Portugal // As fake news do apedrejamento de Ventura em Setúbal~ 4 min
Por Francisco Norega
Na passada quinta-feira, em Setúbal, aconteceu mais um protesto contra o racismo e o discurso de ódio que o fascista-mor tem levado a passear a tudo o que é canto. Em (quase) todo o lado, é confrontado por gentes que não ficam em silêncio perante a ascensão desta força de extrema-direita. E é a pouco mais de 24 horas do encerramento da campanha, à saída do Auditório Charlot, que se dão uns poucos segundos mais atribulados, que rapidamente são extrapolados pela comunicação social para um “apedrejamento” de André Ventura.
Tendo já sido levantada nos dias anteriores esta possibilidade de ele encenar um ataque à moda de Bolsonaro, achámos curioso o timing destes acontecimentos. Não tendo estado presentes no local, tentámos perceber pelo material que foi circulando o que realmente teria acontecido.
A confiar no que se leu em boa parte dos mass merdia, julgaríamos que Setúbal tinha sido tomada por um bando de arruaceiros que correra com Ventura à pedrada. No entanto, não são raros os casos em que são estes mesmos órgãos de comunicação social, autoproclamados guardiões da verdade e suprassumos do fact checking, que são a maior fonte de fake news. Então fomos deitar um olhar mais atento.
Nas suas narrativas extremamente criativas foram aparecendo os mais variados objectos que teriam sido arremessados contra a besta – desde isqueiros e caixas de pastilhas, passando por tampas de panelas, ovos e garrafas de água, até objectos metálicos cortantes e, claro está, as pedras. “Espera, não era uma pedra só?” “Se calhar era, mas mete no plural, fica mais bonito”. A Sic Notícias chega a afirmar que foi o carro do fascista-mor que foi apedrejado – esse mercedes preto, de vidros fumados, comprado com certeza com o dinheiro amealhado em longos anos de trabalho respeitável desempenhado por este senhor anti-sistema e anti-corrupção.
Não houve, portanto, apedrejamento nem dele nem do carro. É o que é afirmado em vários vídeos e depoimentos de pessoas que estavam no local, que dizem que houve, isso sim, arremesso de alguns pacotes de pastilhas, isqueiros e rebuçados. Mas será manha dos manifestantes, dessa corja de ciganos que persegue o André Ventura por todo o lado? Parece que não. Uma repórter da RTP, presente no local, afirma num directo que “alguns objectos voaram no momento da saída para o carro do candidato André Ventura; na verdade não eram nem pedras nem ovos (…) mas sim aquilo que estamos a mostrar, rebuçados, isqueiros”. Também a Visão reforça essa versão dos acontecimentos, num artigo intitulado “Caixa de pastilhas atinge André Ventura em Setúbal”.
Não teria sido necessariamente mau correr com um fascista à pedrada, o que está por demais evidente que não aconteceu. Algumas pessoas, inclusivamente a candidata que estava em cartazes empunhados por alguns manifestantes e que diz não se incomodar com ser chamada “a candidata dos ciganos”, apressaram-se a distanciar-se dos manifestantes (alguns deles de etnia cigana) e a condenar uma violência que afinal nem sequer aconteceu. Estrategicamente, talvez não tivesse sido a melhor altura para atacar André Ventura, sabendo-se que ele aproveitaria qualquer incidente para se vitimizar e tentar capitalizar mais votos. E, como estamos na era da pós-verdade, aproveitou na mesma, ainda que não tenha acontecido nada.
No entanto, será sempre grosseiro isolar um acto de violência contra este (ou outro) fascista das suas palavras e dos seus actos racistas e xenófobos que hostilizam comunidades ciganas, afro-descendentes, mulheres e um sem número de minorias. São esses actos e essas palavras que, normalizando o ódio, acabam por ser responsáveis por ataques racistas e, em última instância, pela morte de Bruno Candé às mãos de um fascista como ele.
Como dizia Durutti, o fascismo não se discute, destrói-se. Ou como alguém dizia por aí, quem nunca atirou uma pedra a um facho, que atire a primeira pedra.
E, em breve, publicaremos uma entrevista a uma das pessoas presentes na manifestação. Fiquem atentas!