Israel invade Rafah após Hamas aceitar acordo de cessar-fogo~ 9 min
Por F
Durante a tarde de ontem, o Hamas aceitou os termos da fórmula proposta pelos mediadores egípcios e qataris, em linha com o que vinha sendo negociado na presente ronda de negociações. Poucas horas depois, as forças de ocupação israelitas deram início à tão anunciada invasão de Rafah, onde mais de 1,2 milhões de palestinianos, homens, mulheres e crianças, procuraram refúgio durante a campanha genocida de Israel em Gaza, que cumpre hoje 7 meses.
O dia 6 de Maio de 2024 ficará marcado na história da libertação da Palestina como o dia em que caiu a última máscara do projecto sionista. É hoje mais claro que nunca que Israel não quer o fim da guerra e não se preocupa com os prisioneiros israelitas em Gaza nem com as suas famílias. O exército israelita entrou ontem em Rafah com o objectivo declarado de conseguir uma vitória sobre o Hamas que não conseguiu em nenhuma parte de Gaza sobre nenhum dos grupos da resistência palestiniana.
Israel continua na sua espiral genocida sem destino ou direcção, enquanto Netanyahu tenta a todo o custo evitar o momento em que sairá do seu trono para o banco dos réus, seja nos tribunais israelitas a responder por corrupção, incompetência ou abuso de poder, seja nos tribunais internacionais por crimes contra a Humanidade.
Hamas aceita acordo de cessar-fogo
Por volta das 17h (hora portuguesa), a Al Jazeera divulgou a informação de que o Hamas aceitava o acordo de cessar-fogo tal como apresentado pelas equipas egípcias e qataris que têm mediado as várias negociações entre Israel e o Hamas durante os últimos meses.
Durante as negociações, o Egipto e o Qatar têm estado em comunicação constante com as duas partes para encontrar uma fórmula que pudesse ser aceite por ambas. Durante a última semana, oficiais israelitas e norte-americanos repetiram constantemente que a bola estaria do lado do Hamas, dando a entender que, caso não fosse possível alcançar um acordo, seria por responsabilidade do Hamas.
Com o anúncio da aceitação do acordo pelo Hamas, as ruas de Rafah encheram-se de pessoas celebrando a esperança de que em breve, após 7 meses de angústia, fome, morte, destruição e doenças, poderiam finalmente respirar.
Porquê agora?
Há vários dias que era conhecido que o Hamas concordava com a generalidade da fórmula de acordo proposta pela mediação, que inclui um progressivo desescalar da confrontação, retirada das forças israelitas e trocas de prisioneiros em três fases.
No entanto, o Hamas continuou a insistir em questões de formulação em alguns pontos que consideravam não ser claros. A questão mais importante de todas era a não utilização da expressão “cessar-fogo permanente” para definir a realidade estabelecida com a conclusão da terceira fase do acordo – ao invés disso, a proposta continha a formulação “calma duradoura”, mais vaga.
A resistência palestiniana, com a sua natural desconfiança após 75 anos de ocupação e 7 meses de tentativa de genocídio definitivo, procurava garantias de um fim do genocídio para aceitar uma troca de prisioneiros com Israel. Afinal, os prisioneiros israelitas em Gaza são a única coisa que dá à resistência palestiniana poder de negociação perante as forças ocupantes.
Face à reticência da parte israelita de fazer essa concessão e incluir a expressão “cessar-fogo permanente” no texto do acordo, o Hamas procurou conseguir dos EUA e de outras potências garantias de que a “calma duradoura” se materializaria, na prática, num cessar-fogo estável e permanente que permita aos sobreviventes do genocídio em curso começar a reconstruir as suas vidas.
Na tarde de ontem, face às constantes ameaças de lançar uma ofensiva contra Rafah e face à concentração de tropas, tanques e outros equipamentos numa zona militar a norte do posto fronteiriço de Kerem Shalom, o Hamas decidiu aceitar a última fórmula proposta pela mediação do Egipto e do Qatar, a 5 de Maio. No texto do acordo, a expressão “cessar-fogo permanente” aparece uma única vez, no preâmbulo, enquanto que nos detalhes de cada uma das fases é usada a expressão “calma duradoura”.
Como acontece há vários dias, a fórmula proposta responde às principais exigências do Hamas – o fim das hostilidades, a retirada das forças israelitas, o acesso desimpedido de ajuda humanitária, a reconstrução de Gaza, o regresso dos deslocados às suas casas e a troca de prisioneiros.
O texto integral do acordo foi traduzido para inglês e publicado pela AlJazeera. De acordo com o texto, o Egipto, o Qatar, os EUA e as Nações Unidas serão os garantes do acordo.
As promessas israelitas
Durante a passada semana, vários ministros israelitas afirmaram repetidamente que Rafah seria invadida independentemente de haver ou não um acordo para a troca de prisioneiros. No domingo, Netanyahu disse estar pronto para uma trégua temporária em troca da libertação dos reféns, mas que não aceita as exigências do Hamas de um fim das operações militares e da retirada das forças israelitas de Gaza.
Estas declarações do primeiro-ministro israelita confirmam que as negociações o lado sionista nunca encarou de forma séria estas negociações, enviando equipas para as negociações apenas para entreter a comunidade internacional e criar uma esperança vazia no seio da população de Gaza, na expectativa de que em algum momento a esperança se transforme em desespero e revolta contra a resistência.
Depois de repetirem vezes sem conta que a bola estaria do lado do Hamas, quando finalmente o Hamas aceitou o acordo proposto, Israel fez aquilo que sempre faz – optou pelo caminho da morte e da destruição, que vai acabar por levar ao seu próprio fim.
A invasão de Rafah
Rafah nunca deixou de ser alvo de bombardeamentos e ataques da artilharia israelita, e ontem não foi excepção, com intensos bombardeamentos reportados logo pela manhã. O exército israelita largou panfletos sobre a zona oriental da cidade a ordenar a população a evacuar para o campo de al-Mawasi.
As celebrações que tomaram as ruas de Rafah ao final da tarde, em reacção ao anúncio que o Hamas tinha aceite o acordo, duraram poucas horas.
As forças israelitas iniciaram a ofensiva contra Rafah por volta das 20:30 (hora portuguesa). Tanques e infantaria mecanizada entraram no sul da Faixa de Gaza a partir da zona militar a norte do posto fronteiriço de Karem Shalom enquanto o leste de Rafah era sujeito a intensos bombardeamentos.
Foram registados intensos disparos de tanques e helicópteros israelitas na área do Aeroporto de Gaza, desactivado há cerca de duas décadas, e na zona rural a leste de Rafah. A resistência palestiniana confrontou veículos militares israelitas na área do posto fronteiriço de Rafah, que está a cerca de 3,5km a oeste de Kerem Shalom.
Múltiplos vídeos do leste de Rafah são preenchidos por sons de intensos disparos e o que parecem ser helicópteros ou drones.
As Brigadas Al Quds, braço armado da Jihad Islâmica da Palestina, dispararam rockets contra Sderot. O media israelita Yedioth Ahronoth reportou disparos de morteiros pela resistência palestiniana contra Kerem Shalom.
Os bombardeamentos contra edifícios residenciais continuaram pela noite dentro em diferentes bairros de Rafah, provocando extensos danos na infraestrutura civil de Rafah.
As vítimas civis, entre mortos e feridos, foram chegando aos poucos hospitais que ainda funcionam no sul da Faixa de Gaza.
Durante a noite de ontem, emergiram também informações de ataques e incursões das forças israelitas no norte de Gaza, confrontadas em vários pontos pela resistência palestiniana. A partir da madrugada de hoje, a força aérea israelita levou a cabo bombardeamentos contra diferentes regiões de Gaza, com especial incidência no Campo de Nuseirat.
Aprofundam-se as divisões na sociedade israelita
Em Israel, as manifestações vão subindo de tom à medida que se aprofunda o desespero das famílias dos prisioneiros israelitas em Gaza, abandonadas pelo seu próprio governo. Em Tel Aviv, várias pessoas foram detidas durante as manifestações contra Netanyahu e a favor de um acordo de cessar-fogo e troca de prisioneiros com o Hamas. Confrontos com as forças policiais também foram registados em Haifa.
As famílias exigiram ao governo a assinatura de um acordo que permita o regresso dos seus familiares, ameaçando escalar os protestos. “O Hamas concordou com o acordo. O governo tem de concordar agora, caso contrário incendiaremos o país.”
Enquanto um sector das famílias dos prisioneiros (e da sociedade) exige há vários meses que o Estado Israelita ofereça concessões ao Hamas para conseguir um acordo de troca de prisioneiros, outro sector defende uma escalada da guerra contra a resistência palestiniana em Gaza como a única solução para a actual situação. Durante as últimas semanas, têm feito repetidas ameaças de escalar os protestos no caso de ser alcançado um acordo que ponha fim às operações militares de Israel.
A eterna ameaça da escalada
Durante o dia de ontem, a resistência no Iraque reclamou a autoria de pelo menos 7 ataques contra alvos do regime sionista, um número inusualmente alto para esta força. Há um grave risco de escalada por parte das forças do Eixo da Resistência na região, que haviam prometido suspender as suas operações militares nas várias frentes caso fosse alcançado um acordo de cessar-fogo.
O porta-aviões norte-americano USS Eisenhower está a regressar para a zona do Mar Vermelho, depois de a ter abandonado e começado a fazer a viagem de volta para os EUA há alguns dias.
Paira no ar a ameaça de uma escalada da confrontação e de que toda a região se veja engolida por um conflito militar de larga escala. Israel, cada vez mais isolada internacionalmente, parece pouco preocupada não só com os prisioneiros e as suas famílias, mas com o seu próprio futuro.