México // Passaportes negados às zapatistas com destino à Europa~ 5 min
Por Francisco Norega
O Esquadrão 421 é a primeira delegação zapatista que, a bordo da Montanha, ruma à Europa no âmbito da Travessia pela Vida. Nos últimos dias, passou pelos Açores, onde pôde desembarcar e conseguiu o seu visto para entrar no espaço Schengen. Aproxima-se agora das costas galegas, onde segundo o último comunicado zapatista está previsto que chegue entre 19 e 20 de Junho.
Ao mesmo tempo, no México, a Secretaria de Relações Exteriores (SRE) vem colocando múltiplos entraves à atribuição de passaportes a várias pessoas indígenas designadas pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional para as comitivas que viajarão de avião para a Europa.
O subcomandante Galeano denunciou, num comunicado tornado público ontem, que apesar de os delegados “cumprirem todos os requisitos que se exigem, pagarem o estipulado, viajarem desde as suas comunidades (em Chiapas) até aos escritórios (na Cidade do México) da mal chamada ‘Secretaria de Relações Exteriores’ e, com tudo e com a pandemia, fazerem marcações, filas, esperarem a sua vez… é lhes negado o documento”.
Os delegados precisam do passaporte para ser parte do grupo aerotransportado que voará para a Europa para se unir à avanzada de sete delegados do Esquadrão 421 que partiu a bordo de A Montanha a 2 de maio.
Galeano sublinhou os obstáculos revoltantes impostos pelo supremo governo e a sua burocracia ignorante, néscia e racista. Porque podia pensar-se que é somente burocracia, que te toca o azar de dar de caras com alguém que pensa ter poder porque está detrás de uma secretária, num escritório. Mas não, é também algo mais e pode sintetizar-se assim: racismo.
Os empregados da secretaria pensam que se tratam de migrantes centro-americanos. “Sim, todos esses papéis são apresentados, mas o problema é que, aos olhos da burocracia da SRE, a cor da pele, o modo de falar, a forma de vestir e o lugar de origem é que contam. ‘A sul do metro Taxqueña, é tudo América Central’”.
Deu algunos exemplos: “uma senhora, burocrata da SRE, recusou a credencial do INE [Instituto Nacional Eleitoral] com um depreciativo ‘isso não serve para nada, só para votar’, e exigiu à companheira, de mais de 40 anos de idade, habitante da selva Lacandona, o seu certificado do secundário, para comprovar que não era guatemalteca”.
E juntou: “questionaram um companheiro (de mais de 60 anos de idade): ‘não será que queres ir aos Estados Unidos para trabalhar?’ O compa respondeu: ‘não, aí será mais tarde, noutra altura. Agorinha toca-nos ir à Europa’ (…) foi enviado a outra secretária. Aí foi-lhe dito: ‘isso está muito longe e é cara a viagem, não é possível que tenhas o dinheiro necessário, és indígena. Tens que trazer o extracto da conta do teu cartão de crédito’”. Algumas destas companheiras iniciaram os processos para obter os seus passaportes em Março e, ao dia de hoje, ainda não os conseguiram.
Para provar que era um acto de racismo e não só uma consequência da burocracia, disse o subcomandante, os zapatistas enviaram um companheiro branco e barbudo para pedir um passaporte, o qual lhe foi entregue no mesmo dia, sem lhe ser pedido mais do que a sua certidão de nascimento, a sua identificação com fotografia e o comprovativo de pagamento.
Com a denúncia do EZLN a circular internacionalmente desde esta madrugada, e a manchar a imagem desse muy democrático e nada racista estado do México, López Obrador, o mais “progressista” e “democrático” presidente mexicano em muitas décadas, apressou-se a tomar uma posição pública sobre o tema, logo pela manhã.
Como habitual desses altos cargos políticos, fez-se de desentendido e afirmou ignorar que as instituições que preside estivessem a negar às companheiras o seu direito ao movimento.
“Já dei instruções ao Secretário de Relações Exteriores para que se apure porque não lhes foram entregues os passaportes e que de imediato sejam atendidos os seus pedidos, e que não se impeça ninguém, muito menos os nossos irmãos companheiros indígenas, de sair do país. Hoje mesmo vamos clarificar esta situação. E independentemente do que tenha sucedido, se se cometeu um erro, vai ser resolvido para que tenham a possibilidade de viajar sem nenhum problema (…) Porque nós não somos autoritários. Não somos anti-democráticos. Somos respeitadores das liberdades de todos.”
Andrés Manuel López Obrador, 15 de Junho de 2021 [Fonte, a partir dos 1:24:55]
López Obrador apressa-se, com estas palavras falsas, a tentar salvar a sua imagem e a sua próxima eleição. Esperamos que as companheiras consigam rapidamente os seus documentos e aguardamos com expectativa a sua chegada às nossas geografias!
Por fim, deixamo-vos um vídeo da passagem das companheiras do Esquadrão 421 pelos Açores. Na Galiza, os movimentos e colectivos de baixo e à esquerda vêm preparando há vários meses a recepção desta primeira delegação zapatista. Quem quiser juntar-se às companheiras galegas este fim-de-semana deve preencher este formulário ou contactar chegadagalicia@riseup.net
Partes deste artigo foram adaptados de um artigo em castelhano, publicado originalmente pela La Jornada.