Brasil // A mineração transformou o Brasil numa bomba relógio~ 8 min
Por Simone Vieira
O Brasil é o segundo maior exportador de minério do mundo, atrás da Austrália. Segundo o relatório da Agência nacional de Águas (ANA) do Brasil, o país conta com 430 barragens de minérios.
Seguindo a tendência internacional, o Brasil tem fomentado o desenvolvimento económico a todo o custo via incentivos ao capital. Cobra das royalties (quantias pagas ao governo pela extração de recursos naturais minerais) mais baixas do mundo, flexibiliza a regulação para facilitar (sempre mais) a atribuição de licenças e descura na segurança das infraestruturas.
A mineração tem sido uma das prioridades defendidas pela indústria do sector e pelo agronegócio no Brasil, e assim se mantém. Agora conta também com o apoio do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
O negócio da mineração transformou o Brasil numa bomba relógio. De acordo com o Relatório de Segurança de Barragens, produzido pela ANA, há em média mais de três desastres com barragens de minas por ano.
O estado de Minas Gerais em especial, na Região Sudeste do Brasil, tem sido palco de sucessivas catástrofes. Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Minas Gerais produz 67% da produção nacional de minério de ferro. É o melhor estado a conceder isenções de impostos a empresas e sofre um desastre com barragens de minas de dois em dois anos, de acordo com os dados do Relatório de Segurança de Barragens.
Em 2014, deu-se o rompimento de uma barragem de uma mina em Itabirito, propriedade da Mineração Herculano. Em 2015, um vazamento na barragem da mina do Fundão, em Mariana, propriedade da Samarco. Em 2019, mais uma, desta vez em Brumadinho.
A Vale S.A., uma das maiores empresas mundiais de mineração e especialista na produção de minérios de ferro, pellets e níquel, foi a responsável por estes dois últimos desastres – já que é também detentora da Samarco.
“A Vale não pode ser condenada”
A estrutura da barragem de Brumadinho foi construída em 1976 e adquirida pela empresa Vale em 2001, quando a Ferteco, a empresa anterior parte do grupo alemão ThyssenKrupp, foi vendida. Encontrava-se em processo de desativação até ao momento do desastre.
Foi no dia 25 de Janeiro, no que seria mais uma sexta-feira normal no Parque das Cachoeiras. A barragem I da Mina Córrego do Feijão, com 86 metros de altura – onde a empresa armazenava resíduos minerais – rebentou, gerando uma avalanche de lixo industrial tóxico.
A avalanche de lama que acabou a irromper pelo Parque levou consigo instalações da empresa e centenas de propriedades rurais das comunidades Córrego do Feijão e Parque das Cachoeiras. Deixou mais um rasto de destruição ambiental, mortos e desaparecidos. Foram 12 milhões de metros cúbicos de minérios tóxicos espalhados por mais de 46 quilómetros de território, onde corre o rio Paraopeba – essencial para subsistência das comunidades locais.
A TÜV Süd, uma empresa de certificação alemã, esteve no local entre 13 de Junho e 26 de Setembro de 2018 para inspecionar a barragem I, no âmbito dos processos de Revisão Periódica de Segurança de Barragens e de Inspeção Regular de Segurança de Barragens. A estabilidade da estrutura foi avaliada como sendo de baixo risco.
Barragens como a do Brumadinho são feitas com os resíduos que resultam das próprias escavações. Resíduos como detritos minerais, rochas e terras que, por não terem valor comercial, são depositados em camadas para formar as paredes que sustentam a barragem. Esta técnica de construção é a mais barata, mas é também a que comporta mais riscos de segurança por obrigar a mais manutenção.
Desde 2015, a Vale acumulou mais de 10 mil milhões de dólares em lucros e passou a valer 297 mil milhões de dólares. Ainda assim, entre 2014 e 2017 a empresa decidiu cortar nos custos de manutenção das barragens e, na vez de 474 milhões, a empresa passou a investir apenas 202 milhões de dólares.
No caso da barragem da mina de Mariana, em 2015, as investigações levadas a cabo concluíram pela existência de falhas tanto na construção, como na manutenção e na monitorização da barragem. Conclusões que resultaram, por um lado, no dever de indemnizar os atingidos e, por outro, em meras multas. Falhas e consequências que reflectem a inutilidade dos instrumentos de regulação.
No caso de Brumadinho, as investigações ainda mal começaram, mas tudo indica que o desfecho será o mesmo. Três funcionários da Vale e dois da Tüv Süd foram presos logo a seguir ao rompimento da barragem. No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça acabou a libertá-los apenas uma semana depois.
Durante o mês de Fevereiro, a Polícia brasileira prendeu mais 8 funcionários da Vale: quatro gerentes e quatro técnicos das áreas da segurança. Todos suspeitos de responsabilidade criminal, ainda que todos sejam funcionários integrados numa estrutura hierárquica onde são os acionistas que ditam as regras. Além destas detenções, a Polícia também recebeu ordens para executar catorze mandatos de busca e apreensão visando as empresas Vale e a Tüv Süd e envolvendo outros quatro funcionários.
Entretanto, foi também criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito de Brumadinho e outras barragens. O primeiro a ser ouvido foi o ex-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, o qual afirmou nunca ter tido conhecimento de que houvesse risco iminente de rompimento das barragens da empresa. O mesmo ex-presidente disse que a Vale é “uma jóia brasileira” e que, por isso mesmo, não pode ser condenada, “por maior que tenha sido a tragédia”.
Salim Mattar, Secretário do Ministro da Economia de Bolsonaro e responsável pelo sector das privatizações do país, já se tinha pronunciado neste sentido. Disse que a Vale é demasiado importante para ser “demonizada” e que o que aconteceu em Brumadinho é facilmente comparável a um acidente de avião.
Neste momento, são várias as barragens em risco de ruir. Muitas pessoas foram entretanto evacuadas e encaminhadas para hóteis, onde ainda se encontram à espera de respostas. Uma delas é a barragem da mina Sul Superior de Gongo Seco, na cidade de Barão de Cocais. A outra é a barragem da mina Mar Azul, na cidade de Nova Limba. Ambas pertencem à Vale. Por fim, a barragem da mina Serra Azul, na cidade Itatiauiçu. Esta pertence à ArcelorMittal, com sede em Luxemburgo.
“Água e Energia não são mercadorias!”
Desde o final da década de 70, ainda durante a ditadura militar, que o crescimento dos projectos de mineração provocam a revolta das comunidades locais. Revolta essa que por sua vez deu lugar à organização colectiva.
O MAB- Movimento dos Atingidos por Barragens surgiu em resposta aos projectos industriais que começaram a invadir o país nos anos 70. Por sua vez, o MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração surgiu em 2012, resultado das lutas contra a expansão dos projectos de mineração na região de Carajás e noutros pontos da Amazónia, em especial contra o Projeto Grande Carajás da empresa Vale.
À semelhança do que acontece um pouco por toda a América Latina, muitos têm sido os assassinatos, denunciados por ambos os movimentos, de atingidos que se tentaram mobilizar.
“60 dias de impunidade no meio da lama, a luta resiste!”
Logo após o desastre em Brumadinho, o MAB dirigiu-se ao Parque das Cachoeiras para apoiar a população local que sobreviveu para contar a história. Formou-se uma comissão de atingidos, a qual viria a participar nas negociações que tiveram lugar depois do desastre. Várias comissões de atingidos acabaram a ser formadas ao longo de todas as cidades na Bacia do Rio Paraopeba.
No dia 20 de Fevereiro, a luta dos atingidos em Brumadinho resultou numa decisão que foi encarada pela comunidade como sendo uma vitória. A Vale foi obrigada por decisão judicial a pagar uma indemnização a todos os moradores com casa até um 1 km de distância das margens do agora contaminado rio Paraopeba. De fora, ficaram todos os outros atingidos.
Por isto, e porque não há indemnização que compense os estragos ambientais e humanos causados, os protestos continuam.