97% do investimento na vacina da AstraZeneca foi público~ 4 min
O estudo mais ambicioso feito até agora sobre o financiamento que permitiu o desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus, neste caso a da AstraZeneca, revela que a indústria farmacêutica suportou menos de 3% dos custos de pesquisa que a tornaram possível.
A maior parte dos 120 milhões de euros investidos veio do Governo do Reino Unido (45 milhões) e da Comissão Europeia (30 milhões), enquanto o restante veio de entidades também financiadas com fundos públicos (centros de investigação) e fundações de apoio à investigação científica.
Esta é a prova, uma vez mais, que o financiamento público tem sido importantíssimo para o desenvolvimento de medicamentos contra o coronavírus. E traz de volta a questão do levantamento das patentes.
A vacina da Moderna também foi maioritariamente financiada por dinheiros públicos
Os resultados deste último estudo são muito mais detalhados, mas coincidem essencialmente com as informações publicadas sobre outras vacinas contra o coronavírus, como a da Moderna. Um comunicado do governo dos Estados Unidos mostra que este destinou mais de 3.400 milhões de euros para o “desenvolvimento, testes clínicos e produção” do medicamento, com base na nova tecnologia de RNA mensageiro. Para referência, esse valor é mais de quatro vezes maior que todo o orçamento de P&D da Moderna em 2020, ano em que sua vacina foi desenvolvida.
Estados Unidos, Japão e União Europeia recusam-se a levantar os direitos de patentes sobre as vacinas covid-19
Índia e África do Sul propuseram à Organização Mundial do Comércio (OMC), no passado dia 2 de Outubro, o levantamento das patentes para medicamentos e vacinas contra a covid-19, bem como de outros direitos de propriedade intelectual em torno de instrumentos e tecnologia de diagnóstico.
A ideia desta petição era democratizar o tratamento da pandemia. Especialistas e membros de organismos internacionais em defesa do acesso universal à saúde defendem que tem de haver uma resposta global na luta contra a Covid-19. Assim, apresentaram ao Conselho de Acordos de Direitos de Propriedade Intelectual com o Comércio (TRIPS) – integrado por todos os países membros da OMC – uma comunicação conjunta exigindo isenções para medicamentos Covid. No dia 20 de novembro, os Estados Unidos, o Japão e os países da UE, incluindo Portugal, bloquearam esta solicitação.
Os países que chumbaram a proposta alegam que os acordos TRIPS já incluem métodos para flexibilizar o acesso a estes tratamentos. Opinião que não é partilhada por mais de 100 organizações internacionais, que enviaram uma carta aberta conjunta ao Parlamento Europeu. “Já existem precedentes de isenções, por exemplo, em 2003 foi liberada a produção de medicamentos genéricos de combate ao HIV para países que não podiam fabricá-los. As flexibilidades previstas são normalmente uma abordagem caso a caso ou produto a produto. Isso é muito lento, e em tempos de pandemia temos que agilizar o processo”, explica Raquel González, chefe de relações externas da ONG Médicos sem Fronteiras.
A Índia, por exemplo, também usou esta flexibilidade para produzir um medicamento contra o cancro. A Novartis processou este país por produção de medicamento patenteado.
Apesar de algumas críticas contra empresas do sector, como a AstraZeneca, pronunciadas por alguns líderes europeus na actual crise, a União Europeia continua a acreditar piamente no mercado. E, num processo de auto-negação incrível, considera que a escassez de vacinas não se deve ao licenciamento. “Os problemas não serão resolvidos com a suspensão das patentes. Estão relacionados com capacidade de produção insuficiente ”, defendeu a Comissão Europeia há 10 dias.
90% das doses das vacinas administradas em países ricos
Nove em cada dez doses das vacinas administradas até ao momento foram em países ricos, enquanto os mais pobres ainda terão que esperar alguns meses ou mesmo anos. Esse cenário, além de considerações éticas e sociais, aumenta o risco de surgirem novas variantes do vírus que tornem as vacinas já administradas ineficazes, alertam os especialistas.