Portugal // Centenas enfrentam o fascismo em Coimbra~ 6 min
Por Francisco Norega
Em Janeiro, o Chega saiu derrotado de Coimbra. Tentaram aproveitar-se do simbolismo da igreja de Santa Cruz, onde se encontra o túmulo de D. Afonso Henriques, e foram totalmente silenciados.
Decidiram voltar a Coimbra, neste último fim-de-semana de Maio, para realizar a sua III Convenção Nacional. Não no centro, claro, mas a 10km da cidade – nas infâmes Caves de Coimbra, espaço fiel aos valores do racismo e da xenofobia –, onde ficam mais resguardados dos protestos com que sabiam ir ser recebidos. Não resistiram, contudo, à provocação, e convocaram para o primeiro dia da sua convenção uma “marcha pelas pessoas de bem” a assinalar o aniversário do golpe militar de 28 de Maio de 1926. O objectivo? Tomar a Praça 8 de Maio, onde em Janeiro «os “democratas” de extrema-esquerda os tentaram amedrontar».
Amedrontados mais uma vez, o Chega alterou à última da hora a rota da sua marcha e escolheu um novo destino – a Praça Heróis do Ultramar. As centenas de manifestantes reunidos na Praça 8 de Maio sob o lema “A Praça é Nossa! Fascista não entra aqui!” começaram então uma manifestação espontânea em direcção à Universidade, o local de início da marcha de extrema-direita.
Os e as manifestantes antifascistas foram confrontados com a acção dedicada das forças policiais no sentido de as atrasar e impedir o acesso a qualquer sítio remotamente próximo à rota por onde os fascistas iam desfilar. O centro da cidade foi tomado por um dispositivo policial de proporções impensáveis, mesmo considerando a natureza dos eventos. Não era visto um dispositivo semelhante mobilizado para um protesto em Coimbra há mais de uma década, provavelmente desde a repressão policial contra os estudantes mobilizados no Pólo II para invadir o Senado e assim impedir o aumento das propinas em 150%, para 852€, a 20 de Outubro de 2004.
Antes das 18h, perto de 150 pessoas estavam já reunidas na Praça 8 de Maio. Pelas 18h30, quando mais de duas centenas de pessoas estavam no local, tentou iniciar-se uma manifestação espontânea mas um cordão policial impediu o avanço dos manifestantes. Apesar de os manifestantes se terem oferecido a fazer o percurso pelo passeio, a polícia manteve a saída bloqueada durante 15 minutos – “por razões de segurança”, diziam.
A polícia acabou por cortar o trânsito e direccionar a manifestação para a estrada, conseguindo assim controlar o seu ritmo. Neste momento, era já sabido que grandes quantidades de polícia estavam concentradas nos vários acessos à Universidade – desde carros patrulha e carrinhas da Unidade Espacial de Polícia até motas das equipas rápidas. Na frente da manifestação seguia uma carrinha de intervenção que abrandava o passo das manifestantes.
À chegada da manifestação à Praça da República, a polícia bloqueou as duas saídas em direcção às Escadas Monumentais e aos Arcos do Jardim, principais acessos à Universidade. Uma terceira saída foi fechada logo depois. Tudo para permitir que os fascistas atravessassem os Arcos do Jardim sem serem importunados pelos radicais de extrema-esquerda.
As manifestantes procuraram ultrapassar as barrreiras policiais entrando pelo Jardim da Sereia e subindo em busca de um caminho possível para chegar à Praça Heróis do Ultramar. À saída do jardim, novo bloqueio policial. Por onde quer que tentassem aproximar-se do desfile do ódio, havia uma barreira policial para as impedir.
Finalmente, a manifestação voltou a descer para a Praça da República e tomou o caminho para os Arcos, já desimpedido. Aí, todas as saídas foram bloqueadas pela polícia, com dezenas de polícias e uma dúzia de viaturas mobilizadas para rodear a praça.
Perto das 20h, sendo impossível continuar em direcção à zona da Solum, a maioria das manifestantes ainda presentes voltou até ao local inicial do protesto.
Enquanto tudo isto acontecia, algumas dezenas de pessoas permaneceram na Praça 8 de Maio para garantir que os fascistas não a tomavam. Passaram pela esplanada junto à praça vários elementos de extrema-direita, incluindo altos cargos do Chega, tendo por várias vezes atitudes provocatórias. Alguns chegaram a conversar intimamente com os seus amigos agentes.
A mesma proximidade já tinha sido demonstrada horas antes, na Universidade. Uma destas interacções ficou registada num vídeo em que se pode ver agentes da polícia e elementos da segurança do Chega a conviverem de forma íntima, a tirarem fotos e a abraçarem-se.
A luta antifascista saiu vitoriosa desta jornada de luta – por um lado, foi negado à extrema-direita o espaço no centro da cidade e o simbolismo que lhes é tão importante. Por outro, reafirmou-se que Coimbra é uma cidade diversa, vivida e feita por pessoas de diferentes origens sociais, económicas e étnico-raciais; que, em Coimbra, não há espaço para a intolerância, a discriminação e o autoritarismo. E que assim continuará a ser.
A jornada de sexta-feira tornou evidente também que o Chega só conseguiu fazer desfilar o ódio pelas ruas de Coimbra graças à enorme mobilização de forças policiais, que protegeram todos os locais por onde passaram os fascistas e negaram às gentes de Coimbra o direito à contramanifestação. Se alguém tivesse ainda dúvidas sobre a relação próxima entre as forças policiais e a extrema-direita, os acontecimentos desta sexta-feira são bastante elucidativos.