Iêmen // A Guerra Silenciosa – Um País Dividido~ 7 min
Parte 1 de 2. Parte 2 aqui.
Por Nguyen e Bruno Garrido.
No sudeste da península Arábica, o Iêmen enfrenta uma guerra de extermínio. Milhões de pessoas, desde crianças a idosos, estão a morrer à fome, de doenças evitáveis e nos escombros de uma guerra silenciosa. Um país que foi esquecido pelo mundo e entregue à miséria provocada pelas maiores organizações terroristas do mundo moderno – os EUA e a Arábia Saudita. Milhões de pessoas foram abandonadas pela comunicação social ocidental, que omite a campanha genocida em curso, patrocinada com o armamento e o apoio logístico do Ocidente. Compreender a história do Iêmen é compreender a história de dois países tão distintos quanto a sua grande diversidade étnica e religiosa que, fruto de uma unificação forçada, levaram o país ao conflito armado. Depois do Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria e muitas outras guerras, a coligação genocida enterra o Iêmen no abismo social.
Iêmen no século XX
Depois da 1ª Guerra Mundial e da derrota do Império Otomano, foi estabelecido o Reino Mutawakkilite do Iêmen. Depois da descolonização britânica, em 1962, foi fundada a República Árabe do Iêmen (RAY) no norte. A sul, em 1967, surgiu a República Democrática do Povo do Iêmen (RDPY). Este tornou-se o primeiro país marxista do mundo árabe, com o apoio da URSS e do Egipto de Abdel Nasser.
O processo de queda da URSS em 1989 levou a que a RDPY ficasse isolada internacionalmente. Tal acabou por levar a uma unificação forçada com o norte em 1990. Os interesses capitalistas tinham decidido explorar o mais rapidamente possível os recursos naturais na costa junto ao Mar Vermelho. Após a unificação do Iêmen, o Partido Socialista é perseguido pelas forças do norte, levando a que o sul declare nova independência e inicie uma guerra civil em 1994. Este movimento é derrotado pelas forças do norte. Porém, deixaram as raízes independentistas que em 2007 levariam à criação do movimento Al-Hirak, que pretende a independência do sul do país.
Em 1999 acontecem as primeiras eleições no Iêmen unificado que levam à vitória do candidato da RAY. Apoiado pela coligação saudita-americana, o general Ali Abdullah Saleh ganhou com 96.2% dos votos. Saleh ficou assim encarregado de governar um país com cerca de 25 milhões de pessoas e profundamente dividido.
Um país dividido
Gerou-se, no entanto, enorme contestação ao ditador que levou o Iêmen à vassalagem perante os EUA e Arábia Saudita. Emergiram vários movimentos que radicalizaram a contestação ao presidente. Por um lado estão os movimentos independentistas do sul, ligados ao antigo Partido Socialista do Iêmen e outros grupos de esquerda. Formam o “Movimento do Sul” (Al-Hirak), que pretende a independência do sul do país.
A norte está o movimento dos Houthis que nasce através do movimento “Jovens Crentes” que têm a sua base de apoiantes na população zaidita (uma minoria do xiismo) do norte do país. Embora tenha sido formado em 1992, este movimento afirma-se politicamente com a organização de protestos no Iêmen contra a invasão do Iraque por parte dos EUA em 2003.
Em 2004, o general Saleh manda prender o líder do movimento “Jovens Crentes”, levando a que os Houthis lançassem uma rebelião contra o governo que apenas terminou em 2010, depois de um acordo de cessar fogo. Este acordo pouco durou. Um ano depois, os Houthis voltam a sair às ruas durante a onda de protestos que exigiam a demissão do presidente Saleh. Era acusado de ser um ditador e de ter um governo extremamente corrupto que levou o Iêmen ao caos social e económico.
O cerco ao general levou a que o mesmo se demitisse em 2012 e elegesse para seu sucessor Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, ministro de guerra que foi responsável pela perseguição aos apoiantes do movimento al-Hirak no sul do país. O aumento de apoiantes ao movimento Houthi também é explicado pelo aparecimento de partidos de ideologia salafista como o Al-Islah – Rama dos Irmãos Muçulmanos. Este cresceu rapidamente em territórios de maioria zaidita e levou ao fortalecimento dos seus opositores Houthis, cada vez mais encarados como força de resistência. Os membros do Al-Islah sempre foram propagadores do extremismo takfiri, servindo como forças repressoras contra a comunidade xiita. Em 1994 participaram na guerra contra o sul independentista. Não passam assim de marionetas dos interesses genocidas e colonizadores da Arábia Saudita.
Em contraponto, os Houthis são hoje a “ponta de lança nas forças soberanistas do Iêmen, muito semelhantes ao Hezbollah libanês. Embora tenham uma identidade confessional, defendem uma visão panislâmica e panárabe da sociedade, ganhando assim enorme simpatia dentro do exército nacional, assim como o apoio de numerosas tribos sunitas, o que permite explicar o papel que desempenham nesta guerra”.
Na senda da reciclagem de jihadistas, vários combatentes que regressaram do Afeganistão e do Iraque continuaram as suas suas actividades terroristas no país, com uma nova nomenclatura: Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA). Este grupo anuncia a formação de um “Estado” (wilaya) em Dezembro de 2014. Em Março de 2015 anunciam o seu primeiro atentado: bombistas suicidas atacam duas mesquitas em Sana frequentadas por Zaidistas, levando à morte de 140 pessoas.
A história de uma guerra sem fim
Vários eventos ajudam a explicar a situação de desastre em que se encontra o Iêmen. Em 2013, a Conferência Nacional de Diálogo do Iêmen pretendia reescrever a constituição do país para um sistema federal. Foi subitamente abandonada porque vários líderes Houthis foram assassinados durante o processo.
Um ano depois, o governo decidiu retirar os apoios estatais ao combustível, provocando a escalada dos protestos que exigiam a demissão de al-Hadi. A pressão ao presidente aumenta até que o mesmo se decide demitir a princípios de 2015. Tal leva o Iêmen a entrar em mais uma crise política. Os Houthis impulsionam vários grupos políticos a formar um conselho presidencial interino para tentar retirar o Iêmen do caos social. No fim de Fevereiro de 2015, o presidente al-Hadi consegue fugir de Sana (a capital do país), onde estava preso. Escapa-se para Adén, a segunda cidade mais importante do país. Numa última tentativa para manter o poder sob influência saudita, declara ser ali a nova capital do Iêmen. Quando essa cidade está sob risco de ser tomada, foge para a capital da Arábia Saudita, à procura da protecção dos seus mecenas.
Depois de tomarem militarmente a verdadeira capital, os Houthis, em conjunto com outras forças e movimentos políticos, implementam uma declaração constitucional. Planeiam a criação de “uma assembleia Nacional Transitória de 551 membros que substituiria o parlamento, assim como a criação de um conselho presidencial com 5 pessoas que, cumpririam a função da presidência da República com funções de realizar eleições presidenciais e legislativas. Pretendem também criar uma política exterior baseada nos princípios da boa vizinhança e a não ingerência nos assuntos internos de outros países”.
Insatisfeitos com o desenrolar da guerra no Iêmen e pelo facto do Irão estar a ganhar uma suposta influência no país a coligação saudita-americana decide começar a intervir militarmente no país em 2015.
Fim da parte 1. Parte 2 aqui.