Portugal // Carta às e aos Antifascistas~ 6 min
Por Guilhotina.info
Reproduzimos aqui uma carta às e aos antifascistas, recebida por e-mail, assinada por quatro dezenas de antifascistas de norte a sul do país.
Carta às e aos Antifascistas
Companheiras, companheiros,
Aproximam-se tempos conturbados, mais ainda do que aqueles que temos vivido – com as sucessivas “crises” e as crescentes derivas autoritárias dos nossos Estados e governos. Na realidade portuguesa, aproxima-se um momento decisivo em que as nossas escolhas e a nossa acção colectiva vão determinar o rumo da situação política dos próximos tempos.
A ascensão de forças fascistas e de extrema-direita é uma ameaça à nossa existência colectiva. Sabemos onde leva a normalização de discursos fascistas e racistas, do discurso de ódio. Começa pelas comunidades ciganas, começa por Bruno Candé, e acaba em todas nós. A menos que cortemos o mal pela raiz, antes de ele se enraizar fundo nas nossas comunidades.
Aquando das ascensões de Trump e Bolsonaro, observou-se como o foco nas figuras e a repetição dos seus nomes até à exaustão, mesmo que em muitos casos para expressar oposição, terá muito provavelmente contribuído para tornar possível que ambos começassem como lunáticos pregadores do absurdo e acabassem a ser eleitos presidente. Nesta era da massificação dos meios de comunicação e das redes sociais, é provavelmente mais verdade do que nunca que não há má publicidade.
Há um problema – não basta que nós não repitamos o nome e as ideias de André Ventura e do Chega até à exaustão porque já todos os meios de comunicação o fazem (quando não têm o próprio como comentador). Para mais com o circo eleitoral que se aproxima, sabemos que a besta vai ter muito palco nos media (e nas ruas) para tentar passar aquela imagem de político respeitável, de que não é fascista, de que as suas ideias, apesar de não serem politicamente correctas, são legítimas e aceitáveis.
Não são. E são essas ideias, mais do que a figura em si, que têm de ser combatidas.
A ideia de que não devemos repetir os seus nomes até à exaustão não é nem pode ser incompatível com a resistência – nas ruas – à ascensão do fascismo.
Durante o próximo mês, o seu nome e o do Chega vão ser repetidos ininterruptamente pelos meios de comunicação e pelos milhares de perfis falsos criados pelo partido nas redes sociais. Não poderão ter também as ruas. Eles e as suas ideias não podem sentir-se bem-vindos em lugar nenhum.
Mais do que nos opormos a André Ventura e ao Chega, temos que garantir que eles não passam por pessoas respeitáveis, por “políticos anti-sistema”, como lhes chamam. São fascistas e têm que ser reconhecidos publicamente como tal.
E é esse, cremos, o nosso papel. Nunca deixar o racismo, o machismo, o ódio, enfim, o fascismo desfilar livremente nas nossas cidades e vilas. Chamá-los pelos nomes, não deixar que os fatinhos e o aspecto modernaço tapem a suástica que carregam no peito.
A concentração pela Liberdade em Évora, dia 18 de Setembro, em resposta à provocação do Chega, parece-nos um bom exemplo em dois sentidos. Em primeiro lugar, no discurso. O Chega é referido, sim, mas uma única vez, colocando o foco em Évora ser uma cidade livre de racismo e xenofobia, de discriminação, de sexismo e homofobia, que não permanecemos em silêncio face ao desfile da intolerância e do fascismo. Um discurso simples e directo, compreensível a toda a gente.
Depois, pela força da solidariedade que se sentiu – sem qualquer estrutura, várias dezenas de pessoas, de diferentes organizações e de organização nenhuma, deslocaram-se de várias partes do Alentejo e de outras regiões para mostrar que os e as eborenses não estão sozinhas na luta contra o fascismo. Uma semana depois, também em Coimbra se saiu à rua contra o fascismo, no mesmo dia em que o partido realizou um jantar comício na cidade.
Durante este mês, os fascistas vão sair muitas vezes à rua. E teremos que estar todos e todas unidas para os enfrentar.
Não podemos esquecer que o antifascismo não é uma organização, que é mais do que um movimento. O antifascismo é um sentimento, é uma posição frente ao fascismo. Uma posição partilhada por muita gente de diferentes contextos, identidades e orientações, organizada e não organizada.
Em cada local, nos momentos em que for necessário, as pessoas e as organizações têm de estar juntas independentemente das suas diferenças. O antifascismo não está, nem pode estar, refém de partidos, organizações ou figuras, exactamente porque é mais do que um movimento. Somos todos e todas nós que nos opomos à barbárie.
Por isso é que o discurso tem que ser simples e directo, tem que chegar a toda a gente, tem que ter potencial para unir desde pessoas de partidos, grupos e projectos politizados a pessoas que não estão organizadas em qualquer grupo; de imigrantes à comunidade estudantil e académica; das associações de bairro às associações e espaços culturais; de movimentos de trabalhadores às populações periféricas e rurais; da classe média urbana a pessoas afrodescendentes, de etnia cigana ou de outras minorias; dos movimentos feministas à comunidade LGBT; e toda a gente que não se inclua em nenhum destes grupos.
Não podemos deixar que eventuais querelas ou lutas de egos nos dividam. Temos que ser mais inteligentes do que isso. Temos que estar todos e todas juntas. O que está em jogo é sério. Não vamos querer ter que explicar às próximas gerações como deixámos este monstro que é o fascismo enraizar-se e fazer apodrecer toda a sociedade.
Dia 10, estejamos juntas e juntos na rua, em Lisboa, para deixar claro que nem a Le Pen nem nenhuma besta fascista é bem-vinda nas nossas cidades e vilas. Para além disso, apelamos à acção, individual ou colectiva, e à participação nos núcleos e movimentos que travam a luta antifascista em cada vila ou cidade. Urge tomar na nossas mãos o pouco tempo que nos resta até às presidenciais (e para além delas, claro) para travar o crescimento e a normalização dos discursos de extrema-direita.
Ponhamos de parte as divergências, ressentimentos ou reticências. Estejamos juntas, mobilizadas e firmes nesta batalha. Não passarão!
Bruno Candé, presente!
Alcindo Monteiro, presente!
José Carvalho, presente!
Catarina Eufémia, presente!
A todos e todas que caíram vítimas de ataques fascistas, a melhor homenagem é continuar a luta.
Quatro dezenas de antifascistas das regiões de Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, Serra da Lousã, Leiria, Caldas da Rainha, Cadaval, Bombarral, Lisboa, Évora e Algarve