Portugal // NOVA SBE – A faculdade neoliberal à beira-mar plantada~ 9 min
Por Humberto Palma
Um grande projecto está a nascer junto do Forte de São Julião da Barra em Carcavelos. É enunciado como o produto de um grande apelo à “sociedade civil”, com uma irrisória contribuição pública. Está quase pronto. É o novo campus da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Chamemos-lhe apenas NOVA SBE (School of Business and Economics) – não por traduzir um suposto ar de maior respeitabilidade a nível internacional, mas por nos permitir poupar algumas linhas.
As novas instalações foram financiadas através de uma campanha online – The Campaign for NOVA SBE. Lançada pela Fundação Alfredo de Sousa, uma fundação privada criada para o financiamento e gestão do campus, tem como objetivo angariar 50 milhões de euros. Com a excepção do terreno, cedido pela Câmara Municipal de Cascais, o financiamento baseou-se em dois tipos de contribuições. São elas as individuais, de estudantes, ex-estudantes e cidadãos de bem preocupados; e as empresariais, através de entidades como empresas e fundações.
As aulas começaram dia 3 de Setembro, e a inauguração ocorrerá no próximo dia 29. No entanto, o valor angariado através do peditório encontra-se aquém do necessário. Faltam mais de 7 milhões de euros, o que tem levado a algumas atitudes desesperadas por parte da faculdade. No dia 9 de Agosto, o Observador publicou uma “notícia” que parece ter como único objetivo publicitar o projecto e incentivar à contribuição monetária. Com um pouco de atenção, percebemos que texto foi explicitamente patrocinado pela Fundação Alfredo de Sousa e pela NOVA SBE. Mas até aqui nada de muito surpreendente.
No entanto, há relatos de uma abordagem ainda mais original: estudantes e ex-estudantes foram contactados via e-mail e por telefonema, da parte da faculdade, para que contribuam para o projecto. Este momento é retratado como “histórico” e é prometido que todas a contribuições serão posteriormente reconhecidas, no mínimo, com a gloriosa presença do nome do doador na Donors Wall (Parede de Doadores). A contribuição é opcional, mas os contactos são recorrentes. Se um estudante não atender o telefonema, poderá receber um email com a informação que não quis ouvir ao telefone.
‘Agarre já esta oportunidade única!’
A contribuição mínima são 50 euros. No entanto, valores maiores permitem ainda colocar o nome no Walk of Founders (um espaço físico na faculdade), bancos de jardim, connection zones, salas de reuniões, salas de aulas, auditórios, entre outros espaços.Tudo depende do número de zeros da quantia doada.
Na lista dos “parceiros fundadores” da Fundação Alfredo de Sousa, constam os nomes da Câmara Municipal de Cascais, NOVA SBE, Santander, Jerónimo Martins e de Teresa e Alexandre Soares dos Santos. A estes juntaram-se 33 “parceiros empresariais” como o Nestlé, Cisco, LG, entre outros. Estas entidades também poderão ver os seus nomes associados a espaços na faculdade. Estes incluem o Jerónimo Martins Grand Auditorium, que será o auditório principal; Teresa e Alexandre Soares dos Santos Library, a biblioteca; ou o Santander Academic Hall, o edifício dos mestrados.
Além de ter sido responsável pela construção do campus, a Fundação Alfredo de Sousa terá agora responsabilidades na sua gestão, no financiamento da faculdade e na suas relações empresariais.
Teremos uma fundação privada a gerir e financiar uma faculdade pública.
Como chegámos aqui?
O modelo aplicado para a gestão deste novo campus, com entidades privadas a terem lugar à mesa em posições importantes na faculdade, não surgiu do vácuo. É o produto de sucessivas reformas nas últimas décadas, inseridas num quadro de políticas neoliberal. Estas têm vindo a tornar possível e aparentemente imperativa a entrada de instituições privadas, com interesse em lucro, nas universidades públicas, como a NOVA SBE.
Um olhar crítico detalhado sobre todo este processo dar-nos-ia material para uma série de textos e por isso não o iremos desenvolver agora. No entanto há uma particularidade neste caso. A NOVA SBE não é apenas um peão neste jogo. Foi parte activa na construção das suas regras. A história do surgimento das ideias neoliberais em Portugal, no final dos anos 70, funde-se com a da criação da faculdade. Na altura da sua fundação, em 1978, a maior parte da Comissão Instaladora da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e do corpo docente eram doutorados fora do país. Uma parte significativa havia feito o seu doutoramento nos EUA ou possuía uma grande influência das correntes teóricas norte-americanas. Possuíam em comum um conjunto de visões políticas semelhantes. Nomeadamente, a crença nas virtudes da redução e reconfiguração da intervenção do Estado na economia – o neoliberalismo.
Num workshop sobre “Ensino e Prática da Macro de Economia Aberta depois de Abril”, João Rodrigues (pág. 54 a 63) faz uma análise sobre as mudanças no ensino de economia entre as décadas de 70 e 90. Uma parte considerável dos quadros fundadores da faculdade teve uma importância significativa na proliferação e concretização política do neoliberalismo em Portugal. Quer através da ocupação dos espaços de opinião nos meios de comunicação, quer das movimentações entre a esfera académica e cargos importantes de decisão da política económica – Banco de Portugal, Governo, FMI e Banco Mundial. Alguns dos nomes mais infames são Cavaco Silva (ex-Primeiro Ministro), Miguel Beleza (ex-Governador do Banco de Portugal e Ministro das Finanças) e Jorge Braga de Macedo (ex-empregado do FMI e ex-Ministro das Finanças).
A nível científico, a NOVA SBE foi essencial para a afirmação da corrente neoclássica nos planos curriculares. Esta possuía a particularidade de recusar a aceitação de outras correntes económicas, que na altura eram lecionadas noutros institutos. Passados 40 anos, é notável uma grande influência desta visão para o ensino nos currículos das ciências económicas. O “Colectivo Economia Plural”, no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG) e o “Colectivo Economia sem Muros”, na NOVA SBE entendem que é cultivada uma cultura do pensamento único, com um óbvio enviesamento ideológico. Em oposição a essa realidade reivindicam um ensino mais plural e catalisador de sentido crítico.
Os actuais planos curriculares das ciências económicas parecem pensados inteiramente para a formação de quadros técnicos acríticos que estarão prontos a ingressar no aparelho burocrático do Estado ou nos quadros de uma grande multinacional. Isto acontece enquanto o financiamento das faculdades depende cada vez mais de entidades privadas. Tal não aconteceu por acidente.
NOVA SBE: modelo da universidade neoliberal
A NOVA SBE surge simultaneamente como precursora e como consequência do neoliberalismo em Portugal. O novo campus aparenta ser a materialização do projecto neoliberal para a educação sob a forma de uns blocos de cimento à beira mar. Já referimos algumas das suas consequências a nível da oferta curricular. Olhemos de novo para este modelo em construção para entender que tipo de projecto é este.
Nele, o mercado oferecerá certamente as melhores soluções para os problemas dos estudantes. A gestão do alojamento deve ser deixada para a empresa mais experiente e com melhor nome do mercado. É por isso que a residência universitária da NOVA SBE vai ter os quartos mais acessíveis a custar 545€ por mês. Um valor apenas ligeiramente abaixo do salário mínimo nacional.
A concorrência a nível internacional e a presença em rankings universitários deve ser a prioridade de uma instituição de ensino. É por isso que o valor das propinas para os mestrados têm o valor mínimo de 11.000€. É também por isso que a candidatura exige, no melhor dos casos, um pagamento a pronto de 1.000€ para garantir a presença do aluno no ciclo de estudos.
No entanto, o mundo real é um local competitivo, onde o talento e o esforço devem ser recompensados. É por isso que existe um programa de Fellowship for Excellence criado para reconhecer o mérito académico em estudantes de mestrado. Mas caso não se queiram dar ao trabalho, uma modesta contribuição de 12.300€ para o novo campus garante o acesso directo ao programa.
A interferência do Estado na gestão das universidades deve ser reduzida ao mínimo e estritamente necessário. O campus deve ser construído unicamente com contributos da “sociedade civil” – e um pequeno contributo do terreno de construção por parte do Estado. O resto o mercado fará por si. É por isso que existe agora um buraco de 7 milhões de euros no orçamento, e que se importunam os alunos e ex-alunos, várias vezes se necessário, numa tentativa desesperada de os levar à doação.
Um dos slogans da campanha é “Together, we are building the future” (“Juntos, estamos a construir o futuro”). Quem é o “nós” e de que “futuro” se trata? Aquele que acabará com todas as instituições que gerem a vida pública a terem uma cerca em redor onde se lê “Coutada Soares dos Santos”?