A Força Aérea Zapatista aterra em Viena para semear Vida e Resistência~ 27 min

Foto de Amehd Coca

Por Francisco Norega com Medios Libres en Viena

A delegação aerotransportada A Extemporânea chegou à Europa poucos dias depois do regresso ao México do Esquadrão 421. Antes de se dividirem em grupos para cobrir todos os territórios da Europa que foram convidados a visitar, participaram na capital austríaca em encontros com várias lutas, organizações e internacionalistas presentes na cidade, e em vários protestos. A sua chegada foi marcada também pelo sequestro de dois companheiros zapatistas da Junta de Bom Governo de Patria Nueva, Chiapas, um território à beira da guerra civil em que as comunidades zapatistas de raiz maia enfrentam um crescente número de agressões por parte de grupos paramilitares e do narcotráfico.

No meio da Europa Central, a 14 de Setembro de 2021, uma centena de mulheres, homens e crianças zapatistas aterraram em Viena, Áustria, a sexta cidade mais populosa do continente, perto das fronteiras com a Hungria, República Checa e Eslováquia, nas margens do rio Danúbio. Organizadas, com passaportes, vacinas, protocolos sanitários, quarentena, documentação completa e bilhete na mão, as companheiras zapatistas conseguiram romper o racismo transatlântico que tudo fez para impedir esta viagem. O racismo de um México que considera «extemporâneos» os seus povos originários e o racismo de uma Europa Fortaleza que, escudada nas regulamentações sanitárias, não considera que centenas de encontros com centenas de organizações, povos e lutas de todo o continente fossem uma razão de força maior para a entrada desta delegação de 177 zapatistas.

Concentraram-se no aeroporto de Viena dezenas de colectivos vienenses e de toda a Europa – ou Slumil K’ajxemk’op (“Terra Insubmissa” numa das línguas maias), como foi rebaptizado o continente pelo Esquadrão 421 à sua chegada a Vigo, a 22 de Junho. Esperavam ansiosamente o primeiro grupo d’ A Extemporânea junto à porta das chegadas, por onde a delegação aerotransportada saiu cerca do meio-dia entre aplausos e gritos de «Zapata vive, la lucha sigue!», «EZLN!», «los pueblos unidos jamás serán vencidos» e canções revolucionárias em várias línguas.

No exterior do aeroporto de Viena, a delegação zapatista foi recebida com muita emoção e cálidas palavras por parte de mulheres austríacas e migrantes que lhes deram as «boas-vindas à vossa casa» em alemão e em espanhol. Sem tirar a mochila, o Subcomandante Insurgente Moisés tomou o microfone para dirigir-se aos seus anfitriões da Europa e falar sobre a defesa da natureza e da Mãe Terra. «Vai-se acabar a natureza. É isso que viemos dizer-vos. Não acreditam? Vão vê-lo», avisa. «De nome já sabemos quem é: é o capitalismo. É o capitalismo que está a destruir a vida da natureza». Com camisa azul, chapéu, viseira de protecção sanitária e com o rosto tapado apenas por uma máscara, prescindindo pela primeira vez do lenço vermelho e do passamontanhas, o Subcomandante Insurgente Moisés foi aplaudido ao longo do discurso de 13 minutos.

«Nós, as zapatistas e os zapatistas, estamos aqui graças às nossas companheiras e companheiros que caíram no amanhecer de 1994 quando saímos a lutar contra o mau governo (…) Estamos aqui graças às companheiras e companheiros caídos na resistência e na rebeldia. A nossa rebeldia e resistência é que nós queremos governar-nos como povos. (…) Nós não queremos matar, nós não queremos morrer. O problema é que não nos dão a oportunidade de fazer o que nós pensamos como homens e mulheres. E é o que vimos fazendo ao longo de 28 anos: não estamos a disparar, não estamos a matar, nem queremos morrer. Queremos a Vida», expressou o porta-voz do EZLN.

Fotos de Amehd Coca e Isabel Mateo

Debaixo de um sol anormalmente forte para esta altura do ano nesta geografia, as mulheres maias protegiam-se do calor intenso com pastas cheias de documentos que são testemunho da sua extemporaneidade. Após o discurso, abrigaram-se à sombra de um edifício para descansar enquanto se organizavam os grupos para levar os e as companheiras aos seus alojamentos em diferentes bairros de Viena, para onde se deslocaram em transportes públicos.

A Fuerza Área Zapatista aterrou numa terra insubmissa cuja história de dor e resistência vai além da valsa e dos palácios em estilo rococó nas margens do rio Danúbio, o maior da Europa depois do rio Volga. Ricardo Loewe, do Comité de Solidariedade México-Salzburgo, explicou aos meios de comunicação independentes que, «junto com a Polónia e Hungria, a Áustria é um país do antigo império dos Habsburgo que hoje carrega a bandeira do racismo da Europa; é mais que triste, indignante, dá raiva porque existem aqui reminescências dramáticas do fascismo que nunca desapareceu, que é vigente. E, ainda assim, estamos a receber a delegação zapatista: não é por acaso que vêm a Viena, onde há muitos grupos que têm uma grande simpatia pelo zapatismo».

Para além da cripta imperial onde turistas podem visitar o túmulo de Maximiliano, o Museu Etnográfico exibe o seu eurocentrismo e colonialismo “com o Penacho de Moctezuma que parece uma galinha morta, deitado, porque se está a desfazer”, nas palavras do companheiro Loewe que nos recorda também o passado da “Viena vermelha”, anterior à ditadura fascista de Dolfus, assim como o marxismo austríaco cristalizado, por exemplo, na Praça Friedrich Engels e no complexo multifamiliar Karl Marx Hof. O companheiro austríaco de 80 anos relembra ainda as lutas das mulheres e dissidências de género, o movimento okupa e a cultura da luta anarco-comunista, “pequena mas bem estruturada, sem partido”.

Algumas pessoas esperaram no aeroporto pela recepção do segundo grupo, prevista para o final da tarde desse 14 de Setembro. Apesar de finalmente este não ter conseguido embarcar em Madrid no voo de conexão que os traria até Viena, decidiu manter-se o acto cultural previsto. Música, poesia, batucada e cantos colectivos, para além de intervenções em várias línguas que expressavam, por um lado, a revolta por este grupo não ter conseguido embarcar em Madrid, mas também a alegria pela tão esperada chegada. Uma companheira migrante exclamou com veemência: «Se os zapatistas estão presos em Madrid, no coração do colonialismo, então que por eles vaiamos até lá, nem que tenhamos que ir caminhando!».

Não foi necessário pois, no dia seguinte, também por volta do meio-dia, mais de 70 homens zapatistas aterraram e saíram alegres na fila do aeroporto da capital austríaca em mais uma manhã solarenga. A escassos metros da porta das chegadas internacionais, um grupo de anfitriãs migrantes tomaram a palavra:

«Queridas Compas, as migrantes de língua castelhana e portuguesa na geografia de Viena saúdam-vos e dão-vos as boas vindas! Somos um colectivo que se juntou para acompanhar-vos e reunir convosco, a delegação zapatista. Queremos assegurar-nos de que a voz dos migrantes se escuta nas diferentes frentes da organização da viagem pela vida na Áustria. Perguntávamo-nos: “Como teriamos gostado de ser recebidos quando chegámos deste o outro lado do oceano?” E respondemos que alguém nos podia ter dito as seguintes palavras: nós, os precarizados, nós, os racializados, nós que lutamos por ter uma voz migrante, nós que falamos alemão com sotaque, na geografia chamada Viena, saudamo-vos e damo-vos as boas vindas! A nossa casa é a vossa casa.”

por CompasZapatistas, colectivo de pessoas migrantes em Viena

A equipa de streaming instalou-se dois dias consecutivos perto da porta das chegadas internacionais do aeroporto ante os olhos incrédulos de viajantes e policias aeroportuários. Com várias câmaras, a equipa pôde registar a emoção de largas dezenas de activistas e simpatizantes do movimento zapatista quando viram surgir as colunas rebeldes, enquanto os dois grupos se gravavam e fotografavam mutuamente com os telemóveis. Antes de acompanhar os grupos nos transportes públicos rumo aos seus alojamentos, os meios de comunicação independentes realizaram pequenas entrevistas às pessoas presentes e registaram os actos de recepção e as actividades artístico-culturais que marcaram a história de uma invasão muito outra. Documentaram a distribuição pelo Subcomandante Moisés dos bilhetes de comboio aos e às companheiras recém-chegados que, apesar das longas viagens, estavam sorridentes e alegres por pisar pela primeira vez, e depois de uma longa espera, o pasto verde europeu.

Em ambos os actos estiveram presentes colectivos e organizações internacionalistas, feministas, antifascistas e anticapitalistas da Áustria – Zapalotta, Compas Zapatistas Viena, Asamblea latinoamericana-Viena, Solidaridad con México-Salzburgo, Ni Una Menos Áustria, Ekh, Frauenzentrum, KomIntern – e de todo Slumil K’ajxemk’op – Colectivo Acción Solidaria, Mujeres y Disidencias de la Sexta en la Otra Europa y Abya Yala-RRR, RAZB (Bélgica), Café Libertad Kollektiv de Hamburgo e assambleias zapatistas de Berlin, Frankfurt e Wendland (Alemanha), LAPAZ (Itália), ¡Compas Arriba!, Medios Libres con la Gira, e pessoas de diferentes organizações envolvidas na organização desta Viagem pela Vida da Portugal à Finlândia, do Estado Espanhol à Eslovénia e à Grécia.

Mulheres zapatistas participam em concentração e marcha nocturna contra os feminicídios na Áustria

Foto de Guilhotina.info

Pouco mais de 48 horas depois de chegarem à capital austríaca, um grande contingente de mulheres maias zapatistas juntou-se a uma concentração de protesto ao final da tarde de quinta-feira, 16 de Setembro, para exigir justiça para Shukri e Fadumo, duas mulheres de origem somali, assassinadas dois dias antes em Viena, e que este duplo feminicídio não fique impune. Esta concentração foi convocada pelo colectivo Ni Una Menos-Austria, que agradeceu «às companheiras zapatistas pelo seu apoio na nossa concentração e marcha neste triste dia».

Em frente à igreja monumental de Karlsplatz, as companheiras ouviram, aplaudiram e filmaram diferentes intervenções de mulheres somalis e de outros países da Europa e África que se expressaram nas suas diferentes línguas, especialmente somali, árabe, espanhol e alemão austríaco. Centenas de jovens mulheres feministas e internacionalistas carregavam bandeiras e cartazes contra o patriarcado e o racismo. Gritaram slogans e cantaram uma versão alemã da Canción sin miedo de Vivir Quintana, antes de acenderem silenciosamente as luzes dos seus telemóveis ao cair da noite.

Depois de ouvirem as dores nas línguas que nem os meios de comunicação livres da Slumil K’ajxemk’op conseguiam compreender, os membros da Extemporânea seguiram o percurso da marcha de mulheres austríacas e migrantes pelas ruas largas rodeadas de imponentes edifícios.

Foto de Guilhotina.info

O tocar do sino da igreja de Karlsplatz não conseguiu calar as vozes altas nem os silêncios das mulheres expressando dores que os telemóveis das companheiras zapatistas e a câmara de vídeo do companheiro dos Tercios Compas tentaram captar. Encarregado da gravação audiovisual da delegação aerotransportada do EZLN, foi o único homem zapatista presente na concentração e na marcha noturna. Talvez a vibração anti-patriarcal, anti-racista e internacionalista da primeira marcha europeia da Secção Miliciana Ixchel-Ramona seja perceptível no streaming dos meios de comunicação livres desde Karslplatz em Viena, com comentários em espanhol de anfitriões de Zapalotta e do Comité de Solidariedade México-Salzburgo, que explicam o contexto e significado das acções de protesto contra os 21 feminicídios ocorridos na Áustria em 2021.

Muita emoção sem dúvida marcará a memória das companheiras milicianas, vestidas com camisetas cor-de-rosa, calças jeans e botas de couro, prontas para caminhar escutando, trocar e aprender das lutas de centenas de colectivos europeus insubmissos que as convidam e exigem incansavelmente “Nem uma menos!”, “Alerta Feminista!” e “Stoppt den femizid!”.

Chegada d’A Extemporânea marcada pelo sequestro de dois zapatistas em Chiapas

Fotos de Guilhotina.info e Pozol.org

No dia 17 de Setembro, cerca de 20 mulheres e 30 homens zapatistas reforçaram o contingente internacionalista que se concentrou em frente à embaixada do México, no centro histórico luxuoso da ex capital do império dos Habsburgo. Este protesto inaugurou uma campanha internacional para denunciar o paramilitarismo e exigir o aparecimento com vida de José Antonio Sánchez Juárez e Sebastián Núñez Pérez, companheiros da Junta de Bom Governo “Nuevo Amanecer en Resistencia y Rebeldía por la Vida y la Humanidad” do Caracol 10 “Floreciendo la Semilla Rebelde”, em Chiapas.

Foram sequestrados dia 11 de setembro na comunidade 7 de Febrero, no município de Ocosingo, Chiapas. Esta localidade é a sede da ORCAO, uma organização paramilitar que, desde há vários meses, tem vindo a perpetrar uma série de acções criminais contra as Bases de Apoio do EZLN na comunidade autónoma Moisés-Gandhi.

Em frente ao edificio monumental da diplomacia mexicana, dezenas de activistas de toda Europa denunciaram no megafone, nas faixas e nos cartazes a implicação do governo nas violências antizapatistas. As intervenções em espanhol, alemão, grego, francês, português e galego, bem como o recente comunicado das organizações anfitriãs do EZLN e do Congreso Nacional Indígena, denunciaram a cumplicidade tanto do governo federal de López Obrador como de Rutilio Escandón, governador de Chiapas, nos ataques paramilitares perpetrados não só contra camponeses maias zapatistas, mas também contra companheiros defensores dos direitos humanos.

No final da manifestação, o Subcomandante Moisés, vestido de negro e caminhando no final da coluna da zapatista, voltou-se para o edifício diplomático e, em jeito de despedida, levantou por duas vezes o seu dedo do meio, momento que captámos em vídeo e publicamos com o seu consentimento.

Dia 24 de Setembro, sexta-feira, há uma jornada global para exigir um fim às provocações e aos ataques dos grupos paramilitares contra as comunidades zapatistas!

Zapatistas visitam acampamento contra megaprojecto em Viena

Na manhã de sábado, 18 de Setembro, uma delegação zapatista teve pela primeira vez um encontro público com uma resistência que, abaixo e à esquerda, enfrenta o mau governo nesta Terra Insubmissa. O cenário é um acampamento em Lobau, nos arredores de Viena, com uma infraestrutura impressionante – com cozinha, refeitórios, pontos informativos e uma trintena de tendas de campanha –, montado para proteger um ecossistema raro neste que é um dos grandes centros da hidra capitalista que, na sua ânsia de crescimento desenfreado e infinito, engole serras, planícies, rios e pântanos para as substituir por metrópoles, desertos de cimento, agro-indústrias, minas e um sem número de megaprojectos que semeiam morte onde antes existia vida.

Cerca de 60 zapatistas, homens e mulheres, encontraram-se com jovens e ambientalistas que, com um largo apoio da população local, resistem desde Agosto aos planos do governo austríaco de construir uma auto-estrada que atravessaria esta que é a maior reserva natural da cidade, zona protegida desde 1978 e parte do Parque Nacional Danúbio-Auen desde 1996.

Num primeiro momento de intercâmbio, participantes do acampamento contam às zapatistas a história do local, o projecto e o porquê de defenderem esta que é a única paisagem do seu género que permanece ecologicamente intacta não só na cidade, mas em toda a Europa Central. Esta área é casa para 800 espécies de plantas, bem como 100 espécies de aves nidificantes, mais de meia centena de espécies de mamíferos, reptéis e anfíbios e 67 espécies de peixes.

Entre intervenções e perguntas de parte a parte, discutem-se estratégias de resistência para defender o território – fala-se de pacifismo, desobediência civil, ocupação e violência. Activistas locais explicam que todo o movimento em Lobau é pacífico e que essa é uma condição fundamental para manter o amplo apoio da vizinhança. Embora sejam maioritariamente jovens a pernoitar no acampamento, vizinhos e vizinhas vêm colaborando e ajudando, deixando até, por exemplo, os jovens acampados tomar banho nas suas casas.

Foi feito até um acordo com a policia para que, caso o protesto se mantenha não-violento, esta avise os ocupantes com um dia de antecedência na eventualidade de ser dada ordem de despejo.

Se isto é estranho para quem vem de uma geografia do sul da Europa e convive diariamente com imagens de polícias a reprimir e agredir violentamente a população indefesa, não imaginamos quão estranho será para quem vem do México, onde a violência é prato do dia e a polícia é apenas mais uma força de repressão e violência gratuita.

«E se vocês não se vão?», perguntam as zapatistas.

Explicam que, face a uma ordem de despejo, se não aceitarem sair pelo seu próprio pé, detêm-nos por 24 horas e voltam a soltar-nos, sem nenhuma acusação. Ou seja, que «não se passa nada, e voltamos a acampar».

«Es como se yo te dijera “te voy a romper la madre”, y tu contestas “no, no lo hagas”, y entonces ya no lo hago», comentou o SubMoy, surpreendido, perguntando-lhes de seguida se realmente esse tipo de acções tem resultados. A verdade é que, desde que começaram as ocupações em Lobau, os trabalhos para a construção da auto-estrada e dos seus acessos estão parados.

Vídeo de Lukas David Beck

Depois de uma boa hora em que ambos os movimentos se deram a conhecer e trocaram ideias e impressões sobre a resistência, foi-lhes apresentado o resto do acampamento. Daí puseram-se a caminho de um segundo sítio ocupado, a cerca de 15 minutos a pé – o estaleiro das obras onde estão todas as máquinas. Aí, as zapatistas e as restantes pessoas presentes separaram-se em dois grupos e foi-lhes dado a conhecer os dois acampamentos, mais pequenos que o principal, que foram montados no local.

É num destes acampamentos que todas se voltam a juntar em frente a uma torre construída pelos manifestantes para gravar um vídeo em apoio à resistência em Lobau.

Até que, de forma súbita, começou a chover torrencialmente e as largas dezenas de pessoas tiveram que se abrigar debaixo de uma longa lona que, ainda assim, não impediu que grande parte das pessoas presentes ficasse encharcada.

Nesse momento, a maior parte dos companheiros zapatistas decidiu regressar ao seu alojamento. Um grupo de mulheres zapatistas que estão alojadas no Frauenzentrum (Centro de Mulheres) decidiu ficar em Lobau enquanto esperavam pelo almoço para o qual tinham sido convidadas.

Nessa hora de espera deu-se mais um momento de discussão e troca, desta feita mais informal, em que as companheiras partilharam a história do movimento zapatista desde 1986, a preparação do levantamento de 1994 e o papel dos e das promotoras de saúde e educação, colocando um foco especial na participação das mulheres em todo o processo. Foi abordado também o consumo de álcool nas comunidades, que problemas advieram dele tanto em contexto militar como em contexto familiar, e como, enquanto comunidades e povos, decidiram enfrentá-lo.

Uma companheira presente comenta-nos que «As zapatistas vêm dar esperança, inspiram-nos com tudo o que já conseguiram construir em Chiapas. São uma verdadeira biblioteca andante». Em jeito de conclusão, as zapatistas sublinharam que são neste momento um movimento pacífico e que resistem a tomar as armas apesar das provocações.

A zona de Lobau, no Parque Nacional Danúbio-Auen, é o que resta de um enorme ecossistema húmido que se estendia pelas margens do Danúbio, destruído no processo de terraplanagem com vista à expansão e industrialização da capital austríaca, nos finais do século XIX. Foi, então, neste sítio tão especial que se deu início aos encontros entre zapatistas e os movimentos e resistências da Europa Insubmissa, o principal objectivo deste primeiro capítulo da Viagem pela Vida. Foi também neste Parque Nacional que, em 1984, se travou um dos maiores processos de resistência da história recente da Áustria. O plano de construir uma central hidroeléctrica no extremo oriental do parque provocou uma onda de protestos que culminou, em dezembro desse ano, numa ocupação do local que as máquinas se preparavam para destruir. A 8 de Dezembro, 8 mil pessoas foram em manifestação até ao local e algumas centenas começaram uma ocupação permanente do espaço, obrigando à suspensão dos trabalhos.

A 19 de Dezembro um contingente de 800 polícias iniciou uma violenta intervenção para expulsar os cerca de 3 mil manifestantes que permaneciam no local. Os confrontos provocaram duas dezenas de feridos e uma onda de indignação em Viena, onde 40 mil pessoas se manifestaram nessa mesma noite. Temendo a eclosão de uma revolta, o governo anunciou um par de dias depois a suspensão dos trabalhos e, no início de Janeiro, o Supremo Tribunal anunciou a proibição de quaisquer trabalhos na zona. A ocupação foi terminada e, meses mais tarde, o projecto foi definitivamente abandonado.

Esta luta é lembrada como um dos mais importantes momentos do processo democrático da Áustria, e a primeira vez que a desobediência civil foi amplamente aceite como uma estratégia para fazer valer a vontade do povo face às intenções do mau governo. Desde esse ano que praticamente todos os megaprojectos na Áustria foram enfrentados por algum movimento popular. Em 1996 a construção de uma hidroeléctrica em Lambach foi atrasada por uma ocupação e, em 2003, um projecto semelhando para a zona de Lobau também foi parada depois de uma ocupação simbólica do local.

Parte do artigo foi escrito com base em notas escritas colectivamente pelos meios de comunicação independentes presentes em Viena, e publicadas originalmente em Rádio Zapatista e Pozol.org

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