Galiza // Europa em Vigo para receber A Montanha Zapatista~ 10 min
Por Francisco Norega e Catarina Silva
Em Vigo, a Europa prepara-se para receber a primeira delegação zapatista da Viagem pela Vida.
Estes últimos dias, as perguntas repetem-se constantemente – em que dia chegam? a que horas? onde desembarcam? Pois, para estas perguntas não houve, durante muito tempo, respostas concretas e definitivas. Por um lado, porque esta Viagem pela Vida não se rege pelo tempo europeu e, por outro, porque a Natureza é imprevisível, e no mar é ela que manda. Agora, parece-nos que podemos afirmar que o Esquadrão 421 pisará terra firme ao final da tarde de amanhã, 22 de Junho, numa das praias de Vigo.
Nesta cidade galega, encontram-se mais de uma centena de pessoas de delegações vindas de geografias de toda a Europa e do mundo: Grécia, Alemanha, França, Suíça, Itália, República Checa, Suécia, México, Irão, País Basco, Portugal, Catalunha e várias outras partes da Península Ibérica, e, claro, de várias partes da Galiza. Aguardam com expectativa o desembarque da delegação composta por 4 mulheres, 2 homens e 1 outroa, como se chamam as zapatistas que não cabem na visão binária do género. Daí vem o nome do Esquadrão 421, a primeira delegação de indígenas zapatistas a sair de Chiapas com rumo à Europa e que, durante os últimos 50 dias e 50 noites, cruzou o oceano Atlântico a bordo d’A Montanha.
Numa estreita rua da cidade de Vigo, encontramos um pequeno espaço transformado em centro de resistência, em ponto de encontro, criação e discussão. Aí cruzam-se pessoas das mais diferentes origens e contextos, coabitam culturas e as conversas desenrolam-se em galego, castelhano, português, inglês, francês e outras línguas, ou, por vezes, numa mistura entre várias. Pintam-se bandeiras e faixas que enchem o espaço de cor.
Algumas das delegações internacionais chegaram há mais de uma semana, outras nos últimos dias, respondendo ao anunciado pelo comunicado zapatista publicado depois da passagem pelos Açores – que chegariam a Vigo provavelmente este fim-de-semana, a 19 ou 20 de Junho. Enquanto se aguarda a sua chegada, montam-se bancas informativas pela cidade, divulga-se a chegada iminente da delegação e distribuem-se flyers informativos. Apesar das fortes chuvas que se abateram sobre a região na semana passada e interromperam as actividades nas ruas, mantêm-se assembleias diárias no “centro da resistência” – a Fundi – e oficinas de produção de faixas e bandeiras do EZLN.
No dia 19, pela manhã, realiza-se, na Praça do Marco, uma assembleia com mais de 70 pessoas – viguésas, galegas e das delegações internacionais – onde ficamos a conhecer as mais recentes informações sobre A Montanha e onde se debate a recepção do Esquadrão, reunindo-se depois vários grupos de trabalho – de saúde, de cuidados, de segurança, de meios de comunicação independentes, entre outros. Com o recomeço da chuva, a assembleia desloca-se para um outro espaço colectivo, A Revolta, um dos centros sociais da cidade que a partir daí têm acolhido as actividades, visto que a Fundi já não tinha espaço para o crescente número de pessoas.
No domingo, pela manhã, realizou-se uma manifestação entre a Praça do Berbés e o Porto de Vigo, onde, pouco depois, foi realizada uma conferência de imprensa. Os olhos já estão postos no horizonte, na “ría” que entra terra adentro, por onde hão-de chegar as companheiras zapatistas.
As condições metereológicas desfavoráveis somam-se às dúvidas e inquietações. Não tendo sido possível avistar o barco, dirigimo-nos para o centro social e cultural, as Pedriñas, onde se organiza uma assembleia que conta com a participação de mais de 120 pessoas, da coordenação galega e das delegações internacionais.
As Pedriñas são também a sede da Comunidade de Montes Veciñais de Tameiga-Mos, composta por 104 hectares de terreno, geridos pelos vizinhos e habitantes da zona, constituídos enquanto grupos sociais. Neste espaço, montou-se um parque de campismo, onde dormem algumas das pessoas que vieram de territórios mais distantes. Uma tenda no exterior abriga a assembleia dessa tarde, que, mesmo assim, é fustigada por rajadas de vento e chuva. Discutem-se métodos e ferramentas para que estes momentos de discussão aconteçam de forma mais ordenada e democrática. Membros da Assembleia Galega da Xira por la Vida relembram o que sentiram quando souberam que o Esquadrão 421 chegaria a Vigo.
(Em galego) No último mes ademais ca nova de que o Escuadrón 421 chegaría ao Porto de Vigo. Este agasallo fixónos sonar e deunos pulos para seguir fortalecendo à loita, à unidade, para berrar que temos que construír un mundo diferente. E pa iso contamos ca enerxía deste mar que nos une a todas.
Uma pessoa do México fala emocionada da vontade de estar com as suas irmãs zapatistas e a “poeta analfabeta” e antifascista, Luz Fandino, relembra o legado do franquismo no estado espanhol e a importância da união face aqueles que nos querem “roubar a vida”. Na mesma assembleia, decide-se, por fim, uma data e hora para a recepção da delegação zapatista: terça-feira, dia 22 de junho, pelas 17 horas. Ali, soubemos que A Montanha havia finalmente chegado a costas galegas, tendo ancorado na Baía de Baiona, a 20 km de Vigo.
A emoção com a chegada das zapatistas incita a uma decisão de caráter urgente: ir a Baiona saudar o Esquadrão 421. Baiona, onde, no primeiro dia de março de 1493, chegou a primeira caravela vinda da América do Sul, das que haviam zarpado com Cristóvão Colombo, carregada de plantas, animais e pessoas indígenas. Baiona, onde, 500 anos depois, chega uma delegação zapatista, para consumar uma “invasão” inversa e consensuada e conhecer a Europa de baixo à esquerda. Desta vez, não para conquistar e subjugar, mas para partilhar experiências e lutas e espalhar o vírus da resistência e da rebeldia. Uma Viagem pela Vida 500 anos depois da suposta “conquista do México”, para procurar abrir caminhos nessa busca por um mundo onde caibam muitos mundos.
Em Baiona, juntamo-nos no espigão que nos permite avistar melhor A Montanha, passando o Castelo Monterreal, bem como uma estátua chamada “Encontro entre dous mundos”. O simbolismo pauta os comunicados e as escolhas do Esquadrão 421 e do EZLN, o que dá significado a tudo o que aqui se desenrola e dinamiza, o que anima a nossa estadia. Os zapatistas “invadiram a Europa” e não tardaram em escrever-nos.
Al poco tiempo se acercaron varios veleros con compas de la Europa insumisa, para dar la bienvenida… o para comprobar si eran ciertos los rumores que corren por los barrios, campos y montañas del mundo: “los zapatistas han invadido Europa”.
En tierra, al pie de lo que parece un faro, otro grupo gritaba algo como “¡Nos rendimos!”… Nah, es broma. Gritan que Zapata Vive, que Bienvenid@s, que… no se entiende bien. Portan pancartas y dibujos. Hasta donde se alcanza a ver, no hay señales obscenas –lo que puede indicar que no nos han repudiado… todavía-.
“Llegamos”
Comunicado do SupGaleano, 20 de Junho de 2021.