Portugal // Parentalidade: uma corrida de obstáculos capitalista~ 21 min
Por Nguyen
É comum ver nas notícias a habitual ladainha dos partidos da direita sobre a necessidade de se ter mais filho(a)s. Tais declarações aparecem descontextualizadas e com um tom paternalista ou acusatório. Mas como muitas trabalhadoras e trabalhadores já perceberam, é mais fácil ter crianças do que ter capacidade e condições para as criar.
Esta parte já não interessa aos partidos de direita, que estão interessados em ter uma nova fornada de trabalhadoras e trabalhadores para explorar mas não querem disponibilizar recursos para o seu desenvolvimento e educação; nem para os partidos da esquerda, que tendem a cair num buraco sem fim de indefinição de políticas e meias medidas.
Conteúdos
- Os números da natalidade
- Licenças de paternidade
- Amamentação e saúde
- O sono ou a falta dele
- A educação nos primeiros anos de vida
- Subsídios desadequados
- Conclusões e medidas
Os números da natalidade
Sem entrar em argumentos pró ou anti natalistas, em princípio não será controverso que quem decida ter crianças deveria ter meios para as criar. Para tal, condições económicas favoráveis são requisito.
O resultado prático das actuais políticas hostis aos pais e crianças é que a natalidade em Portugal diminuiu seriamente durante o período da última crise que se arrastou de 2007 até 2014. Em 2007, a natalidade bruta (o número de nados-vivos por 1000 habitantes) baixou para menos de 10 filhos. Atingiu o ponto mais baixo em 2013 e 2014, com 7,9 nascimentos de nados-vivos.
Um valor muito próximo do Japão, com 7,7 nados-vivos em 2017, um país que está a perder população. Em 2016 e 2017 o valor subiu para 8,4 nados-vivos. Tudo aponta para que em 2018 o valor tenha subido novamente. Ao mesmo tempo, nos anos de políticas de austeridade promovidas pelos governos PS, PSD e CDS, emigraram 130 000 mulheres em idade fértil entre 2010 e 2015.
O primeiro obstáculo à parentalidade em Portugal são portanto as condições económicas hostis vividas pela população trabalhadora.
Licenças de paternidade
A actual licença de paternidade corresponde a um máximo de 180 dias, se for partilhada por ambos os progenitores. São 150 dias para a mãe e 55 dias para o pai, máximo. Nos casos de pessoas que vivam sós com as crianças, o tempo é reduzido para o máximo de 150 dias. Estes valores podem aumentar devido ao nascimento de gémeos.
A utilização dos prazos máximos de licença é penalizada com uma diminuição entre 17% a 20% do subsídio atribuído. Estas penalizações são um indicador da lógica que está por detrás das políticas de natalidade. Ou seja, não se pode incomodar em demasia as empresas e os magnânimos empreendedores com ausências de quem realmente trabalha.
Após dois anos de discussão por causa de um pormenor relativo à licença dos pais, o número de dias obrigatórios foi aumentado em 5 dias. Dois anos para discutir 5 dias de licença que perpetuam o desequilíbrio entre sexos, com a maior carga a ser colocada na mãe. Este tempo de licença é desadequado, assim como a manutenção da desigualdade de tempo por sexo e veremos o porquê.
Amamentação e saúde
Quer a Organização Mundial de Saúde quer a Unicef recomendam que as crianças devem ser exclusivamente amamentadas a peito até aos seis meses de idade. Adicionalmente, o tempo de amamentação deve ser prolongado até aos dois anos de idade, já com a introdução de outros alimentos.
Estas recomendações devem-se ao facto de que o leite materno é o alimento mais saudável para as crianças, levando à diminuição da mortalidade infantil e à melhoria da saúde geral do/da bebé. Amamentar com leite materno em exclusivo até aos seis meses resulta num menor número de idas ao hospital, menor ocorrência de doenças comuns (como diarreia, vómitos, infecções auriculares, etc.) e diminui a possibilidade de ocorrência de doenças crónicas (como a diabetes, leucemias infantis, obesidade, etc).
Há décadas que se sabe dos benefícios da aleitação com leite materno. Mas este conhecimento e as boas políticas que podem levar à sua aplicação tiveram que enfrentar a habitual teia de interesses capitalistas e os governos que as sustentam.
Após o tempo de licença, é possível que a mãe possa ter dispensa diária no trabalho para amamentar enquanto continue a ser feita amamentação. Caso não seja feita amamentação, um dos progenitores, ou ambos, pode ter direito à mesma dispensa até a criança completar um ano. Diz-nos a lei que:
3 – A dispensa diária para amamentação ou aleitação é gozada em dois períodos distintos, com a duração máxima de uma hora cada, salvo se outro regime for acordado com o empregador.
4 – No caso de nascimentos múltiplos, a dispensa referida no número anterior é acrescida de mais 30 minutos por cada gémeo além do primeiro.
Deduz-se que cada criança requer que se lhe prestem cuidados durante 30 minutos (dar de mamar, trocar fraldas, limpeza e higiene de todas as pessoas envolvidas). Ou seja 30 minutos são para deslocação do trabalho até casa e vice-versa. Quem vive a 15 minutos de viagem do trabalho?
De acordo com um estudo, em Portugal, em média gastam-se 34 minutos na deslocação casa trabalho, 68 minutos no total diário. Dados do INE indicam que o trajecto de um sentido na Área Metropolitana do Porto é de, em média, de 21 minutos e 8 segundos; e na Área Metropolitana de Lisboa é, em média, de 24 minutos e 3 segundos. Por experiência pessoal, o tempo de trajecto em 2018 é de aproximadamente 1 hora. Há casos piores – 1 hora e 30 minutos a 2 horas de viagem. Com a gentrificação a decorrer nas maiores cidades, e consequente fuga das populações para as periferias, o tempo que se demora a chegar ao trabalho ou a casa só vai aumentar.
Uma das facetas em que as crianças são prejudicadas é portanto na secundarização da sua saúde física e mental para evitar molestar os lucros das empresas. Mas nada há a temer. Quando os pais não podem cuidar das necessidades das crianças, há uma vasta indústria que o pode fazer por eles.
Em 1974 foi publicado o relatório Assassino de Bebés, acusando a Nestlé (e outras empresas que comercializavam leite de fórmula) de provocar a morte e a fome em bebés de países do Terceiro Mundo:
Bebés do Terceiro Mundo estão a morrer porque as suas mães alimentam-nos com leite de fórmula infantil, ao estilo Ocidental. Muitos dos que não morrem entram num círculo vicioso de má nutrição e doenças, que os deixa física e mentalmente atrofiados para toda a vida.
Como bons empreendedores que são, a Nestlé preferiu continuar a matar bebés ao mesmo tempo que levava os autores do relatório a tribunal. Alarmadas com as acções da Nestlé, as populações de vários países Ocidentais lançaram um boicote para forçar a empresa a mudar as suas políticas.
Só em 1981, sete anos após a publicação do relatório, é que a OMS lançou um guia sobre a promoção do leite de fórmula e a proibição de algumas formas de “marketing agressivo” por parte das empresas. Até hoje a Nestlé continua envolvida em escândalos vários, em diferentes datas e em diferentes países, ligados à sua venda de fórmula de bebé.
A Nestlé não é a fonte de todo o mal, nem é caso único. Em 2017, na Grã-Bretanha, as empresas Enfamil, Sprout e Plum Organics foram apanhadas a vender alimentos para bebés que continham níveis perigosos de arsénico, cádmio e acrilamida (produto cancerígeno que pode causar irritações na pele e afectar a qualidade dos espermatozóides); e ainda Bisfenol A (um produto industrial utilizado para produzir plástico).
Em 2017, a Francesa Lactalis foi apanhada a vender leite em pó contaminado com salmonela. Só após intervenção do governo é que as embalagens contaminadas foram retiradas do mercado.
Em 2018, a Lactalis foi novamente apanhada a vender leite em pó com salmonela, levando a nova intervenção do governo francês. Tal ilustra que as decisões políticas em torno da parentalidade são altamente influenciadas e condicionadas por empresas, que exercem muito mais poder sobre os governos do que a acção desconcertada e desunificada das populações.
O sono ou a falta dele
Os bebés dormem muito, mas os pais nem por isso. Já as mães que estão a amamentar quase não dormem. Até aos 3 meses de vida, os bebés necessitam de ser alimentados a cada 2/4 horas, seja dia ou noite. Pelos 4 meses, os intervalos nocturnos, para se alimentarem tendem a ser mais espaçados e menos frequentes. Mas só pelos 10 meses é que a maioria dos bebés deixa de se alimentar à noite.
Estes pedidos de alimentação podem-se dever à fome ou ao facto do bebé querer ter tempo e afecto com os pais, que passaram o dia longe a trabalhar. Claro que se ocorrerem doenças, indisposições, cólicas, etc. o bebé irá dormir menos, levando os pais a dormir menos também.
Ou seja, os pais voltam ao trabalho quando a sua criança ainda não os deixa dormir uma noite seguida. Não dormir, em casos graves e prolongados, pode gerar problemas cardíacos, diabetes, obesidade, depressão ou ansiedade e outros. Mas algo tão simples como permanecer 24 horas seguidas acordado causa falhas de memória, fraca coerência verbal e diminuição de competências sociais.
Apesar destes danos poderem ser facilmente revertidos, com uma ou duas boas noites de sono, quando as pessoas são impedidas de dormir durante uma semana seguida (como quando são torturadas) ficam com dificuldades em ler, falar e raciocinar, há diminuição da temperatura corporal, aumento de apetite, desorientação, alucinações visuais, apatia, letargia e isolamento social.
De uma forma geral recomendam-se entre 7 a 9 horas de sono seguidas, por noite. A falta destas horas seguidas de sono, implica que as pessoas com filhos e filhas, com idades inferiores a 1 ano, estão a ser forçadas a trabalhar com baixa capacidade de compreensão verbal e escrita, análise de risco e consequências de actos, criatividade, trabalho de grupo e empatia.
Existem casos de pais e mães que sofrem de privação de sono até 6 anos após o nascimento da primeira criança, uma vez mais as mães são as mais afectadas. O impacto nos resultados do trabalho produzido será tendencialmente negativo.
A juntar ao sono e cansaço, está o facto das sociedades ocidentais serem sociedades machistas. Em Portugal em 2017, 78% das mulheres realizava uma tarefa doméstica diariamente, comparado com apenas 19% dos homens. No que respeita a cuidar e educar bebés, as diferenças atenuam-se. 99% das mulheres portuguesas têm tempo para cuidar e educar, comparadas com 87% dos homens, de acordo com dados de 2017.
A diferença de tempo a cuidar de tarefas domésticas é avassaladora e a melhoria no que respeita ao cuidar e educar das crianças não é suficiente para eliminar este abismo. Daí parecer essencial que ambos os progenitores tenham o mesmo tempo de licença, para fazer face a todo o trabalho doméstico e educativo necessário.
A educação nos primeiros anos de vida
Após o fim da licença de paternidade surge outro drama. Onde pôr a criança nas horas em que os pais trabalham? Quem tem família ou outras relações próximas na sua vizinhança pode optar por deixar as crianças com essas pessoas. Se algum dos progenitores ou cuidadores puder ficar a tempo inteiro com a criança, essa será outra opção. Para a maior parte das pessoas trabalhadoras, estas não são opções viáveis.
Restam os berçários, creches e infantários privados e com fins lucrativos (26 861 no total) ou privados que fingem não ter fins lucrativos (que são 87 247). É um total de 114 108 estabelecimentos em Portugal em 2018. Abrangem apenas 50% das crianças até aos 3 anos.
A situação é mais grave nos grandes centros urbanos e respectivas periferias, onde a percentagem de estabelecimentos privados também é maior. É comum os progenitores começarem à procura de locais para deixar as suas filhas e filhos ainda durante a gravidez ou no 1º mês de vida. São frequentes os locais que fecham para férias.
Os preços dos privados tendem a variar entre 300€ a 600€ mensais. O salário mínimo em Portugal é de 600€ mês. Ou seja, o custo com creche ou infantário é entre metade e o valor total de um salário mínimo. Cobrarem um valor de inscrição é comum. Tal como exigirem o pagamento de todas as mensalidade de um ano, mesmo que a criança só entre a meio do mesmo ou mais tarde. Seria o exemplo uma criança nascida em Janeiro, cujos pais optem pela licença compartilhada de 180 dias. Também é comum forçarem pagamentos sem ter em conta meses em que estão fechados na totalidade ou em parte. Tudo isto faz parte das práticas questionáveis destas empresas.
O mesmo acontece nas IPSS, pois as mesmas só não são empresas em nome. Ou seja, estes simpáticos empreendedores cobram por serviços que não prestam, ou pelo privilégio de virem a prestar os serviços no futuro. Tal como as empresas que produzem e vendem leite de fórmula, tudo serve para gerar lucros, até quando advêm do desespero e necessidade que os pais têm de cuidar das suas crianças.
Já as IPSS cobram uma mensalidade aos pais, segundo os rendimentos dos mesmos. Mas estas associações aproveitam para sugar mensalmente ao Estado 264,61€ por cada criança. Este valor pode ter ainda um bónus de 514,67€ por mês, se o horário de funcionamento for superior a 11 horas diárias. Se cuidarem de crianças com deficiência, também têm direito a mais 95,13€ por criança com deficiência por mês.
Como é óbvio, a mamadeira dos empreendedores não fica por aqui e a utilização de voluntárias e estagiários sem salário é admitida sem pudor como algo normal e essencial. Queixam-se muito que o valor por criança dado pelo Estado corresponde a 31,7% do seu rendimento. Ou seja, o Estado entra com 88% do valor mínimo (300€) cobrado pelas creches privadas e essas creches ainda assim obtêm lucros.
As IPSS precisam de angariar 12% do mesmo valor para terem o mesmo lucro e, alegadamente, com trabalho voluntário, doações e caridade não o conseguem fazer. Aliás as IPSS, supostamente, nem deviam fazer lucro. No entanto, para 40% das IPSS o dinheiro que fazem foi insuficiente em 2016. E ainda têm a cara podre de apresentar estudos encomendados para afirmar que a sua incompetência e esbanjar de dinheiro é culpa do Estado.
Muitas destas IPSS estão ligadas à Igreja Católica, através das respectivas paróquias ou da Santa Casa da Misericórdia ou outra instituição. Totalizaram 73 304 alunos no ano lectivo de 2016 / 2017.
Esta genial ideia de entregar crianças a instituições religiosas, particularmente católicas, só pode correr bem. Primeiro que tudo, encher de dinheiro o cu da Igreja Católica é uma violação do princípio de separação do Estado e da igreja.
Segundo, aparentemente só nos continentes do Árctico e Antárctico não são conhecidos casos de abuso sexual de crianças cometidos por padres, freiras e monges. Esta prática de abusar sexualmente de crianças ocorreu ao longo de várias épocas, em vários países, com maior ou menor frequência. A Igreja Católica no seu todo respondeu tentando abafar o assunto, negando responsabilidade e tentando desviar o assunto. É impossível não ver alguma cumplicidade com as práticas pedófilas.
Na Irlanda, a Bon Secours Mother and Baby Home, uma instituição católica que se dedicava a receber crianças de mães solteiras, foi responsável por enterrar aproximadamente 800 crianças numa vala comum. Estas crianças morreram ou foram mortas, enquanto estavam ao cuidado da muito católica instituição, que preferiu fazer os corpos desaparecer, em vez de assumir qualquer responsabilidade. 1 000 crianças foram traficadas para os EUA pela mesma instituição. Um relatório da ONU de 2017 alertava que a investigação policial do caso era demasiado limitada e cobria apenas uma fracção do problema.
No Estado Espanhol, a Igreja Católica foi cúmplice de um dos maiores crimes do regime fascista de Franco. Durante a Guerra Civil e no pós Guerra Civil, entre 30 000 a 100 000 crianças, filhas de valorosos e valorosas republicanas e revolucionárias, foram arrancadas dos pais ou atiradas para a prisão. Muitas morreram na prisão com as mães, outras foram traficadas para o estrangeiro ou vendidas e adoptadas ilegalmente por famílias de bem Franquistas. Outras foram forçadas a entrar em conventos como monges e freiras.
Para além da participação em rapto, a Igreja Católica também se envolveu no lucrativo tráfico de crianças, tal como na Irlanda. Claramente a Igreja Católica e suas associações são instituições idóneas, sem críticas a apontar e sem um vastíssimo cadastro de crimes contra crianças. Porque deveriam um pai ou mãe ficar apreensivos por colocar as suas crianças nas mãos de tal gente?
Subsídios desadequados
Quem, mesmo perante tantos obstáculos, decide ter crianças, rapidamente descobre a quantidade de despesas que tal envolve. Fraldas, toalhitas, roupa, ovo de transporte, carrinho, brinquedos, babetes, biberões, frascos para comida ou leite materno, comida, etc. Despesas que se acumulam às já existentes. Para fazer face a estas despesas extra (e alegadamente para incentivar a natalidade) existe o abono de família atribuído pelo Estado, cujos valores se podem ver abaixo.
Tabela para famílias biparentais:
Tabela para famílias monoparentais:
Estes valores são manifestamente insuficientes e pouco cobrem das despesas extra. Uma destas é a roupa. Façamos então um cálculo rápido do custo da roupa para um bebé até um ano de idade. O tipo de roupa será o habitual para um período de tempo frio, mas sem juntar casacos, gorros, luvas, etc que seriam típicos de tempo ainda mais frio. Contabilizaremos cinco peças de roupa: body interior, collants, camisola, calças ou saia, meias ou pantufas ou sapatos.
Esta roupa será mudada diariamente e será contabilizada uma semana, ao fim da qual a mesma roupa pode ser lavada e re-utilizada. Ou seja, contabilizam-se sete mudas de roupa, para sete dias da semana. Como valor de referência (e por facilidade de contas) atribui-se um valor de 5€ a cada peça de roupa, valor elevado para meias, mas baixo para camisolas e calças ou saias, que em várias lojas são vendidos a 7€, 10€, 15€, 20€ ou mais. 5 x 5 x 7 = 175€.
Por si só este valor é superior a todos os abonos para famílias só com uma criança, com excepção de uma família monoparental em que a criança tenha menos de doze meses. E este valor tem que ser gasto a cada dois meses (aproximadamente) dado o ritmo de crescimento de uma criança no primeiro ano de vida. Crianças que já estejam em creche têm que ter um conjunto ou dois de roupa na mesma, para eventualidades corriqueiras como bolsarem ou derrames de urina e fezes que escapem da fralda.
Com o pacote de fraldas de marca de supermercado a atingir valores de 6,99€ ou mais, e um consumo diário aproximado de oito fraldas por dia, pouco, ou nada sobra para outros gastos. Após os seis meses, os bebés tendem a começar a comer sólidos (só o leite materno é gratuito). Se não tiver sido alimentado a fórmula antes, depois dos seis meses acresce mais esta nova despesa. Entre os nove meses e um ano, a comida sólida torna-se a preferencial e mais frequente. Depois podem ainda juntar os gastos dos berçários, creches e infantários, como despesas quase obrigatórias.
Para quem vive perto da família e tem relações de proximidade com a mesma ou quem tem relações próximas com pessoas amigas, a passagem de roupa, brinquedos e utensílios utilizados por outros bebés torna-se um grande factor de ajuda. Mas quem não tem estas relações ou quem tem estas relações próximas mas de pessoas sem crianças mais velhas, não tem outra hipótese a não ser comprar tudo. Ou seja, a sociedade e a solidariedade substituem o papel e função do Estado, ao mesmo tempo que “prejudicam” a economia e os lucros dos empreendedores.
Conclusões e medidas
Claramente as políticas de parentalidade em Portugal privilegiam as empresas e o “direito” ao lucro, em detrimento dos pais e bebés. Direito ao lucro, direito a chular o Estado, baixa fiscalização de práticas, preços e qualidade; direito a explorar quem trabalha. Urge mudar para uma política orientada para a saúde e qualidade de vida de progenitores e crianças.
O tempo de licença precisa de ser aumentado para 365 dias após o parto. De forma a promover o aleitamento materno, o sono essencial e, consequentemente, a saúde de pais e crianças. Para combater a diferenciação de sexo, este tempo de licença tem que ser para ambos pai e mãe. Serão necessários estudos para verificar os efeitos a curto, médio e longo prazo desta medida, assim como possibilidades de alargamento do período de licença.
O tempo de trabalho deveria ser reduzido para a toda a população, para alegria e melhoria de saúde de trabalhadores, mais empregos e ainda o bónus de irritar os empreendedores. Mas, como mostrado anteriormente, uma redução do horário de trabalho em duas horas por dia é insuficiente para manter a amamentação até aos dois anos de idade.
A fiscalização das empresas que fabricam e comercializam produtos e serviços para bebés tem que aumentar imenso, assim como as punições por incumprimento. Preferencialmente, o seu controlo deve passar para o Estado, com o qual devem colaborar cooperativas de trabalhadores e serviços municipais. Nem o fabrico, nem a comercialização, nem a prestação de serviços a bebés devem ter como objectivo a obtenção de lucro. Todas estas questões têm que servir para satisfazer as necessidades da população.
Por outro lado, empresas que sistemática e deliberadamente produzam produtos nocivos para a saúde das crianças, têm que ser impedidas de comercializar e os seus directores responsabilizados pelos seus crimes.
Associações de trabalhadores, de pais e de bairro ou zona, têm que passar a ter uma papel central nos serviços de educação de bebés e crianças, assim como os municípios e o Estado. Se o Estado é essencial para criar a estrutura e as directivas que guiem os cuidados a bebés e pais, já as associações, cooperativas e municípios serão centrais em adequar serviços às reais necessidades da população em que estão inseridas.
As instituições religiosas, católicas ou outras, não podem possuir instituições, edifícios ou outras que não sejam única e simplesmente para a prática dos seus cultos. Permitir a continuada existência de problemas para que alguns possam lucrar com a caridadezinha e a miséria alheia é ridículo.
Os subsídios têm que ser calculados em relação às reais necessidades de gastos que uma criança acarreta. Ou, melhor ainda, os salários devem ser suficientes para uma pessoa poder subsistir e cuidar de uma ou mais crianças. A realidade é que existem cada vez mais pessoas a cuidar de crianças sozinhas e a instituição do casamento é algo considerado ultrapassado e indesejado por uma parte crescente da população. Cabe à política responder a esta nova realidade.