Portugal // António Mariano e o SEAL querem destruir o Natal~ 8 min
Nota: O SEAL está a recolher fundos para os trabalhadores precários em greve do porto de Setúbal.
Por Duarte Guerreiro
A viagem do “navio-fantasma”
No dia 22 de Novembro às 6h38 chegou ao porto de Setúbal o navio de carga Paglia. Apesar do seu itinerário ter sido escondido do sistema informático usado para seguir os navios, os estivadores já esperavam a sua chegada. Foi convocada uma concentração no cais, apelando à presença e solidariedade de outras forças. À sua espera estava uma vergonhosa operação policial, produto da concertação entre a concessionária do porto e Estado Português.
O seu objetivo era neutralizar qualquer oposição dos trabalhadores, quebrar o piquete de greve e permitir a entrada de fura-greves, com vista ao carregamento de automóveis da Volkswagen produzidos na Autoeuropa. Tudo deliberadamente preparado para minimizar o impacto da greve na gigante alemã. Até esse momento, grande parte da cobertura mediática sobre a greve focava-se exactamente nessa questão, como denunciámos no passado dia 21.
A operação contou com trabalhadores a serem arrastados pela polícia e culminou com a entrada do autocarro de fura-greves no porto. Da sua composição pouco se conhece, mas estima-se que fossem cerca de 50 pessoas. Dada a sua fraca produtividade, presume-se que não tivessem experiência na área. E sabe-se que foram para receber 500 euros pelo total dos três dias. A juntar aos custos do aparato policial e ao facto de que três navios ficaram por trabalhar, pode-se ter uma ideia do esforço feito pelo Estado e pela Operestiva para que o “bem nacional” fosse salvaguardado. Tudo isto e o discurso de um primeiro-ministro que ataca trabalhadores por defenderem a dignidade do seu trabalho e o direito à greve:
Há uma coisa que não podemos ignorar: é que no Porto de Setúbal existe um sindicato que, felizmente, não está disseminado em muitos outros portos e que é uma fortíssima condicionante ao seu bom funcionamento. Felizmente foi possível assegurar condições para que se iniciasse a operação, que está a funcionar bem.
– Primeiro-Ministro António Costa
Tal demonstra bem o verdadeiro objectivo por detrás das acções dos patrões e governo: manter a inviolabilidade da economia movida a trabalho precário e mal remunerado.
Com menos carga que a inicialmente esperada, o navio parte de Setúbal por volta da 21h33 do dia 24 de Novembro (dados retirados da plataforma Marine Traffic). Segue em direção ao Porto de Emden, na Alemanha, onde acaba por chegar no dia 28 de Novembro às 12h40 (hora local).
Solidariedade internacional simbólica
Pouco depois, no mesmo porto, decorria uma assembleia de trabalhadores. Marcada propositadamente para a hora de início de trabalhos no navio, foi convocada pelos conselhos de trabalhadores do Autoterminal de Emden e da fábrica local da Volkswagen. O seu objectivo era atrasar a operação de descarga do navio e tentar influenciar a resolução do conflito. Contou com a presença de representantes do sindicato IG Metall, o maior sindicato do sector metalúrgico do mundo; e com o ver.di, sindicato alemão filiado na Federação Internacional dos Trabalhadores de Transporte (IFT) e na Federação Europeia dos Trabalhadores de Transporte (EFT).
Um comunicado de imprensa emitido por estas duas federações expressou a sua solidariedade para com os trabalhadores do porto de Setúbal na sua luta contra a precariedade. O comunicado de imprensa e algumas manifestações de apoio através das redes sociais ficaram apenas no âmbito das palavras e dos simbolismos. E à exceção do atraso no início dos trabalhos de descarga, não houve qualquer perturbação no expectável curso da operação. Depois de concluída e bem sucedida, o navio seguiu a direção a outros portos no dia 30 de Novembro.
O SEAL tenta destruir o espírito natalício
Entretanto, as negociações levadas a cabo pelo SEAL, patrões e governo não chegam a acordo. Os patrões exigem o fim da greve nacional às horas extraordinárias para além do fim da greve dos “eventuais” no porto de Setúbal. Só que a primeira é relativa aos abusos e represálias contra membros do SEAL noutros portos e só a segunda diz respeito ao conflito de Setúbal.
Não estando o sindicato nem os trabalhadores dispostos a abandonar a luta de uns para beneficiar outros, o sindicato contra-propôs:
(…) a suspensão da greve ao trabalho suplementar apenas no porto de Setúbal, durante 15 dias, se no mesmo período o governo se comprometesse a convocar os parceiros sociais dos portos onde existem as referidas perseguições e se pudessem comprovar e eliminar as referidas situações irregulares, a saber: o assédio sobre os nossos sócios em Leixões e no Caniçal (bem como o Acordo rasgado pelas empresas em Lisboa).
A proposta foi recusada. O sindicato continua aberto à negociação.
Entretanto, os jogos sujos e intoxicação mediática continuaram. Numa espantosa demonstração de cretinice, a Operestiva e o Ministério do Mar lançam, respectivamente, cartas aos trabalhadores e comunicados públicos dignos de adolescentes a copiar o trabalho de casa. Incluem pérolas como:
(…) iniciando-se de imediato as negociações do CCT para a finalização até ao final do ano, permitindo também que todos pudessem passar o Natal mais confortável. (…)
A posição irredutível do Presidente do Sindicato (…) evidencia um completo desprezo pela situação dos trabalhadores eventuais de Setúbal e é claramente demonstrativa de que a sua intenção (…) é colocá-los ao serviço da luta sindical nos portos de Leixões e Caniçal.
– Operestiva, em carta dirigida aos trabalhadores e datada de 28 de Novembro
(…) não havia razão nenhuma para que os trabalhadores não tivessem a sua situação regularizada já hoje e pudessem passar um natal mais descansado. (…) não foi possível porque os seus representantes em vez de discutirem a situação dos seus trabalhadores de Setúbal preferiram discutir a situação nos portos de Leixões e Sines. (…)
Para que fique claro, o governo não pode, nem vai tomar parte numa guerra entre sindicatos. E lamentamos que os trabalhadores de Setúbal estejam a ser utilizados pelos seus representantes como moeda de troca para uma luta de poder sindical.
– Ministério do Mar a 30 de Novembro
Portanto, perante a incapacidade de mobilizar a hostilidade da opinião pública para com os estivadores precários em greve através de gritos repetidos de “Autoeuropa” em horário nobre, patrões e governo adoptam agora a linha do “Natal estragado” e “guerra entre sindicatos”. Ambas são completamente absurdas se tivermos em conta que durante 20 anos os estivadores em greve tiveram todos os seus Natais estragados pela precariedade e sindicatos amarelos, e nem os operadores dos portos nem meia dúzia de governos pareceram particularmente incomodados com a questão.
De notar que a carta da Operestiva está datada de dia 28, sendo que as negociações cessaram a 30. Presume-se que dispõem de acesso a uma bola de cristal para, dois dias antes, adivinharem como iriam terminar as negociações. Doutro modo, resta apenas a hipótese de que sabiam à partida que estavam a apresentar termos inaceitáveis ao sindicato e que tudo não passou de mais um joguinho de teatro para demonizar o SEAL.
Big boss Mariano
Entretanto sai uma peça da SIC no próprio dia 30 de Novembro onde a direcção do sindicato de Leixões acusa o SEAL de “terrorismo sindical”. Os seus membros cobrem-se de ridículo ao responderem afirmativamente às perguntas cínicas do jornalista, tais como “temeu pela sua vida?”. A peça usa todos os truques sujos do costume. Imagens escolhidas a dedo para mostrar a suposta natureza violenta dos estivadores filiados no SEAL, música de fundo sinistra, guião tendencioso, testemunhos anónimos e acusações sem fundamento; tudo indigno do nome de jornalismo e feito à medida para construir a narrativa de guerra entre sindicatos a mando do “big boss” António Mariano e seus capangas. Do alto do seu trono feito de crânios humanos, este manipula os coitadinhos dos precários para encher os bolsos do sindicato. Um clássico intemporal.
No dia seguinte sai um comunicado da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores Portuários que ecoa toda a linha do governo e patrões sobre o SEAL ser motivado por animosidades sindicais prejudiciais aos interesses dos trabalhadores. Acrescenta ainda esta pérola:
(…) não há os níveis de precariedade dos portos onde está o SEAL, os volumes de carga crescem e cresce também o número de trabalhadores contratados, ao contrário do que sucede nos portos onde está o SEAL (…)
Quem diria, os patrões preferem os portos dirigidos por sindicatos amarelos! Nunca tal se houvera visto.