Aniversário do assassinato de Sara, Rojbîn e Ronahî pelos Serviços Secretos Turcos~ 6 min
Por Bruno Garrido
A 9 de Janeiro de 2013, Sakine Cansız, Fidan Doğan e Leyla Şaylemez, também conhecidas por Sara, Rojbîn e Ronahî foram brutalmente assassinadas em Paris, no Centro de Informação Curdo. Estas mulheres representavam três gerações de militantes empenhadas em denunciar a perseguição que este povo sofre continuamente e impulsionadoras de novos caminhos que permitissem alcançar a paz pela via do diálogo. Sara, Rojbîn e Ronahî estavam também activamente envolvidas na luta pela igualdade de género, impulsionadoras do movimento de mulheres curdas e das primeiras organizações autónomas de mulheres e da juventude. Desde cedo, posicionaram-se na linha da frente na luta contra a repressão do Estado turco e na luta pela autonomia curda. Morreram baleadas por um agente do MIT (serviços secretos turcos) com o apoio de vários serviços secretos internacionais
Sakine Cansiz, co-fundadora do PKK; Fidan Dogan, representante do Congresso Nacional Curdo em França e Bruxelas e Leyla Soylemez, representante do movimento da juventude curda personificavam três gerações de mulheres empenhadas em derrubar as fundações do Estado e do Patriarcado. Foram mortas não só por serem curdas mas também por serem expoentes máximos de um movimento de emancipação de mulheres que desafiam e questionam a retórica conservadora de um regime que leva décadas a tentar construir uma sociedade baseada no fundamentalismo religioso e no conservadorismo. “Estas três mulheres eram vistas como um grande problema, porque lutaram pelo reconhecimento de direitos fundamentais para o povo curdo na Turquia. O seu objectivo final era alcançar a paz e encontrar uma solução pacífica para a questão Curda, sendo fortes apoiantes das negociações de paz entre o PKK e o regime turco.
O assassinato destas três mulheres gerou uma onda de revolta entre a população curda, que viu neste ataque uma nova tentativa do regime turco de pôr um fim aos diálogos de paz. O próprio Abdullah Öcalan descreveu estes assassinatos como “uma tentativa de acabar com o processo de paz”. Temporalmente, estas mortes aconteceram poucos dias antes do início de uma nova ronda de conversas entre o PKK e o regime turco que estavam a ser conduzidas pelo próprio Öcalan. Foram posteriores às conversas de Oslo, adensando ainda mais as certezas de que foram assassinatos políticos e uma demonstração de poder por parte do regime turco.
Ömer Güney, o agente do MIT encarregue do assassinato destas três mulheres, foi preso no mesmo mês e acabou por morrer de doença cerebral no hospital, 36 dias antes do seu julgamento começar. A sua morte continua envolta em polémica. Até à data, o suspeito não tinha indícios de qualquer problema de saúde. Em buscas na residência do suspeito e no seu telemóvel, a polícia francesa encontrou planos para escapar da prisão com o apoio de outro agente do MIT
A investigação também demonstrou que Ömer Güney tinha ligações com a extrema-direita turca, nomeadamente o grupo “Lobos Cinzentos”, uma organização ultranacionalista que participou em vários massacres contra o povo curdo. Embora o suspeito esteja morto, a luta das famílias continua e desejam avançar com o caso. “Não chega quem disparou, quem deu a ordem também precisa de ser responsabilizado na Justiça”, afirmam em comunicado
Neste processo, o Estado francês tudo fez para abafar o caso. Arrastou o julgamento por mais de 3 anos e mesmo com todas as provas concludentes nunca acusaram o MIT de envolvimento no caso. Com a morte do suspeito, decidiram terminar a investigação.
Três vidas de luta
Fidan Dögan nasceu em Elbistan em 1980, emigrou com a família para Estrasburgo e tornou-se a representante do Congresso Nacional Curdo em França e Bruxelas. Era bastante próxima de Öcalan e uma militante acarinhada pela diáspora curda na Alemanha, Bélgica e França.
Tinha um amplo trabalho na área dos direitos das mulheres, participou em vários fóruns internacionais pela paz e democracia, de Jineoloji e de Encontros de Mulheres. Em Março de 2012 fez parte de um grupo de 15 militantes que iniciou uma greve de fome em Estrasburgo para exigir a libertação do líder do PKK, Öcalan.
Leyla Söylemez nasceu em Mersin em 1989 e exilou-se em 1993 na Alemanha. Tornou-se militante do movimento da juventude curda desde jovem e dinamizava várias associações culturais curdas entre França e a Alemanha. Era também diplomata e liderava uma representação de mulheres na Europa. Desistiu do curso de arquitetura para se dedicar totalmente à luta política.
Sakine Cansiz nasceu em Tunceli em 1958 e desde os 20 anos que estava envolvida na luta revolucionária. Foi aí que conheceu Abdulah Öcalan, com quem funda o PKK em 1978. É presa em 1982 e condenada a 12 anos de prisão e tortura. Passa ao exílio no anos 90, tornando-se a responsável pelo PKK em França e na Alemanha. Desde então passou a ser conhecida por “Sara”. Em 1995 ajuda a fundar a União das Mulheres Livres do Curdistão, que mais tarde se torna no Partido das Mulheres Trabalhadoras do Curdistão.
Sakine desde cedo se tornou um duro obstáculo para o regime turco, e mais ameaçadora se torna quando Öcalan é preso. Encarada como a sucessora natural de Öcalan dentro do partido, é vista como a pessoa que poderia aprofundar a mudança ideológica que o PKK vinha a discutir desde os anos 90 e tinha a confiança das estruturas curdas para dar continuidade à luta revolucionária. Na sua análise feminista, “Sara” liderou os primeiros grupos de mulheres que travaram uma dupla luta. Por um lado lutavam por igualdade de gênero e por outro lutavam por uma transformação do aparelho partidário que na época era maioritariamente masculino.
Conjuntamente com Öcalan, torna-se impulsionadora dos primeiros workshops multidisciplinares de Jineoloji, com o objetivo de construir as bases da “Ciência das Mulheres”. Esta pretende fornecer análises concretas das experiências das mulheres vítimas da violência masculina nas suas diversas esferas, tornando a análise centrada nas suas próprias realidades. “O objetivo passa por elaborar conceitos feministas através de organizações e mulheres livres de qualquer estrutura institucional” de forma a começar um movimento de emancipação entre mulheres através da socialização dos conhecimentos e do aprofundamento desta ciência.
Liberdade é o objetivo pelo qual estas mulheres lutavam, e não só no sentido abstrato da palavra. Faziam parte de um projecto que propõe uma alternativa de paz, de convivência pacífica para os povos do Médio-Oriente e do Mundo. Um modelo de auto-organização de base em todas as esferas sociais, cuja zona mais desenvolvida é Rojava.