Índia e Paquistão, duas potências nucleares em guerra~ 15 min

Por F
Na madrugada de quarta-feira, no seguimento de várias semanas de retórica belicista por parte do governo e dos media indianos, a Índia lançou mísseis balísticos contra o Paquistão, reacendendo um conflito com consequências imprevisíveis.
Imediatamente após o lançamento dos mísseis, o Ministério da Defesa indiano publicou um comunicado a anunciar a “Operação Sindoor”, no qual afirma que os ataques eram “de natureza não escalatória” e que “não foram visadas quaisquer instalações militares paquistanesas”, mas “campos” e “infraestruturas terroristas”.
Mísseis indianos atingiram pelo menos 9 pontos nas regiões fronteiriças do Paquistão – com a maioria dos ataques concentrados em cidades ao longo da fronteira com a parte de Caxemira ocupada pela Índia.

Pelo menos três mesquitas foram atingidas por mísseis indianos. A mesquita de Subhan, na cidade de Bahawalpur, foi palco do ataque mais mortífero – segundo um médico de um hospital nas proximidades, citado pela Sky News, 13 pessoas foram mortas no ataque. Entre as vítimas há uma menina de 3 anos.
Um residente de Nangal Sahadan contou à BBC como 4 mísseis indianos atingiram um complexo educacional composto por “uma escola e um colégio para crianças, um hostel e um centro médico”, destruindo uma mesquita no processo.
Residentes de outras cidades afirmam que edifícios residenciais foram danificados, com várias vozes a negar que as mesquitas atacadas tenham qualquer ligação com “terroristas”. Alguns ataques fizeram dezenas de feridos. O artigo da BBC é assinado por um jornalista indiano e uma jornalista paquistanesa que falaram com residentes dos dois lados da fronteira.
Segundo fontes paquistanesas, os ataques indianos mataram pelo menos 26 civis e feriram outros 46.
Pouco depois, o Paquistão respondeu com o lançamento de vários mísseis contra alvos indianos na Caxemira ocupada, entre os quais as bases aéreas de Kargil e Srinagar.
Simultaneamente, o exército paquistanês disparou artilharia contra as forças indianas ao longo da fronteira. A Índia afirma que a artilharia paquistanesa matou 10 civis e feriu outros 48.
No ar, a batalha da madrugada de quarta-feira parece ter sido ganha pelo Paquistão, que afirma ter abatido 5 caças e um drone da Força Aérea Indiana. Jornalistas ocidentais, assim como meios de comunicação indianos, admitiram a perda de várias aeronaves indianas, incluindo pelo menos um caça francês Rafale, enquanto as autoridades indianas não reivindicaram ter abatido uma única aeronave paquistanesa.
Numa tentativa de controlar a narrativa e ocultar as suas perdas, o regime indiano impôs censura sobre os media – e há artigos publicados por jornais indianos nas primeiras horas do conflito que já não estão disponíveis.
“Autodefesa” e “terrorismo”
A Índia usa vários conceitos-chave do guião que o regime sionista popularizou no último ano e meio. Quando o exército paquistanês começou a disparar artilharia na fronteira, depois de mísseis indianos atingirem território paquistanês, a Índia acusou o Paquistão de violar o cessar-fogo em vigor entre os dois países.
Numa mensagem publicada ainda na quarta-feira, o embaixador israelita na Índia afirmou que “israel apoia o direito da Índia à autodefesa” e que “os terroristas devem saber que não há lugar para se esconderem dos seus crimes hediondos contra os inocentes”.
Depois de ano e meio deste tipo de declarações repetidas pelos propagandistas sionistas e ocidentais, as declarações do embaixador israelita deviam ser suficientes para perceber o que se passa entre a Índia e o Paquistão – exactamente o oposto do que ele diz.
É também a normalização da barbárie sionista que abre espaço às forças armadas de outros países para lançar um ataque contra um país vizinho e anunciar abertamente que “nenhum alvo militar foi atingido”. Como é que agora alguém vai pedir contas à Índia por atacar alvos civis, quando o regime sionista continua impune enquanto comete um Holocausto à frente do mundo inteiro?
As posições da Índia e do Paquistão no mundo
Apesar de fazer parte dos BRICS, a Índia é a potência emergente que tem relações mais estreitas com o Ocidente. A hostilidade da Índia para com a China levou-a a desenvolver uma extensa cooperação militar com os EUA e outras potências militares ocidentais, como França, e com estados alinhados com o Império na região – como o regime sionista e os Emirados Árabes Unidos.
A Índia e os EUA vão assinar este ano um novo acordo de cooperação na área da defesa, que estará em vigor durante os próximos 10 anos – com JD Vance a reiterar a importância desta parceria durante a sua recente visita à Índia, que teve início a 21 de Abril, a véspera do “ataque terrorista” de Pahalgam.
Na semana que antecedeu a visita de JD Vance, pelo menos dois C-17 Globemasters norte-americanos, os maiores aviões de transporte militar do mundo, aterraram no aeroporto internacional de Jaipur, a capital do Rajastão – um estado indiano que faz fronteira com o Paquistão e que JD Vance também visitou. Segundo o The New Indian Express, “fontes sugerem que estes aviões entregaram equipamento técnico e de segurança provavelmente destinado a ser utilizado durante a visita do Vice-Presidente”.
No entanto, vários utilizadores e analistas militares monitorizaram dezenas de C-17 norte-americanos a aterrar na Índia durante o mês de Abril. Embora não seja possível afirmá-lo com certeza, a frequência de voos militares norte-americanos nas últimas semanas parece sugerir que o Império deu à Índia não só o seu aval para uma ofensiva contra o Paquistão, mas também apoio material.
Já no início de Março, a Força Aérea indiana tinha, pela primeira vez, aterrado com sucesso um dos seus C-17 Globemasters na Base Aérea de Kargil, a menos de 20 km da linha de contacto com a Caxemira sob administração paquistanesa.
Por outro lado, o Paquistão, considerado pela Índia como seu arqui-inimigo, é um aliado da China, com quem tem amplas relações económicas e militares, e faz parte da Belt and Road Initiative – uma iniciativa chinesa de infraestrutura logística e de transportes que pretende ligar as principais economias do Sul Global e que conta já com mais de 140 países parceiros.
É ainda através do Paquistão que a economia chinesa tem acesso ao Oceano Índico. Para além disso, o país faz fronteira com o Irão – factores que o tornam um alvo ainda mais apetecível para o Império, que tem um longo historial de provocar instabilidade no país.
Pahalgam: mais uma falsa bandeira
O “ataque terrorista” de Pahalgam foi o pretexto usado pela Índia para iniciar a presente ofensiva contra o Paquistão. Este ataque teve lugar a 22 de Abril e deixou 26 pessoas mortas num parque turístico num vale da Caxemira ocupada pela Índia. A maioria eram turistas hindus, mas entre as vítimas encontram-se também um muçulmano e um cristão.
Enquanto jornalistas, muitas vezes é difícil ter certezas sobre eventos a milhares de quilómetros de distância – afinal, na era de informação, o que não falta é desinformação. No entanto, não é difícil perceber quando as histórias estão mal contadas.
O regime de Modi mantém mais de 700 mil soldados indianos estacionados na Caxemira ocupada, e há checkpoints por todo o lado – onde a população local, muçulmana, é diariamente assediada e sujeita a revistas humilhantes. Ainda assim, segundo a narrativa indiana, os “terroristas” arranjaram maneira de regressar de Pahalgam ao Paquistão – um percurso de cerca de 200 km – sem serem interceptados.
Numa das zonas mais militarizadas do mundo, a polícia e o exército demoraram mais de uma hora a chegar ao local – onde, convenientemente, não havia qualquer circuito de videovigilância nem estavam presentes, no momento do ataque, quaisquer forças de segurança.
No entanto, em poucas horas, a Índia divulgou fotos dos supostos atacantes e atribuiu imediatamente a responsabilidade ao Paquistão. O Paquistão negou qualquer envolvimento no ataque e pediu à Índia que apresentasse provas que sustentassem as suas acusações, coisa que nunca aconteceu.
Desde então, numa campanha concertada entre o regime de Modi e os media indianos, começaram a rufar os tambores da guerra. Ao mesmo tempo, o ataque é mais lenha para alimentar a fogueira do nacionalismo hindutva, conhecido pela sua violência étnica contra as populações muçulmanas da própria Índia.
Este documentário, publicado pelos Serviços de Relações Públicas das Forças Armadas do Paquistão, debruça-se sobre as inconsistências da narrativa indiana acerca do ataque e da cobertura mediática. Em 21 minutos, o documentário apresenta também trechos de intervenções de vozes críticas na Índia – sobre tanto o ataque como o histórico de utilização deste tipo de ataques pelo BJP, o partido de Modi, para galvanizar a sua base de apoio –, assim como relatos de testemunhas e familiares de vítimas do ataque de Pahalgam e de vítimas da violência colonial imposta pela Índia no quotidiano da população de Caxemira.
«Fizemos o trabalho sujo dos EUA durante 3 décadas»
A 24 de Abril, numa entrevista esclarecedora à Sky News, o ministro da defesa paquistanês Khawaja Asif desconstruiu de forma ágil a lógica retorcida com que a “jornalista” Yalda Hakim tentava atribuir a responsabilidade pelo ataque de Pahalgam ao Paquistão, aludindo à sua longa história de apoio a grupos terroristas:
Asif: É muito conveniente para as grandes potências culpar o Paquistão por o que quer que aconteça nesta região. Quando estávamos a travar guerras ao seu lado, nos anos 80, contra a União Soviética, todos estes terroristas de hoje jantavam em restaurantes de luxo em Washington. (…) Penso que os nossos governos cometeram um erro nessa altura.
Hakim: Quando diz que cometeram um erro, está a referir-se ao facto de terem apoiado organizações terroristas e de as terem utilizado como proxies?Asif: Não, também estavam a ser utilizados como proxies pelos Estados Unidos. (…) Andámos a fazer este trabalho sujo para os Estados Unidos durante três décadas – e para o Ocidente, incluindo a Grã-Bretanha. Foi um erro, e sofremos por isso, e é por esse motivo que me está a dizer isto – se não tivéssemos entrado na guerra contra a União Soviética e, mais tarde, na guerra após o 11 de setembro, o historial do Paquistão seria irrepreensível.
Khawaja Asif enumerou ainda alguns exemplos de “atentados” que ocorreram na Ìndia e que, sem nunca serem apresentadas provas, foram atribuídos ao Paquistão ou a grupos desconhecidos.
O nosso governo condenou categoricamente [o ataque] (…) O terrorismo em todas as suas formas é algo que deve ser condenado da forma mais veemente possível. (…)
Mas isto é uma espécie de padrão que está a acontecer na Índia…. Quando o Presidente Clinton lá foi, houve um ataque terrorista em [Chittisinghpura], em que 40 ou 44 morreram, e a culpa foi atribuída a uma organização desconhecida (…) Desta vez, as pessoas que estão a ser acusadas [também] não são conhecidas, nunca se ouviu falar delas. (…)
Isto também já aconteceu antes [em] Pulwama (…) O Paquistão não teve nada que ver com Pulwama. (…) A Índia nunca apresentou nenhuma prova para estes incidentes em Caxemira. Nenhuma prova. Nos últimos 10 a 15 anos, houve três ou quatro incidentes, mas nunca apresentaram quaisquer provas – apenas culparam o Paquistão para criar uma situação em benefício próprio.
Índia e israel: aliados naturais
Algo une o regime sionista e a Índia de Modi como unha com carne: o ódio aos muçulmanos. Tanto um como outro são projectos coloniais etno-nacionalistas que assentam na supremacia de um grupo étnico-religioso sobre os restantes e na utilização de colonos para consolidar o controlo sobre territórios ocupados. Mas as ligações entre a Índia e o regime sionista vão muito além do campo ideológico.
Durante as últimas décadas, Tel Aviv armou o exército indiano até aos dentes com drones, mísseis, radares e tecnologias de vigilância. Entre 2014, quando Modi subiu ao poder, e 2024, a Índia importou 2,9 biliões de dólares em equipamento militar israelia – durante este período, 42% de todas as exportações militares israelitas tiveram como destino a Índia. As armas e os sistemas de vigilância testados nos palestinianos são usados pelo regime de Modi contra a população de Caxemira.

Depois da primeira noite intensa de conflito, em que ambos os países dispararam mísseis e as forças aéreas se confrontaram no ar, o conflito parece estar a continuar com uma intensidade mais reduzida, com artilharia e armas de fogo a ser usadas ao longo da linha de controlo, mas sem disparos de mísseis nem utilização de aviação.
Na segunda noite do conflito, mais de duas dezenas de drones suicidas Harop foram lançados pela Índia contra o Paquistão – segundo o Paquistão, todos foram interceptados. Não é difícil adivinhar que drones são – isso mesmo, drones israelitas.
Meios de comunicação indianos gabam-se abertamente de ter sido usado armamento israelita nesta “Operação Sindoor”. Os drones suicidas Harop, produzidos pela Israeli Aerospace Industries, são particularmente conhecidos pela sua capacidade de atacar sistemas de defesas aéreas, e estão equipados com um míssil que pode ser disparado autonomamente.
O genocídio em Gaza, um modelo para o mundo
Os drones Harop foram usados pelo Azerbaijão nas últimas 3 guerras do Nagorno-Karabakh – a última das quais, meras semanas antes do 7 de Outubro, terminou com a completa limpeza étnica da população nativa arménia do território entretanto anexado pelo regime azeri. Estes mesmos drones foram também usados pelos “rebeldes” de Jolani contra as Forças Armadas Sírias na ofensiva que derrubou o “regime de Assad” e instaurou no poder os “jihadistas pró-diversidade” que agora popularizam as limpezas étnicas, os massacres, as burcas, os raptos e a escravatura sexual na nova “Síria Livre”.
Como vinhamos avisando, face à falta de uma resistência significativa à barbárie sionista e sua consequente normalização, o modelo do genocídio em Gaza será exportado para regimes supremacistas no resto do mundo.
Um vídeo publicado pela página Eye on Kashmir denúncia «uma vaga de líderes e comunidades indianas e hindus que apoiam abordar Caxemira ao estilo israelita» e mostra imagens de um manifestante indiano a afirmar, durante protestos recentes, que «se há alguma solução para Caxemira, o que israel fez aos palestinianos é a solução». Outro vídeo mostra um indiano a dizer que «se o povo de israel o pode fazer, nós também podemos».
Um futuro imprevisível
O primeiro-ministro paquistanês afirmou que os eventos da madrugada de quarta-feira “foram apenas autodefesa”, não parte da retaliação ao ataque lançado pela Índia, que ainda está por vir.
Nas últimas semanas, o Paquistão manteve uma postura responsável, apelando à Índia para que não desse início a um confronto imprevisível entre as duas potências nucleares, mas afirmando-se pronto para enfrentar qualquer ataque. Horas antes do lançamento dos primeiros mísseis indianos, oficiais paquistaneses anunciaram ter informações credíveis de um ataque iminente.
Durante as semanas anteriores, a Índia já tinha revogado vistos aos cidadãos paquistaneses em território indiano, suspendido o Tratado das Águas do Indus, assinado em 1960, e ameaçado fechar a torneira dos rios que correm da Índia para o Paquistão.
No entanto, não será surpresa se, por cá, os media regurgitarem narrativas favoráveis à Índia, um aliado precioso do Império na guerra contra “os bárbaros dos muçulmanos”, fundamentalistas e que não respeitam os direitos das mulheres – mas é na Índia que ainda subsiste o mais bizarro exemplo de uma sociedade de castas, que a violação faz parte da cultura e que miúdas pequenas são forçadas a casar com velhos rebarbados.