Brasil // A Câmara de Gás Improvisada e a Guerra aos Pobres~ 4 min
Por Francisco Norega
Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, foi morto na bagageira de um carro da polícia, transformada pelos seus assassinos numa câmara de gás improvisada. Tudo aconteceu na cidade de Umbaúba, no estado de Sergipe, esta quarta-feira.
Quarta-feira foi também o segundo aniversário do homicídio de George Floyd, cujas últimas palavras – I Can’t Breathe – marcaram uma onda de revolta que percorreu os EUA e chamou a atenção para a realidade enfrentada pelas populações negras, invisibilizada nos meios de comunicação mainstream.
Genivaldo era negro e sofria de esquizofrenia. Foi abordado pela polícia rodoviária enquanto conduzia uma mota, revistado e, apesar de ter cooperado e acedido a todas as ordens, foi detido de forma violenta por três polícias, que depois o enfiaram na bagageira do veículo policial.
Este homicídio bárbaro em plena luz do dia foi filmado por uma das pessoas presentes no local. O vídeo mostra os polícias a atirar o que parece ser uma granada de gás para dentro da bagageira onde mantinham Genivaldo preso. A Polícia Federal de Trânsito tentou justificar o sucedido dizendo que os agentes usaram “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo” em resposta à suposta “agressividade” do detido.
A população de Umbaúba saiu à rua na quinta-feira para exigir justiça e incendiou pneus para bloquear o trânsito no local onde foi morto Genivaldo. Um veículo policial acabou por ser forçado a recuar quando viu uma multidão revoltada caminhar na sua direcção.
Segundo o Instituto Médico Legal, a causa da morte de Genivaldo foi “insuficiência aguda secundária a asfixia”. A nota do instituto diz ainda: “a asfixia mecânica é quando ocorre alguma obstrução ao fluxo de ar entre o meio externo e os pulmões. Essa obstrução pode se dar através de diversos fatores e nesse primeiro momento não foi possível estabelecer a causa imediata da asfixia, nem como ela ocorreu.”
A Guerra aos Pobres
Este homicídio grotesco aconteceu apenas um dia após mais uma brutal chacina na favela Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, onde 25 pessoas, com idades entre os 17 e os 41 anos, foram mortas pela polícia.
Em relação à morte de Genivaldo, Bolsonaro tentou esquivar-se às perguntas dos jornalistas, deixando apenas umas poucas palavras sugerindo que algo deveria ter feito para merecer o seu cruel destino. Sobre as mortes na Vila Cruzeiro, o seu comentário no Twitter foi ainda mais grotesco:
Como explica um artigo da Mídia 1508, um colectivo de jornalismo independente brasileiro, «existem registros de incursões policiais em comunidades pobres desde a década de 1930, época em que o tráfico de drogas não existia. O que ratifica a crítica de movimentos sociais quando afirmam que não existe “Guerra às Drogas”, mas sim “Guerra aos Pobres”.
Para efeito de comparação, o Brasil registrou 22.715 mais mortes violentas entre 2011 e 2015 do que a Síria, que está em guerra civil desde aquele ano, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016.»
No Brasil, só entre 2008 e 2018, 553 mil pessoas perderam a vida por morte violenta – ou seja, um total de 153 mortes por dia. Em 2020, só nas mãos da polícia, morreram 6 416 pessoas. Quase 80% das vítimas era negra.
O Brasil, como os Estados Unidos, são daqueles países onde a população – especialmente a negra – enfrenta uma autêntica e sangrenta guerra, invisível aos meios de comunicação ocidentais, para os quais as vidas das populações não-brancas têm pouco ou nenhum valor.