Áustria // Delegações indígenas e zapatistas na Greve Climática em Viena~ 11 min
Por Francisco Norega
Viena, 24 de Setembro
Vinte mil pessoas tomaram hoje as ruas da capital austríaca para exigir uma mudança urgente face às alterações climáticas. No meio da multidão caminhou meia centena de zapatistas e outros povos indígenas do México, presentes através das delegações do Congresso Nacional Indígena e da Frente de Povos em Defesa da Terra e da Água.
A manifestação saiu por volta das 13h de Praterstern e percorreu as largas avenidas de Viena num percurso de 4km repleto de palavras de ordem em inglês e alemão exigindo justiça climática, acções urgentes para combater o aquecimento global, uma mudança de sistema e em apoio à resistência em Lobau, nos arredores da cidade, contra a construção de uma auto-estrada na sua mais importante reserva natural. Terminou no parlamento austríaco, onde os últimos manifestantes só chegaram já duas horas e meia depois do início da marcha.
Depois das intervenções da organização e da actuação de uma banda local, subiram ao palco duas companheiras que fizeram ressoar a mensagem dos povos indígenas do México a milhares de pessoas, em frente à majestosa varanda de onde Hitler discursou em 1938, consumando a anexação deste território pela Alemanha nazi e aplaudido por centenas de milhares de pessoas.
Desta vez, a mensagem foi bem diferente. Primeiro falou Libertad, uma companheira zapatista, que contou a história de uma mulher.
Não importa a cor da sua pele, porque tem todas as cores. Não importa o seu idioma, porque escuta todas as línguas. Não importa a sua raça e a sua cultura, porque nela habitam todos os modos. Não importa o seu tamanho porque é grande e, ainda assim, cabe numa mão. Todos os dias e a todas as horas, essa mulher é violentada, golpeada, ferida, violada, burlada, desprezada. Um macho exerce sobre ela o seu poder, todos os dias e a todas horas. Ela vem até nós, mostra-nos as suas feridas, as suas dores, as suas tristezas, e só lhe damos palavras de consolo, de pena, ou ignoramo-la. Talvez, como esmola, lhe demos algo para que cure as suas feridas, mas o macho segue a sua violência.
Nós e vocês sabemos em que é que termina isto. Ela será assassinada e com a sua morte, morrerá tudo. Podemos seguir dando-lhe palavras de alento e remédios para os seus males. Ou podemos dizer-lhe a verdade: o único medicamento que poderá curá-la e saná-la por completo é enfrentar e destruir quem a violenta. E podemos também, e em consequência, unir-nos a ela e lutar a seu lado.
A essa mulher, nós, os povos zapatistas, chamamos-lhe “Mãe Terra”. Ao macho que a oprime e a humilha, ponham-lhe o nome, o rosto e a forma que queiram. Nós, os povos zapatistas, chamamos a esse macho assassino com um nome: capitalismo.
E chegámos a esta geografia para vos perguntar: vamos continuar a pensar que com pomadas e calmantes se solucionam os golpes de hoje, ainda que saibamos que amanhã será maior e mais profunda a ferida? Ou vamos lutar junto a ela?
Nós, as comunidades zapatistas, decidimos lutar junto a ela, por ela e para ela.
Libertad termina a intervenção entre aplausos e gritos de: «Ah, Anti, Anticapitalistas».
É, então, a vez de Isabel, uma mulher otomi do Congresso Nacional Indígena, tomar a palavra, primeiro em otomi e, depois, em castelhano:
Hoje estamos a ver que os que vivemos na cidade não temos direito a ela e os que estamos nas nossas aldeias, nos despojam. Temos aí muitas empresas que nos vêm enganando que é progresso, temos a termoeléctrica, o comboio maya, parque eólicos, os pais de ayotzinapa, e os agroquímicos que aqui em países desenvolvidos já não os vendem e levam-nos para os nossos povos para matar-nos a todas e a todos.
Hoje estamos aqui todos os povos do outro lado do mundo para caminhar juntas e juntos. Por isso nós, como Conselho Indígena de Governo, estamos a caminhar junto com as nossas irmãs e irmãos zapatistas. Esta é uma Gira pela Vida porque, se se acaba a Mãe Terra, se a matamos entre todas e entre todos, vamos acabar junto com ela, vamos morrer junto com ela. E desde aqui lhe dizemos, ao capitalismo e ao patriarcado, que o único que queremos é a nossa autonomia, as nossas aldeias, as nossas águas livres de contaminação (…) Não queremos mais capitalismo, não queremos mais empresas. E também lhe dizemos que não esquecemos, não capitulamos, e até à vitória… “Zapata vive!”
E multidão responde: «la lucha sigue!»
Ao contrário do discurso de Hitler, talvez estes dois discursos não sejam noticiados pelos grandes meios de comunicação, talvez não vão aparecer nos livros de história, mas cumprem o papel de semear, através da escuta e da palavra, essa resistência e essa rebeldia que é o principal objectivo desta Viagem pela Vida.
Estas duas mulheres indígenas, com a sua palavra, tocaram milhares de pessoas, a maioria delas jovens e crianças. Muitas delas conscientes dos problemas do mundo, críticas do sistema capitalista e ansiosas por uma mudança que sabem urgente e necessária mas que, todavia, nestas terras europeias, não sabemos como construir. No coração da besta, estas duas mulheres indígenas semearam na nova geração a esperança e a certeza de que a única maneira de evitar o colapso colectivo para onde a humanidade – e o planeta – caminha é organizarmo-nos e construir essa solidariedade entre povos que não olha a fronteiras nem distâncias.
Pouco depois do final das intervenções, enquanto começava mais uma actuação musical, as companheiras zapatistas, do CNI e da FPDTA, junto com outras pessoas e colectivos solidários, caminharam até à Embaixada do México. Como parte de uma acção chamada pelo EZLN no seu último comunicado «Chiapas à beira da guerra civil», e que aconteceu hoje em mais de meia centena de cidades de todo o mundo.
Dois manifestantes entraram na embaixada para entregar uma declaração assinada por 429 pessoas exigindo que parem de uma vez por todas os ataques às comunidades zapatistas em Chiapas, e a outras comunidades indígenas do México, alvo de repetidas agressões e provocações por parte dos grupos paramilitares com a conivência, quando não colaboração directa, dos governos federal e de Chiapas.
Como conclusão do protesto, foram gritadas palavras de ordem contra megaprojectos a que diferentes comunidades indígenas resistem em várias partes do México, como o Proyecto Integral Morelos e o Tren Maya.