Gaza // Centenas de corpos exumados das valas comuns no Hospital Nasser~ 6 min
Por F
A Defesa Civil de Gaza realizou hoje uma conferência de imprensa na cidade de Rafah para revelar os resultados das operações para exumar os corpos de centenas de palestinianos de três valas comuns no Complexo Médico Nasser, em Khan Younis.
Durante a campanha genocida levada a cabo por Israel, a Defesa Civil de Gaza recebeu “milhares de pedidos de socorro”, parte deles de feridos debaixo dos escombros, a que não puderam responder devido à presença das forças israelitas. Depois da retirada das forças de ocupação da maior parte do território, no início de Abril, estes serviços conseguiram chegar a alguns dos locais de onde as chamadas foram feitas. “Depois de quatro meses, só encontrámos corpos em decomposição e esqueletos.”
Entre os milhares de pedidos de socorro, várias chamadas alertavam para o assassinato de centenas de civis no Hospital Nasser. Imediatamente após a retirada das forças israelitas, a Defesa Civil de Gaza enviou equipas para o local. Aí, foram encontradas três valas comuns: uma à frente da morgue, outra atrás e a terceira perto do edifício das diálises.
Traçámos um plano de campo para escavar as valas comuns e desenterrar os corpos, documentámos o processo, e as nossas equipas deslocaram-se por todo o Complexo Médico de Nasser. Recuperámos 392 corpos, incluindo 165 corpos que foram identificados pelas famílias e 227 que continuam por identificar. Não foi possível confirmar a identidade de 58% dos corpos exumados, por diversas razões.
Yamen Abu Sulaiman, director do departamento de Khan Younis da Defesa Civil
As escavações e operações para a recuperação dos corpos continuaram ao longo de 7 dias.
Crianças, execuções sumárias e pessoas enterradas vivas
Das valas comuns, foram desenterrados corpos mutilados e muitos corpos num estado de decomposição avançado – as forças israelitas usaram mortalhas específicas que aceleram a decomposição, uma das suas estratégias para acelerar o desaparecimento de provas.
Vários corpos foram encontrados com as mãos atadas com abraçadeiras, enquanto noutros casos foram usados cintos e pedaços de tecido. Há indícios de que as forças israelitas levaram a cabo execuções sumárias, com pelo menos duas pessoas enterradas com “ferimentos de bala na cabeça e as mãos atadas”. Também foram encontrados corpos com marcas de tortura e, mais uma vez, emerge a informação de que “orgãos foram roubados de alguns dos corpos”.
A Defesa Civil de Gaza afirma também que “algumas das pessoas assassinadas foram enterradas vivas” e que “alguns dos corpos ainda tinham a cânula [tubo normalmente usado para administrar medicação ou outros fluídos], o que mostra que os pacientes estavam na sala de operações ou a receber tratamento no Complexo Médico de Nasser” quando foram mortos.
Durante as operações, foram também recuperados os corpos de várias crianças.
Aqui, temos perguntas. Gostaríamos de saber qual é a razão pela qual temos crianças em valas comuns. Isto mostra e prova que a ocupação continua a travar uma guerra de genocídio, onde mais de 14 mil crianças foram mortas.
Mohammed Moghier, médico da Defesa Civil de Gaza
Apelos à comunidade internacional
A Defesa Civil de Gaza apela à ONU e às organizações internacionais para darem início a uma investigação independente “para investigar os crimes cometidos”, adiantando que está disponível para nela participar “a fim de provar que foram cometidos crimes contra a humanidade e apresentar todas as provas que foram documentadas”.
Após 202 dias, apelamos à comunidade internacional para que exerça pressão no sentido de pôr termo imediato a esta agressão contra o nosso povo e permitir a entrada de todas as organizações humanitárias do mundo e meios de comunicação social internacionais para que analisem estes crimes.
Yamen Abu Sulaiman
Enquanto, a propósito da Guerra na Ucrânia, os telejornais se encheram de reportagens sobre as inexistentes valas comuns de Mariupol, e os jornais construíram as suas poderosas manchetes para demonizar a Rússia, hoje é praticamente impossível encontrar uma referência às valas comuns do Hospital Nasser na página inicial de qualquer site de meios de comunicação social portugueses.
No panorama internacional, os apelos a uma investigação sobre estes crimes provavelmente vão acabar por cair no esquecimento, pois novos crimes virão, e Israel continuará a impedir o acesso do mundo à Faixa de Gaza. E o Ocidente, como sempre, continuará a usar do seu poder para bloquear qualquer acção contra Israel.
Portugal e o Ocidente, cúmplices de genocídio
Cumprem-se hoje 50 anos do 25 de Abril, uma data marcada pelas habituais celebrações da democracia e da liberdade. No entanto, em contraste com o papel desempenhado por Portugal nas organizações internacionais quando se tratou de pôr fim à ocupação indonésia de Timor-Leste, Portugal é hoje cúmplice dos crimes perpetrados pelo regime sionista nos territórios palestinianos ocupados.
E não é de agora. Já em 2018, veio a público que a Câmara Municipal de Lisboa tinha partilhado os dados de centenas de manifestantes pró-palestinianos com a embaixada israelita em Portugal. Agora, o genocídio junta-se à longa lista de crimes contra a humanidade de que, como parte da União Europeia e da NATO, Portugal é cúmplice.
Desde Outubro, como se não bastasse, estudantes (e não só) têm sido silenciados de norte a sul, arrastando-se há mais de 4 meses o mais grave destes casos, protagonizado pelos dirigentes da Associação Académica de Coimbra.
Enquanto pomposas cerimónias decorrem em São Bento, e milhares saímos à rua para desfiles comemorativos da Revolução dos Cravos, dois milhões de pessoas que não são diferentes de nós continuam a viver, dia após dia, um genocídio, com a cumplicidade das autoridades, dos media e da generalidade da sociedade portuguesa.