armas de Israel. Desde 2012, a Elbit ganhou 25 contratos públicos no Reino Unido, num valor total superior a 355 milhões de libras. Agora, o Ministério da Defesa está a preparar-se para assinar um contrato de 2,7 mil milhões de libras com a Elbit, que a designaria como «parceira estratégica» e permitiria à empresa treinar 60 000 soldados britânicos por ano.
Exigimos que o governo não utilize o dinheiro dos contribuintes para financiar a máquina do genocídio e que rescinda este contrato. Além disso, exigimos que todas as instalações da Elbit Systems e das suas subsidiárias no Reino Unido sejam encerradas definitivamente.
da Carta à Ministra do Interior
O Dr. Asim Qureshi, director de investigação da CAGE International, afirmou:
Esta greve de fome, se avançar, será a primeira do género em pelo menos duas décadas. Coloca em evidência a violência do sistema prisional no Reino Unido, uma violência que muitas vezes associamos a lugares distantes. De Guantanamo a Gaza, a infra-estrutura de leis de terror autoritárias criadas para prender, silenciar e suprimir acções em prol da Palestina e vozes que desafiam guerras e genocídios deve ser desmantelada. Os prisioneiros são o coração pulsante do nosso movimento por justiça. Devemos honrar os seus sacrifícios e desafiar as injustiças por eles enfrentadas.

