Portugal // Novo Banco: cláusula secreta garante injecção automática de dinheiros públicos~ 4 min
O que se sabia até agora era que o contrato de venda do Novo Banco ao fundo Lone Star, assinado em 2017, previa a injeção até 3,9 mil milhões de euros por parte do Estado através do Fundo de Resolução, ao abrigo do Mecanismo de Capital Contingente.
O que não sabíamos era que o contrato tinha uma cláusula “secreta” que previa que os efeitos negativos de “um cenário de extrema adversidade”, como uma pandemia, nas contas da instituição possam ser compensados por uma injecção automática do Estado para repor a sua solidez. Isto, se os actos da gestão assim o determinarem e se o accionista privado não tiver condições para resolver o problema.
Segundo apurou o jornal Público, o acordo de venda do Novo Banco, fechado em Outubro de 2017, entre Finanças, o Banco de Portugal e o fundo americano Lone Star, supervisado por entidades europeias, prevê duas condições para que o Estado injecte capital na instituição. Uma delas é que isso aconteça de forma automática, sempre que os rácios de capital desçam abaixo dos 12% sem qualquer responsabilização de quem detém 75% da empresa (caíram para 12,3% no primeiro trimestre, já com o efeito da covid-19). A outra é que se verifiquem perdas nos activos problemáticos abrangidos pelo Mecanismo de Capital Contingente.
Monitorização do novo banco nas mãos do fundo abutre
Pode dizer-se que o Estado passou um cheque em branco em nome dos contribuintes. Se o banco for gerido de forma danosa ou imprudente, o fundo abutre Lone Star pode mesmo assim accionar o mecanismo de Capitalização Pública. O automatismo previsto neste caso liberta o accionista privado de assumir quaisquer riscos.
Relembramos que tudo isto foi feito de forma “legal”. As regras e os termos da ajuda do Estado ao Novo Banco foram negociados entre a equipa do ex-ministro Mário Centeno e as autoridades europeias. Para ajudar à festa, o acordo prevê ainda que as comissões do Novo Banco que fazem a monitorização das contas e da gestão estão inteiramente dominadas pelo Lone Star.
Até agora, o Novo Banco já recebeu 2,9 mil milhões de euros através do Fundo de Resolução , sendo que 2,1 mil milhões foram empréstimos do Tesouro. A última transferência foi feita no dia 8 de Maio no valor de 850 milhões de euros, gerando grande polémica. No entanto o presidente executivo do Novo Banco admitiu que a instituição vai precisar de mais dinheiro, para lá dos 1037 milhões que já recebeu este ano, alterando assim a estimativa que já tinha entregado ao Fundo de Resolução.
Desta vez a justificação não é a “limpeza” do buraco deixado pelo BES, mas as perdas sofridas este ano.
Salários de gestores do Novo Banco disparam 75% enquanto acumulam prejuízos
A subida da massa salarial dos gestores nos últimos dois exercícios completos acompanha prejuízos milionários do banco e injecções de milhões de euros por parte do Estado.
A passagem do Novo Banco para a esfera do fundo Lone Star coincidiu com o aumento em quase um milhão de euros dos salários dos membros da comissão executiva do banco. Ao mesmo tempo, coincidiu igualmente com prejuízos de 3 866 mil milhões de euros que justificaram a injeção de milhões de euros de dinheiros públicos na instituição.
Se em 2017 o salário anual dos seis gestores executivos do Novo Banco era de 1 336 000€ (329 600 destes eram para António Ramalho), em 2019 a equipa de gestão ganhou outros três nomes e a remuneração anual subiu para 2 345 296€. Fora das contas ficou o prémio de assinatura no valor de 320 mil euros para Mark Bourke, um dos gestores.
No total, os encargos do Novo Banco com o seu Conselho de Administração e com o Conselho Geral e de Supervisão atingem os 3 180 332€.
Já pagámos 6030 milhões e tudo indica que não vai ficar por aqui
Desde que foi criado, na sequência do Resgate do Banco Espírito Santo, em 2014, o Novo Banco já recebeu 11 263 milhões de euros para se capitalizar. Deste total, mais de metade foi injetado pelo Estado. Os contribuintes já enterraram 6030 milhões de euros no Novo Banco. Isto sem contar com os milhões de euros que o Estado já meteu no Fundo de Resolução. E tudo indica que não vai ficar por aqui.
Com este cenário dantesco de injeção brutal de dinheiro dos contribuintes neste buraco deixado pelo BES, é sempre bom relembrar as palavras proferidas por Ricardo Salgado em 2013, 1 ano antes do banco ser resgatado por dinheiro público: “Os portugueses não querem trabalhar, preferem viver à sombra do subsídio de desemprego”.