Portugal // Licenças de furos em Aljubarrota e Bajouca avançam~ 6 min
Por Simone Vieira
Os pedidos de licença para os furos de prospecção e pesquisa em Aljubarrota e área de Bajouca estão a avançar. Dois pedidos de licença feitos pela Australis Oil & Gas na zona centro, no âmbito dos contratos de concessão que assinou com o Estado em 2015. Por negociação directa como previsto na lei (artigo 8º/nº2, alínea c) do Decreto-Lei n.º 109/94). Erguendo a bandeira do interesse económico e do direito a conhecer os seus recursos, o Estado aceitou a proposta da Australis. A negociação deu-se e a população não foi tida em consideração em nenhum momento – no que é o normal decorrer da Democracia.
A lei que obrigaria a que o poder local e descentralizado tivesse conhecimento desses contratos executados pelo Governo chegou mais tarde, em 2017 (Lei nº 82/2017, de 18 de Agosto). Só aí foi dado a conhecer aos municípios o interesse da Australis em avançar para prospecção; a primeira das quatro fases contempladas nos contratos de concessão relativos a hidrocarbonetos previstas no Decreto-Lei n.º 109/94.
E mesmo com a mudança de lei, alguns dos municípios mostraram-se surpreendidos com tais pedidos de licença. Não que esta comunicação aos municípios tivesse algum efeito, já que o direito a oporem-se aos contratos de concessão e mesmo aos pedidos de licença é algo que lhes está vedado num procedimento onde são meros espectadores do que se negoceia a nível do poder democrático central.
Neste momento, contrariando a informação comunicada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a 5 de Julho deste ano, o procedimento administrativo não recomeçou. A Australis optou por saltar a fase de apreciação prévia de sujeição a avaliação de impacto ambiental prevista para as atividades de prospecção em áreas não sensíveis e com recurso a métodos convencionais (artigo 3º do Regime Jurídico de Avaliação de Impacto Ambiental – RJAIA).
Em vez disso, chegou-se à frente para dizer que sim, quer avaliar os impactos ambientais do seu projecto de exploração de hidrocarbonetos. Desta forma, evita a contestação social e ninguém pode dizer que não há Estudo de Impacto Ambiental (EIA) – motivo que gerou polémica no decorrer do procedimento da licença de prospecção de Aljezur. Não fosse a contestação social e o sucesso da providência cautelar interposta pela PALP, e o furo de Aljezur estaria em curso sem que a empresa se tivesse sujeitado à avaliação dos impactos ambientais da sua atividade de prospecção.
Ainda assim, os contratos de concessão permanecem activos no site da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), tal como a litigância em tribunal a eles relativos, como indicado hoje pela PALP num comunicado de imprensa. Previamente, o consórcio tinha vindo a público afirmar que ia “abandonar o projecto”.
A fase de apreciação prévia a que Australis se sujeitou anteriormente resultou numa comunicação da APA com orientações para a Australis completar a informação em falta quanto à localização exacta do furo. É uma falha curiosa numa empresa repleta de profissionais experientes. A Australis pegou nas recomendações da APA, completou o seu relatório e apresentou uma proposta de definição de âmbito (PDA) (artigo 12º RJAIA), com a data de 6 de Setembro.
Ao saltar a fase de apreciação prévia, a Australis está a auto propôr sujeitar-se ao procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA). E a par disto, a empresa até já se deu ao trabalho de organizar sessões de esclarecimento privadas na cidade de Leiria; onde o Movimento do Centro contra a Exploração de Gás marcou presença em forma de protesto contra a falta de transparência e confusão de todo este processo.
Este Movimento do Centro organizou uma sessão de esclarecimento no passado dia 30 de Outubro na Bajouca e das cerca de 400 pessoas que participaram, a maioria desconhecia que há uma empresa australiana a querer furar o solo à sua porta.
O procedimento AIA inclui uma fase de apreciação do EIA e termina com a emissão da Declaração de Impacto Ambiental (DIA), a qual dá origem a licença no caso de ser favorável ou favorável condicionada. Este procedimento serve para identificar, prever, avaliar, mitigar os impactos relevantes (biofísicos, sociais e outros) do projecto, mas também para identificar os impactos das alterações climáticas no próprio projecto – uma das novidades das alterações trazidas pela nova lei de 2017. Em Portugal, e de acordo com o Relatório do Ambiente 2018, a indústria extractiva liderou nos projectos submetidos a AIA no período de 2008-2017.
E de todos os projectos sujeitos a AIA no mesmo período – não só da indústria extractiva – apenas 5% dos procedimentos de AIA resultaram em DIA desfavorável. Ou seja, do número total de 765 projectos sujeitos a avaliação, apenas 38 não resultaram em licença.
Talvez por isto a Australis tenha decidido entregar uma Proposta de Definição de Âmbito à APA (a autoridade AIA responsável no caso): uma fase facultativa, dependente da iniciativa da empresa e à qual se segue a fase de AIA. Este PDA foi até objecto de consulta pública, algo que não seria obrigatório nesta fase e que talvez tenha acontecido para acalmar os ânimos sociais e continuar a alimentar a ideia de que existe participação pública.
O relatório da consulta pública – não vinculativo – já deve ter seguido para a Comissão de Avaliação que foi constituída pela APA nesta fase. Caberá à APA decidir, dentro do prazo previsto por lei e com base no parecer daquela Comissão, qual a informação que deve ser integrada no EIA que será apreciado e discutido na fase do procedimento AIA. Esta fase do PDA permite que a empresa possa, de certa forma, apalpar terreno, prevenir-se e fazer as delícias de quem pensa que a simples existência de um EIA é suficiente para garantir a preservação do ambiente.
A partir do momento em que seja emitida decisão sobre a definição de âmbito do EIA, esta decisão é válida por dois anos; durante os quais o procedimento AIA pode ou não ser iniciado. Nada é garantido neste processo kafkiano em que somos meros espectadores.