Iêmen // A Guerra Silenciosa – A Coligação Genocida~ 9 min

Mohammed bin Salman, Obama and Trump cooking a starving Yemeni child.

Parte 2 de 2. Parte 1 aqui.

Por Nguyen e Bruno Garrido.

Enquanto o lucrativo negócio das armas vigorar, as vidas humanas serão sempre a última variável a entrar na equação da geopolítica capitalista. A guerra silenciosa que se iniciou há três anos representa um investimento de mais de 100 mil milhões de dólares e cujos únicos sucessos alcançados são a fome, a cólera e a destruição.

A 25 de Março, a coligação saudita, formada pelo Conselho de Cooperação do Golfo, os EUA, a França, Reino Unido e Israel declara uma No Fly-Zone (zona de interdição de voos) no Iêmen. O rei saudita declara que o exército saudita tinha o controlo do território e começa a bombardear vários pontos do país. Inicia-se aquilo a que hoje em dia se vê como a destruição total do país e de todas as suas infraestruturas básicas.

A invasão denominada Operação Tempestade Decisiva congregou 9 países liderados pela Arábia Saudita, centenas de milhares de tropas, o apoio declarado dos EUA e outras potências Ocidentais, equipamento militar moderno e largos milhões de dólares. Apesar dos meios ao seu dispor, a operação está a ser um falhanço completo em termos militares, com a resistência iémeni a conseguir infligir danos e até atacar dentro do território saudita.

Junto com a operação militar, a Arábia Saudita também iniciou um bloqueio assassino que tem impedido a entrada de qualquer barco nos portos controlados pelas forças Houthi, incluindo navios que transportem alimentos ou medicamentos. Sendo o Iêmen dependente em 90% de importações para providenciar as necessidades básicas da sua população, torna-se fácil perceber que a fome e falta de medicamentos no país são causadas pelo bloqueio Saudita. Este bloqueio só é possível com o apoio técnico e logístico americano, que vende e faz a manutenção do material bélico usado pela Arábia Saudita.

Control map of Yemen war.
Mapa de controlo da guerra do Iêmen de 25 de Setembro de 2018, via Wikipedia. A verde os Houthis e outras forças de resistência; a amarelo o Concelho de Transição do Sul, testa-de-ferro dos Emirados Árabes Unidos; a vermelho as forças governamentais de Hadi controladas pela Arábia Saudita; a branco os jihadistas da Ansar Al-Sharia, Al-Qaeda na Península Arábica e ISIS.

Mas uma vez que a economia americana precisa de injecções económicas, a primeira visita que Donald Trump fez ao estrangeiro foi ao reino da Arábia Saudita. Aí anunciou um pacote de 110 mil milhões de dólares em armas para o reino nos próximos 10 anos. Também durante a administração Obama foram batidos os recordes de vendas de armas para o reino, no valor de 115 mil milhões de dólares.

Segundo as Nações Unidas, pelo menos 10.000 pessoas já morreram no Iêmen – este é um número ridículo, congelado no tempo desde o início do conflito. A ONU argumenta que não há meios no país para fazer a contagem real, mas isso não impediu ninguém de extrapolar em relação ao número de vítimas na guerra na Síria. Sabemos, no entanto, que três quartos do país necessita de ajuda humanitária. Oito milhões de pessoas estão a morrer de fome. A cólera – doença que havia sido erradicada no Iêmen – infectou pelo menos um milhão de pessoas. A coligação genocida perpetrou ainda diversos crimes de guerra como o bombardeamento sistemático de hospitais e da população civil – nem autocarros escolares escapam. Perante tal realidade, é fácil perceber que o número real de mortos e estropiados ascende a bem mais que 10.000.

Para a coligação, o Iêmen têm sido também um terreno fértil para ataques com drones. Desde 2014, foram realizados pelo menos 200 ataques, causando a morte de centenas de civis. Num dos últimos ataques, a coligação atingiu um autocarro que transportava crianças de 10 anos para a escola, assassinando 47 e deixando outras 77 pessoas feridas. São também as crianças que mais irão carregar as consequências a longo prazo da fome que afecta o país. Mesmo que sobrevivam, sofrerão graves consequências físicas e mentais da subnutrição que sofreram durante os seus anos de crescimento.

A coligação procura também obter o controlo de um ponto estratégico no Mar vermelho que permite uma das passagens para o estreito de Bab el-Mande. Este separa o continente africano do continente asiático, ou seja, é a porta do canal de Suez e do acesso ao Mediterrâneo. Por aqui passam toneladas de barris de petróleo exportados principalmente para a China. É importante manter este comércio sob influência do dólar americano, assim como pressionar economicamente os rivais da zona, como o Irão. Para os sauditas, para além da oportunidade de exibirem o seu chauvinismo e espalharem a sua doutrina salafista, o Iêmen representa um ponto essencial aos seus interesses: ali pretendem construir um oleoduto que possa transportar o seu petróleo mais rapidamente pelo porto de Adén.

Detail of control map of Yemen war focusing on Sana.
Detalhe do mapa de controlo da Guerra do Iêmen a 25 de Setembro de 2018, via Wikipedia. No centro Sana, a capital, a oeste o porto de Houddeidah e a sul, de Aden. O controlo dos portos pelas forças imperialistas é uma das suas maiores prioridades, de modo a impor um cerco que mate a população civil de fome e doença. É possível ver como as forças sob controla da Arábia Saudita têm estado a subir a costa em direcção ao porto de Houddeidah.

O silêncio dos media e das instituições ocidentais

Seguindo a lógica do “bombardeamos pela paz primeiro e investigamos depois”, as instituições internacionais rapidamente demonstraram o seu apoio aos bombardeamentos da coligação genocida. Três semanas depois de começarem bombardeamentos constantes, a ONU declara na Resolução 2216 do Conselho de Segurança que as forças populares devem retirar-se dos territórios ocupados e apoia o embargo de armas contra as mesmas. É uma demonstração de apoio à posição da Arábia Saudita e aos seus bombardeamentos indiscriminados.

Curioso é também o facto da ONU ter recebido de braços abertos alguns dos maiores líderes terroristas da Al-Qaeda e do ISIS nos seus escritórios. Numa das primeiras rondas nas negociações de Genebra para tentar alcançar um acordo de paz para o Iêmen, um dos representantes da delegação saudita era Abdul Wahhab al Humaiqani. Este é um dos líderes tanto da Al-Qaeda no Iêmen como de um partido salafista. Em Outubro de 2015, estava para ser votada na ONU uma resolução que lançaria uma investigação sobre os crimes de guerra cometidos contra o Iêmen. Graças a uma campanha diplomática, a Arábia Saudita conseguiu convencer os seus aliados ocidentais a retirar a proposta de investigação.

Os grandes meios corporativos, aqui tal como na Síria, Iraque ou Afeganistão, rapidamente surgem em defesa da narrativa do império e tudo fazem para silenciar e justificar esta guerra. No início deste ano, um dos baluartes do capitalismo corporativista, The Economist, publicou um artigo intitulado “The drug that is starving Iêmen” (“A droga que está a matar de fome o Iémen”).

Screencapture of The Economist's article blaming Yemen famine on Qat consumption.

Num exercício de neocolonialismo parolo, racista e condescendente, apontam como causa da fome no Iêmen o facto da população consumir uma planta tradicional – Qat – que é utilizada culturalmente há milhares de anos na região. Não dedicam uma linha aos bombardeamentos indiscriminados ou ao genocídio de milhares de civis, nem ao bloqueio naval que está a ser imposto ao Iêmen e a propagar a fome e a cólera.

Outros exemplos incluem a CBS, que produz o programa 60 Minutos. Fizeram uma reportagem sobre o Iêmen onde em 13 minutos não citaram uma única vez o envolvimento dos EUA, as vendas de armas ou o apoio logístico. Um dos canais favoritos de notícias dos liberais americanos, entre Julho de 2017 e Julho de 2018 não mencionou uma única vez a guerra no Iêmen. A maioria dos grandes meios corporativos prefere ignorar o tema e desse modo limpar o sangue que várias potências ocidentais derramam no genocídio em curso.

Conclusões

Embora os media tentem muito simplisticamente resumir a guerra no Iêmen a uma questão religiosa de xiitas contra sunitas ou a uma guerra do “legítimo governo” do Iêmen contra os Houthis, a complexidade do terreno demonstra que uma vez mais a doutrina da “guerra contra o terror” nada mais provocou do que destruição e o genocídio de milhares de pessoas. Os interesses capitalistas, em cooperação com os principais exportadores de terrorismo takfiri, têm provocado os maiores crimes de guerra e contra a humanidade deste século. Podemos também observar o Iêmen como um campo de testes de uma das mais recentes e sangrentas formas de fazer guerra – a guerra dos drones – para implementar uma das mais antigas e bárbaras estratégias – um cerco medieval à população civil.

Enquanto a Casa Branca e o seus parceiros criminosos continuarem a apoiar incondicionalmente o arquitecto da guerra do Iêmen – Mohammad bin Salman – e a enriquecer os bolsos com o lucrativo negócio das armas, será difícil por fim ao conflito. A população iêmenita continuará entregue à fome e à cólera.

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