Estado Espanhol // Liberdade para Pablo Hasél~ 7 min
Dezenas de agentes da polícia regional catalã Mossos d’Esquadra entraram ontem de manhã na reitoria da Universidade de Lérida para prender o rapper Pablo Hasél, condenado a nove meses de prisão e a uma multa de quase 30.000 euros por delitos de enaltecimento do terrorismo e insultos contra a Coroa e contra as instituições do Estado espanhol.
O rapper catalão tinha-se encerrado esta segunda-feira, junto com dezenas de estudantes solidários, no edifício da reitoria da Universidade de Lérida. Segundo informou a plataforma organizada para dar apoio ao rapper, esta medida pretendia evitar a sua prisão por aquilo que consideram um “ataque à liberdade de expressão”.
O próprio Hasél indicou nas redes sociais que se encontrava “encerrado (na universidade) junto a muita gente solidária”, e que “terão que a arrebentar” para o prender.
Segundo o relato da La Directa, pelo menos 13 carrinhas dos Mossos d’Esquadra deslocaram-se na madrugada desta terça-feira para a Reitoria da Universidade de Lleida (UdL), onde chegaram ainda antes das 7h da manhã. Levaram mais de uma hora a ultrapassar as várias barricadas e bloqueios e, por volta das 8h25, acabaram por deter Pablo Hasel e levá-lo para fora do edifício, onde o colocaram numa viatura.
Antes de entrar na viatura dos Mossos, o rapper dirigiu-se aos seus apoiantes e aos meios de comunicação que captaram o momento e gritou: “Morte ao estado fascista”.
Prisão por ter publicado dezenas de tweets e um vídeo
Os feitos pelos quais Hasél é condenado – 64 mensagens no Twitter e uma canção no YouTube – remontam ao período entre 2014 e 2016. Alguns tweets do catalão faziam referência ao rei emérito Juan Carlos e aos supostos “negócios mafiosos” entre a Casa Real e a Arábia Saudita, negócios esses que agora são conhecidos e que estão sob investigação judicial.
Em 2015, Hasél já tinha sido condenado a dois anos de prisão por «enaltecimento do terrorismo», mas a Audiência Nacional decidiu, em Setembro de 2019, a suspensão da pena.
Outros processos judiciais seguiram-se e, em 2018, o rapper catalão voltou a ser julgado pelo mesmo delito e por injúria à monarquia e às forças de segurança do Estado. Em consequência, acabou por ser condenado a uma pena de nove meses de prisão, decisão ratificada por um tribunal superior.
“Não se trata de expressar uma reivindicação política de outra forma de Estado, como poderia ser a republicana – dizem os juízes -, mas sim uma intenção de insultar e caluniar, com a evidente intenção de que quem acesse seus tweets adopte uma posição contrária ao sistema, até de forma violenta”, refere a sentença. Hasél foi condenado também por difamação e calúnia, por acusar as forças policiais de tortura.
Uma das juízas, Manuela Fernández de Prado, votou contra a decisão, por entender que o rapper exercia o seu direito à liberdade de expressão.
Pablo Hasél recusa o exílio
Ante o seu encarceramento iminente, Hasél optou por não recorrer ao exílio para manter a sua liberdade. A 29 de Janeiro, após receber a notificação de que teria 10 dias para se entregar às autoridades para cumprir pena de prisão, emitiu um comunicado para explicar as suas decisões.
Hasél deixou claro que não iria entregar-se às autoridades para cumprir uma pena que considera injusta, que teriam eles que ir buscá-lo. Considera que este “não é um ataque só contra [ele], mas contra a liberdade de expressão” e que “sabem que não vou ceder por estar preso, por isso fazem-no especialmente para que o resto [das pessoas] o faça”. Por isso, decidiu permanecer no Estado Espanhol e ingressar na prisão se a solidariedade não o conseguisse impedir. Para tornar evidentes as práticas repressivas, censórias e fascistas do Estado Espanhol, “para que esta oportunidade seja aproveitada para desmascará-los ainda mais”.
No voy a arrepentirme para reducir la condena o evitar la cárcel, servir a una causa justa es un orgullo al que jamás voy a renunciar. (…) La cárcel es otra trinchera desde la que seguiré aportando y creciendo, como tantas otras personas yo empecé a luchar inspirado por el ejemplo de resistencia y otros aportes de numerosos presos políticos. Espero que este grave atropello sea aprovechado para sumar más personas a la lucha contra el Régimen enemigo de nuestra dignidad, que si me encarcelan para silenciar el mensaje tenga mucha más voz y salgan perdiendo.
Pablo Hasél, 29 de Janeiro de 2021
No Estado Espanhol podes ser preso por criticar a Coroa ou as forças do Estado
As chamadas “injúrias à Coroa” constituem crime tipificado no artigo 491 do Código Penal Espanhol, que prevê multas e penas de prisão de quatro a vinte e quatro meses.
O crime de injúria à Coroa consta da Lei Orgânica 10/1995, de 23 de novembro, do Título XXI do Código Penal, denominado Crimes contra a Constituição. Embora se trate de outro tipo de infracção penal (calúnia), no n.º 3 do referido artigo 490º estabelece-se que:
Quem calunia ou insulta o rei ou qualquer um de seus ascendentes ou descendentes, a rainha consorte ou a consorte da rainha, o regente ou qualquer membro da regência, ou o príncipe herdeiro, no exercício de suas funções ou na ocasião ou ocasião destes , será punido com pena de prisão de seis meses a dois anos se a calúnia ou injúria for grave e com multa de seis a doze meses se o não for.
O Artigo 491º prevê ainda:
1. A calúnia e injúria contra qualquer das pessoas mencionadas no artigo anterior, e fora dos casos nele previstos, é punido com multa de quatro a vinte meses. 2. Uma multa de seis a vinte e quatro meses será imposta a quem usar a imagem do Rei ou de qualquer um de seus ascendentes ou descendentes, ou da Rainha consorte ou da Rainha consorte, ou do Regente ou de qualquer membro da Regência, ou do Príncipe Herdeiro, de qualquer forma que possa prejudicar o prestígio da Coroa.
Esta lei tem servido para perseguir e censurar muitos artistas, revistas ou políticos que criticam abertamente a monarquia espanhola ou as forças do estado.
Lei de Enaltecimento do Terrorismo serve como censura
O “enaltecimento do terrorismo” constitui crime tipificado no artigo 578 do Código Penal Espanhol. As pessoas consideradas como tendo incorrido na “exaltação” do terrorismo ou na “humilhação das vítimas de crimes terroristas ou de suas famílias” – por mais imprecisas que sejam essas expressões – podem ser multadas, inabilitadas de emprego público e até enviadas para a prisão. O número de pessoas processadas pela aplicação deste artigo aumentou de três em 2011 para 39 em 2017 e, apenas nos últimos dois anos, quase 70 pessoas foram condenadas.
Esta lei tem sido aplicada para vigiar redes sociais e censurar artistas, contas de twitter e jornalistas.
Casos como o de Hasel geraram um amplo debate em Espanha sobre os limites à liberdade de expressão e a censura de vários sectores políticos de esquerda e libertários. O governo espanhol fez saber que está a preparar uma alteração ao Código Penal para que este tipo de delitos deixem de acarretar pena de prisão. No entanto, como alerta a Plataforma Llibertat Pablo Hasél, não prender mas continuar a punir estes “crimes” com multas económicas é igualmente injusto.