177 Zapatistas rumo a Viena para dar início à Viagem pela Vida~ 7 min
Por Francisco Norega
Depois de muitos contratempos, sabemos finalmente a data de chegada da primeira delegação aerotransportada da Viagem pela Vida. Chama-se “A Extemporânea”: dela fazem parte 177 zapatistas e chega a Viena a 14 de Setembro.
A Europa – rebaptizada de Slumil K’axjemk’op ou Terra Insubmissa pelo Esquadrão 421 após este desembarcar em Vigo a 22 de Junho – é o primeiro capítulo desta Viagem pela Vida cujo início estava anunciado para Julho. Vários entraves e obstáculos foram sendo colocados desde ambos os lados do Atlântico, atrasando o seu início.
O primeiro foi o racismo da Secretaria de Relações Exteriores (SRE) do estado mexicano, que repetidamente recusou entregar passaportes a pessoas dos povos originários, exigindo sempre mais e mais papéis que comprovassem a sua nacionalidade mexicana. Desde Março, muitas companheiras das comunidades zapatistas tiveram defazer inúmeras viagens à Cidade do México só para serem repetidamente confrontadas com perguntas e insinuações racistas dos funcionários da SRE e lhes serem repetidamente negados os passaportes. No mesmo México, um homem branco consegue o seu passaporte no próprio dia, sem problemas.
«O Estado mexicano não reconhece a nossa identidade e origem e diz-nos que somos “extemporâneos” (assim o diz a SRE, que somos mexicanos extemporâneos)». É por esta razão que esta delegação de Escuta e Palavra foi baptizada de A Extemporânea.
O segundo obstáculo foram as regulamentações “sanitárias” que foram fechando porta atrás de porta nesta Fortaleza Europa. A pandemia é pretexto para recusar a entrada desta delegação em praticamente todos os países da União Europeia. Aparentemente, ter agendados centenas de encontros, actividades e reuniões com centenas de movimentos, organizações, resistências e povos de todo o continente não é uma “razão de força maior”. Enquanto isso, diplomatas, homens de negócios e mercadorias, munidos das suas “razões de força maior,” continuam a circular livremente.
A isso acresce que, apesar de todas as companheiras da delegação estarem vacinadas, a UE não reconhece várias vacinas (não-ocidentais) como válidas. Neste contexto, a Áustria foi escolhida como via de entrada na Europa por ser um dos poucos territórios da UE que não tem as fronteiras fechadas a nacionais do México – ou a indígenas e pobres do México, pois aos ricos e poderosos nenhuma fronteira se fecha.
Por fim, resolvidos todos os outros problemas, houve nas últimas semanas alguns avanços e recuos nessa última missão de encontrar um transporte adequado. Até que, anteontem, o EZLN anunciou finalmente, num comunicado assinado pelo Subcomandante Insurgente Moisés, que a travessia aérea transatlântica d’A Extemporânea começaria dia 13 de Setembro na Cidade do México e terminaria dia 14 em Viena, fazendo escala em Madrid. Dois grupos separados farão o mesmo trajecto com apenas algumas horas de diferença.
No comunicado, anunciaram também que «A Extemporânea está organizada em 28 equipas de Escuta e Palavra (compostas por 4 a 5 compas cada uma), uma de Jogo e Travessura e uma equipa Coordenadora. A Extemporânea pode, assim, cobrir 28 recantos da geografia europeia em simultâneo.» Alguns dias depois, vão chegar também as delegações do Congreso Nacional Indígena-Concejo Indígena de Gobierno e da Frente de Pueblos en Defensa de la Tierra y el Agua.
Em data a anunciar brevemente, as 177 companheiras d’A Extemporânea sairão da Sementeira “Comandanta Ramona” para se concentrarem no caracol Jacinto Canek, em San Cristóbal de las Casas, Chiapas. Daí seguirão, por terra, até à Cidade do México, onde se aquartelarão no local de Carmona y Valle até à data de partida.
Nesses dias que passarão na Cidade do México, farão a entrega das actas das assembleias das comunidades zapatistas, não zapatistas e antizapatistas, com os seus acordos sobre o apoio à luta por verdade e justiça para as vítimas da violência. Estas actas referem-se à Consulta Popular realizada no dia 1 de agosto deste ano em que se pergunta aos e às mexicanas se estão de acordo com que sejam levadas a cabo acções “com vista a garantir a justiça e os direitos das vítimas da violência”.
Depois de chegar a Viena e de serem organizadas as agendas, estas delegações continuarão o trabalho começado pelo Esquadrão 421, que desembarcou em Vigo dia 22 de Junho. Desde aí percorreu várias partes da Europa Ocidental e Central, ainda que tenha guardado silêncio ou feito apenas curtas intervenções na maior parte dos actos públicos em que participou. O Esquadrão assim fez porque é uma delegação de escuta, e não de escuta e palavra, e aguarda a chegada das restantes companheiras para dar início à Viagem pela Vida.
Depois de desembarcar em Vigo, passou por Mérida, Madrid, Valencia, Barcelona, Toulouse, Paris, pelo Encontro de Mulheres e Dissidências que aconteceu no final de Julho na ZAD de Notre Dame Des Landes e, por fim, novamente por Madrid.
O Esquadrão encontra-se neste momento na Suíça, onde nos últimos dias participou num Acampamento pela Vida, na cidade de Basel. Este encontro pela vida contou com um raro momento de partilha entre as participantes e o Esquadrão. Durante mais de uma hora, contaram a história dos seus antepassados e como sobreviveram 500 anos nas montanhas para que o colonialismo não os devorasse. “Viemos conversar convosco para conhecer as vossas formas de organização e contar-vos como é a nossa forma de o fazer e porque estamos aqui.” Recomendamos a leitura desta crónica do Acampamento.
O Subcomandante Insurgente Moisés, Coordenador Geral da Travessia pela Vida – capítulo Europa, termina assim o comunicado sobre a Saída da Extemporânea à Europa:
Dedicamos este esforço (que incluiu muitas pessoas não zapatistas e algumas até antizapatistas) a todas as desaparecidas, às famílias que sofrem a sua ausência e, sobretudo, às mulheres e homens que lutam por encontrá-las e conseguir a verdade e justiça que todas necessitamos e merecemos. Saibam que o seu exemplo, o seu incansável trabalho e o seu não render-se, não vender-se e não capitular são, para nós, os povos zapatistas, uma lição de dignidade humana e de compromisso autêntico na luta pela vida.»
«Ano 501.» O 501° ano de resistência indígena, que começou este 13 de Agosto. Nessa data, em que alguns celebraram os 500 anos da tomada de Mexico-Tenochtitlan pelo colonizador espanhol Hernán Cortés, foram assinalados os 500 anos de resistência indígena em dezenas de cidades da Europa e do México. O acto que se realizou em Madrid teve a participação de mais de duas mil pessoas de todos os recantos da Europa e contou com a presença do Esquadrão 421 que, numa outra rara ocasião, tomou a palavra e leu o comunicado “Apenas 500 anos depois”.