Os tentáculos do Império tentam asfixiar a resistência no Líbano~ 23 min

Por F
As autoridades libanesas proibiram, na quinta-feira da semana passada, voos com origem ou destino ao Irão. A decisão, tomada sob pressões israelitas e norte-americanas, deixou dezenas de peregrinos libaneses retidos em Teerão e provocou três dias de protestos nas imediações do aeroporto de Beirut.
A decisão foi tomada pelo Ministério dos Trabalhos Públicos libanês após o regime sionista ter lançado acusações de que o Irão estava a enviar dinheiro para o Hezbollah através do aeroporto, e ameaçado bombardear o aeroporto caso os voos continuassem.
A decisão provocou o cancelamento do voo semanal operado pela companhia iraniana Mahan Air entre as duas capitais, agendado para esse mesmo dia. O seu cancelamento deixou dezenas de passageiros presos na capital iraniana – a maior parte, xiitas libaneses que tentavam regressar ao seu país depois de visitarem lugares sagrados no Irão. Os passageiros que tinham comprado bilhete de Beirut para Teerão também ficaram em terra.
Convém referir que companhias iranianas voam regularmente para todos os estados do Golfo, incluindo os aliados do Ocidente, mas operavam apenas dois voos semanais entre Teerão e Beirut. A companhia aérea nacional do Líbano, por outro lado, não opera qualquer voo para o Irão devido a repetidas ameaças dos EUA e ao receio de sanções.
Tudo isto apesar de as autoridades libanesas, que nos últimos meses revistaram regularmente passageiros e carga vindos do Irão, incluindo diplomatas iranianos, não terem documentado um único caso de contrabando de dinheiro.
E este é apenas o mais recente episódio de uma intensa campanha, levada a cabo pelo Império e os seus aliados libaneses desde o início do cessar-fogo, com o objectivo de isolar o Hezbollah e marginalizar a população xiita do Líbano. Tudo isto a poucos dias do funeral de Hassan Nasrallah, numa tentativa de dificultar o regresso de cidadãos libaneses no Irão, dificultar a viagem de iranianos até Beirut para participar na cerimónia e fomentar tensões internas no seio da sociedade libanesa.
Onda de protestos
Poucas horas depois de a decisão ser anunciada, protestos eclodiram nas imediações do aeroporto de Beirut, bloqueando os seus acessos. O exército libanês, que nem uma única vez enfrentou as forças da ocupação no sul do Líbano, foi mobilizado para dispersar pela força o protesto, disparando balas de borracha e gás lacrimogéneo contra os manifestantes.
Os protestos espalharam-se a outras zonas da capital pela noite dentro, com várias avenidas e auto-estradas bloqueadas por manifestantes e barricadas.
Na noite seguinte, manifestantes ergueram novamente barricadas e incendearam pneus nos acessos ao aeroporto de Beirut. A mensagem era clara: se o aeroporto não está aberto para todos os libaneses, então não estará aberto para ninguém.
Num dos acessos ao aeroporto, três veículos da UNIFIL foram atacados e um deles incendiado, com um elemento da UNIFIL a ficar ferido durante o ataque. O exército libanês foi mais uma vez mobilizado para o local, carregou sobre os manifestantes, efectuou detenções e disparou gás lacrimogéneo.
Durante a noite, o exército invadiu casas de participantes nos protestos e efectuou mais de duas dezenas de detenções.
UNIFIL
O ataque aos veículos da UNIFIL provocou condenações fortes e imediatas de uma miríade de autoridades nacionais e internacionais – o novo primeiro-ministro libanês, por exemplo, condenou o ataque e exigiu a prisão dos envolvidos, enquanto a UNIFIL afirmou em comunicado que “ataques contra tropas de manutenção de paz são uma violação flagrante do direito internacional”, exigindo que as autoridades libanesas “conduzam uma investigação exaustiva e imediata e apresentem à justiça todos os responsáveis por este ataque”.

A celeridade e frontalidade destes posicionamentos contrasta com a ausência de condenações, por parte do governo libanês, da UNIFIL e das potências que deviam ser garantes do cessar-fogo, dos constantes crimes cometidos pelas forças israelitas no sul do Líbano desde que o acordo entrou em vigor. A UNIFIL, atacada repetidamente durante a invasão israelita, formulava regularmente os seus comunicados de forma criativa para evitar referir explicitamente quem é que tinha atingido as suas tropas, e jamais exigiu que o regime sionista fosse julgado e punido pelas suas violações do direito internacional.
No seguimento de rumores circulados por um um jornal libanês pró-resistência de que o ataque tinha sido levado a cavo por “indivíduos encapuzados (…) com o objectivo de criar caos”, o movimento Amal e o Hezbollah lançaram um um comunicado conjunto em que apelavam aos seus apoiantes a manifestarem-se de maneira pacífica, sugerindo que o ataque poderia ter sido levado a cabo por elementos externos com o objectivo de fomentar divisões internas no Líbano.
Independentemente de o ataque ter sido levado a cabo por manifestantes ou provocadores, é obviamente mais que natural que a população xiita do Líbano sinta frustração e revolta contra o seu exército e a UNIFIL. Foi a população xiita a que pagou o maior preço nesta guerra, em sangue e em destruição, sem qualquer protecção por parte do estado e do exército – e está agora, mais uma vez, a ser marginalizada pelo seu governo.
Nem a UNIFIL nem o exército libanês enfrentaram o exército sionista uma única vez, não intervindo na guerra excepto para evacuar civis de aldeias e vilas e, assim, abrir caminho às forças da ocupação.
Provocações do exército libanês e da UNIFIL
Nos dois primeiros dias, os protestos foram espontâneos. No dia seguinte, sábado, foi o Hezbollah que convocou um protesto, novamente nos acessos ao aeroporto, para “condenar a interferência israelita, que dita condições e viola a soberania nacional”.
O protesto, que tinha sido coordenado com as autoridades, foi pacífico e estava programado para durar apenas uma hora. Por alguma razão, veículos da UNIFIL decidiram, nessa precisa hora, usar o acesso ocupado pelo protesto para se deslocar até ao aeroporto – provavelmente para tentar provocar mais tensões. Os manifestantes, no entanto, abriram caminho e deixaram passar os veículos pelo meio do protesto.
No palco, Mahmoud Qamati, vice-presidente do Conselho Político do Hezbollah, reiterou a posição da resistência libanesa:
Não aceitaremos que esta pátria caia nas mãos da América e de israel. A decisão do Estado libanês é um insulto ao Líbano, à sua soberania e à sua dignidade.
A resistência está presente com o seu povo e os seus combatentes no terreno, e não se renderá. A resistência enfrentará os ditames americanos e israelitas.
No entanto, enquanto Mahmoud Qamati ainda discursava, o exército libanês começou a disparar gás lacrimogéneo. Desde um viaduto, um grupo de soldados libaneses atirava pedras contra os manifestantes. Seguiram-se mais cargas, bastonadas e detenções.
As cenas do passado sábado são remanescentes da repressão violenta de um protesto do Hezbollah no mesmo local, em 1993, em que 7 homens e 2 mulheres foram mortos pelo exército libanês, e dezenas ficaram feridos. Desta vez, não houve mortos, mas a repressão deixou muitos dos presentes feridos.
Crise diplomática
Em paralelo, desenrolava-se uma crise diplomática entre o Irão e o Líbano. Ainda na quinta-feira, horas depois da decisão ser conhecida, o governo libanês anunciou que ia enviar um avião a Teerão para ir buscar os cidadãos libaneses aí retidos. No entanto, o Irão recusou autorizar a entrada de aviões libaneses no seu espaço aéreo enquanto aviões iranianos continuarem banidos de entrar no Líbano.
No dia seguinte, o embaixador iraniano no Líbano afirmou:
Estamos abertos ao pedido do governo [libanês], na condição de que não sejam colocados obstáculos aos voos iranianos. Estamos empenhados em repor os voos iranianos e libaneses à sua situação anterior.
Na segunda-feira, o governo libanês aprovou uma extensão da proibição dos voos iranianos, aprofundando a crise diplomática entre os dois países.
Humilhados no regresso
Os passageiros retidos em Teerão aterraram na quinta-feira em Beirut, vindos do Iraque. Desde a capital iraniana, os cidadãos libaneses voaram para Bagdade, onde deveriam ter regressado ao Líbano em voos da companhia libanesa Middle East Airlines. No entanto, a MEA recusou-se a permitir o transporte das bagagens dos passageiros.
No final, depois de uma semana a ser humilhados pelo seu governo, os passageiros acabaram por regressar ao seu país num voo organizado pelo governo iraquiano, que permitiu que transportassem consigo a quantidade de bagagem que quisessem, sem restrições de peso.
À chegada ao aeroporto de Beirut, forças de segurança libanesas atacaram verbalmente os passageiros e exigiram a uma mulher que guardasse uma foto de Hassan Nasrallah que trazia na mão. Um vídeo gravado por um dos presentes mostra a mulher a responder:
Não demos sangue por este país para que nos digam para sair – somos nós que estamos aqui [de pé], não vocês. Saiam daqui. Todos os que aceitam os ditames dos EUA e de “Israel”, vão-se embora! Este não é o vosso país.
Quem não gosta dele [Nasrallah] pode imigrar. Este é o nosso país, e aqueles que não gostam dele podem imigrar!
A diversidade política e religiosa e o estado do Líbano
Para compreender estes eventos, e os acontecimentos dos últimos meses no Líbano, é preciso ter presente que a sociedade libanesa tem uma grande diversidade étnica, política e religiosa, com mais de duas dezenas de partidos com representação parlamentar. Metade dos lugares no parlamento estão reservados a deputados cristãos, com a outra metade reservada para as diferentes correntes muçulmanas e os druze.

O Hezbollah é o maior partido libanês. O Hezbollah, o movimento Amal e os seus aliados obtiveram cerca de 40% dos votos nas últimas duas eleições legislativas, conquistando todos os assentos reservados para deputados xiitas, bem como lugares sunitas, gregos católicos e maronitas. O Movimento Patriótico Livre, actualmente o segundo partido cristão mais votado, tem historicamente uma posição pró-resistência, e forma, junto com o Hezbollah e os restantes aliados, a Aliança 8 de Março, que controla 61 dos 128 lugares do parlamento libanês.
Enquanto as zonas xiitas são controladas pelo Hezbollah e o Amal, a cena política no seio das outras comunidades é muito mais complexa, com muitos partidos – alguns deles, abertamente pró-Ocidente, fazem o trabalho sujo do Império e do regime sionista dentro do Líbano.
De entre eles destacam-se o Forças Libanesas, actualmente o maior partido cristão no parlamento libanês, e o Partido Falangista (onde é que já ouvimos este nome?). Ambos são forças conservadoras de direita que, durante a guerra civil libanesa, cometeram múltiplos massacres em que mataram milhares de palestinianos, druzes e libaneses muçulmanos.

Nos últimos anos, apesar de historicamente ter tido boas relações com o Hezbollah, o Partido Socialista Progressista, o maior partido druze, também se juntou de forma cada vez mais aberta ao campo imperialista da cena política libanesa.
Um delicado equilíbrio ameaçado pelas aventuras do Império
Desde o final da guerra civil libanesa, o Acordo de Taif estabeleceu um delicado equilíbrio na cena política em Beirut, reservando o cargo de presidente para os cristãos, o de primeiro-ministro para os sunitas e o de presidente do parlamento para os xiitas. A cena política libanesa, altamente fracturada, produziu um delicado equilíbrio em que as diferentes forças têm de cooperar e dialogar, sendo o governo por regra composto por ministros de diferentes grupos religiosos e políticos. Desde 2005, todos os governos libaneses tiveram ministros do Hezbollah e do Amal.
Com a escalada da agressão israelita contra o Líbano, em Setembro, várias forças libanesas pró-Ocidentais têm tentado aproveitar a situação para, enquanto o Hezbollah está ocupado a confrontar o inimigo, desferir golpes contra este a nível interno.
Os media controlados por estas forças construíram uma campanha de propaganda em que atribuíam a culpa da presente guerra ao Hezbollah, tentando virar a população libanesa contra a única razão pela qual grande parte do Líbano não está hoje sob ocupação israelita. Para além disso, defendiam o abandono de Gaza e incitavam às tensões sectárias, enquanto figuras públicas expressavam abertamente esperança de que o regime sionista fosse bem sucedido em erradicar a resistência libanesa.
Ao longo deste processo, até forças que historicamente tinham boas relações com o Hezbollah, como o Movimento Livre Patriótico, começaram a ter posições cada vez mais ambíguas.
Com a entrada em vigor do cessar-fogo, no final de Novembro, o Império e os seus proxies concentraram todos os seus esforços em tentar isolar políticamente o Hezbollah e eleger novas estruturas de governo que o excluíssem.
A eleição presidencial
O primeiro passo seria eleger um novo presidente. No Líbano, o presidente não é eleito por sufrágio directo, mas pelo parlamento, e o lugar estava vazio desde 2022 devido à incapacidade das diferentes forças políticas chegarem a acordo, apesar de mais de 30 votações terem tido lugar. A eleição presidencial foi marcada para 9 de Janeiro.
Nas semanas que antecederam as eleições, enviados dos EUA, de França, da Arábia Saudita e do Qatar tiveram uma agenda preenchidíssima, com reuniões regulares com diferentes forças políticas em busca de uma figura que servisse os seus interesses e pudesse obter os vossos necessários no parlamento.
À medida que nomes iam sendo apresentados como possíveis candidatos, cada um destes 4 países que actuaram como potências coloniais do Líbano comunicava publicamente o seu aval ou a sua rejeição.
Esta foi, provavelmente, a eleição presidencial mais surreal a que o mundo assistiu na História recente, com deputados a exigir a potências estrangeiras para lhes darem um nome em quem votar, e outros a anunciar abertamente que trocariam o seu voto por centenas de milhares de dólares ou até, num caso, por cidadania norte-americana.
A tentativa de encontrar um candidato do campo imperialista e hostil ao Hezbollah, que reunisse o apoio tanto das várias potências como de um número suficiente de deputados para garantir a sua eleição, saiu frustrado. Com o aproximar do dia da votação, o processo parecia ter chegado a um impasse e o Líbano arriscava-se a continuar sem presidente.
As várias potências acabaram por concordar num candidato: o general Joseph Aoun. Desde o início, Aoun não era o favorito da resistência, mas era um nome que o Hezbollah não recusava pois, apesar de este ter boas relações com os americanos, não tinha uma posição hostil à resistência e aos xiitas, sendo visto como uma figura com quem seria possível dialogar.

A 9 de Janeiro, depois de uma primeira volta em que não conseguiu os votos necessários, Joseph Aoun foi eleito presidente do Líbano com os votos do Hezbollah e dos seus aliados, numa mensagem clara de que a resistência não pode ser isolada ou ignorada.
Aoun terá prometido ao Hezbollah e ao Amal continuar no rumo da cooperação e não alienar as forças e a população xiita das instituições de governo do Líbano. No entanto, chegado o momento de eleger o primeiro-ministro que lideraria o próximo governo libanês, o Hezbollah foi deixado de parte, num primeiro sinal de que as promessas de Aoun não iam ser cumpridas.
Nawaf Salam e o novo governo do Líbano
A interferência estrangeira voltou a dominar a escolha do novo primeiro-ministo. A 13 de Janeiro, o presidente libanês nomeou Nawaf Salam, um juiz então presidente do Tribunal Internacional de Justiça, depois de este conseguir os apoio de 85 deputados. Salam residia na Holanda e era uma figura há muito ausente da cena política libanesa.

Em reacção, o grupo parlamentar do Hezbollah afirmou que “mais uma vez, há quem esteja a contar com um desmantelamento, uma fragmentação e uma exclusão deliberadas e maliciosas contra nós”.
De seguida, Salam tentou excluir o Hezbollah e o Amal do novo governo e, assim, destruir o delicado equilíbrio que rege as instituições libanesas. Um governo sem a participação destas duas forças, que controlam todos os deputados xiitas do parlamento, seria inédito e careceria de qualquer legitimidade ao marginalizar mais de um terço da população libanesa.
No entanto, mais uma vez, os sonhos do campo imperialista não se concretizaram. No final, o Hezbollah e o Amal acabaram por nomear 5 ministros, o mesmo número que tinham no anterior governo.
A “Síria Livre”, mais um tentáculo do Império
Há duas semanas, combatentes das HTS mobilizaram-se para a fronteira com a região de Hermel, uma zona de maioria xiita no norte do Líbano, e iniciaram confrontos contra os clãs libaneses locais. Os confrontos arrastaram-se ao longo de vários dias, com os terroristas das HTS a disparar rockets contra território libanês enquanto cometiam massacres contra a população xiita do lado sírio da fronteira.
Durante os confrontos, a força aérea israelita levou a cabo bombardeamentos em Hermel, naquilo que é tudo menos uma coincidência. Afinal, desde a tomada de Damasco pelas HTS, o regime sionista expandiu a sua ocupação dos Montes Golan e do sul da Síria sem que os “rebeldes” que “libertaram a Síria” tenham oferecido qualquer resistência.
O facto de estas forças terem decidido atacar o Líbano antes de defenderem o seu próprio território deve deixar claro, para quem ainda tinha dúvidas, que as HTS são apenas mais um dos tentáculos do Império na região, usado de forma oportuna para colocar pressão sobre o Hezbollah no norte do Líbano enquanto o regime sionista continua a sua ocupação no sul.
Quando tudo o resto falha…
Nos dois meses de guerra aberta, o regime sionista mobilizou dezenas de milhares de soldados que, com o apoio de tanques, aviões e drones, não conseguiram avançar, na maior parte da frente de batalha, mais do que 1 ou 2 quilómetros. Milhares de bombardeamentos não impediram o Hezbollah de continuar a disparar diariamente, até à entrada em vigor do cessar-fogo, centenas de rockets e mísseis.
Após o início do “cessar-fogo”, os EUA afirmaram repetidamente que o apoio internacional ao Líbano, e à sua reconstrução, dependia do corte de relações com o Irão e do isolamento interno do Hezbollah. Enquanto isso, as forças israelitas continuaram a demolir casas, destruir infraestruturas, matar, ferir e raptar civis, e a levar a cabo bombardeamentos de norte a sul do Líbano.
Apesar de todas as pressões, o Império não conseguiu a eleição de um presidente abertamente hostil ao Hezbollah, e o campo imperialista do parlamento libanês não conseguiu excluir a resistência do novo governo.
Restava ao Império tentar provocar um conflito interno no Líbano. A proibição da entrada de voos civis iranianos no Líbano teve como objectivo, mais do que cortar as ligações aéreas entre os dois países, ser o rastilho que desencadeia esse conflito. As imagens de soldados libaneses a atirar pedras sobre a manifestação pacífica convocada pelo Hezbollah dissiparam quaisquer dúvidas.
A questão é: porquê agora?
O funeral do Mestre dos Mártires
O funeral de Sayyed Hassan Nasrallah está marcado para amanhã, 23 de Fevereiro, e espera-se que centenas de milhares de pessoas encham as ruas de Beirut. Nasrallah, brutalmente assassinado em Setembro, dedicou a sua vida à resistência e ao seu povo. Foi sob a sua liderança que o Hezbollah se tornou a força que temos hoje, capaz de enfrentar uma brutal campanha que teria feito colapsar qualquer exército convencional.
Nasrallah era conhecido não só por ser culto e sábio, mas também pelo seu humanismo e sentido de humor. Mais do que um secretário-geral, a população xiita via em Nasrallah uma figura paterna, e a forma como sempre escolheu o diálogo como forma de evitar conflitos internos valeu-lhe um respeito que transcende as divisões políticas e religiosas. Quando a sua morte foi anunciada, as ruas de Beirut encheram-se dos prantos de um povo que ficou orfão.
O seu funeral será não só uma demonstração da força da resistência e do seu amplo apoio, mas a tão esperada homenagem àquele que chamam Mestre dos Mártires.
Após os eventos em torno do protesto do Hezbollah no passado sábado, a resistência decidiu recuar e não alimentar as tensões internas que alguns esperavam que se tornassem um conflito de maior escala. Desde aí, não houve mais protestos no aeroporto de Beirut, da mesma maneira que o Hezbollah não retaliou contra as constantes violações israelitas do cessar-fogo.
A razão (ou uma das razões) é simples: a resistência está determinada a dar a Nasrallah um funeral digno da sua estatura, e não quer dar nenhum trunfo às forças que estão a fazer tudo para o perturbar.
Ocidente, o bastião da hipocrisia
Os media e as forças pró-ocidentais do Líbano alimentam uma inexplicável histeria em torno de dinheiro alegadamente enviado pelo Irão para o Hezbollah, que seria destinado em parte à reconstrução daquilo que foi destruído, em parte ao rearmamento da resistência. Enquanto isso, as potências ocidentais têm pistas de aterragem nas suas embaixadas em Beirut, por onde se suspeita que nos últimos meses tenham entrado no país, sem qualquer controlo por parte das autoridades libanesas, armas destinadas aos oponentes do Hezbollah. Os EUA, os maiores patrocinadores do regime sionista, estão a construir no Líbano a sua segunda maior “embaixada” do mundo, que vai ocupar uma área com 17 hectares.
O governo libanês, arriscando um conflito interno, preferiu acatar as ordens do Império e acabar com as ligações aéreas para o Irão, tudo em nome da “estabilidade” e de continuar nas boas graças de Washington. Na sociedade libanesa, há quem ache que a resistência é a única resposta à ocupação, à interferência e à agressão do Império e do seu projecto sionista, enquanto outros acham que o caminho deve ser feito em estreita cooperação com as mesmas potências que forneceram ao regime sionista as bombas que destruíram o Líbano, bem como a cobertura diplomática que garante a sua impunidade.
No entanto, o Império e os seus lacaios esquecem-se que a força do Hezbollah não vem do Irão, nem vinha da Síria – mas do enorme apoio popular que tem por ter mostrado, uma e outra vez, que é a única força capaz de defender o Líbano da barbárie sionista.
Amanhã, as ruas de Beirut vão mostrar a força da resistência e a sua determinação em continuar no caminho traçado por Sayyed Hassen Nasrallah.