Propagandistas não querem trabalhar: sobre a greve dos jornalistas~ 4 min

Por Guilhotina.info

Quinta-feira houve greve de jornalistas. Uma greve em reacção à precariedade que se abate sobre os e as jornalistas em Portugal.

Enquanto isso, o maior crime da História está a ser cometido por um aliado do Ocidente, com o apoio da União Europeia e da NATO, aos olhos de todo o mundo.

No entanto, ao abrir um qualquer jornal ou ligar um qualquer canal de televisão, continuamos a ver apenas notícias sobre uma “Guerra Israel-Hamas”, constantes referências ao 7 de Outubro e repetições da propaganda vomitada pelo regime israelita. As referências aos mais de 130 jornalistas palestinianos mortos são raras e secas, apresentadas como mais um dado estatístico que não provoca qualquer indignação ou solidariedade.

As linhas editoriais são definidas pelas direcções, é certo, mas a ausência de manifestações de solidariedade por parte dos jornalistas é gritante.

A classe dos jornalistas denuncia a sua precariedade, e vai à luta, mas não denuncia o genocídio que se abate sobre a população da Faixa de Gaza, nem mostra solidariedade para com os jornalistas que estão a ser exterminados por Israel.

O jornalismo que é necessário fazer num momento como este não é feito nas televisões nem nas redacções, mas por grupos de meia dúzia de pessoas (ou nem isso) que gerem sites e páginas nas redes sociais, como a @palestinaemportugues, o @libertacaopalestina, a @pusp.palestina e vários outros grupos que se formaram em várias partes da geografia portuguesa. Pessoas sem recursos, sem receber salários e sem acreditação de jornalistas, como é o caso também da maioria das pessoas que fazemos parte dos projectos de jornalismo independente que ainda resistem, tanto em formato virtual como em papel.

Embora normalmente não o façam, a Guerra do Vietname mostrou como os jornalistas podem ter um papel fundamental na denúncia de crimes de guerra e na construção de uma opinião pública informada e crítica do militarismo que force governos a acabar com a guerra. Hoje, os nossos jornalistas só falam das atrocidades cometidas por Israel quando o ruído gerado nas redes sociais é demasiado grande para poder ser ignorado.

Quando vêem a sua própria existência ameaçada, percebem que vão precisar de lutar, e que precisam de solidariedade. Então porque não se mostram solidários com os seus colegas que vivem sob uma ameaça incomensuravelmente maior?

Os jornalistas, como o resto da sociedade, resignam-se à inacção, imersos na crença de que são impotentes, apesar de serem eles que montam os jornais, que preparam os noticiários, que fazem toda a máquina mediática funcionar.

O Genocídio em Gaza vai ficar para a História como um dos eventos mais marcantes do século XXI, e as suas repercussões na ordem internacional marcarão o curso das próximas décadas. A normalização do nível de brutalidade não abona nada de bom para as guerras que veremos eclodir nos próximos tempos, e a cumplicidade da maior parte das nações e sociedades ocidentais só acelera o processo de colapso do Império Ocidental e do seu lugar no mundo.

Enquanto o Sul Global clama a uma só voz pelo fim do genocídio, as organizações internacionais denunciam o apartheid e a ocupação, e os tribunais internacionais julgam os crimes de Israel, “genocídio”, “apartheid” e “ocupação” continuam ausentes do léxico usado pelos nossos jornalistas.

O “jornalismo” ocidental vai ser lembrado pela História como um dos principais agentes que contribuiram para a execução deste genocídio. Sem a colaboração da maioria dos jornalistas portugueses – e ocidentais, no geral –, seria impossível conter a indignação da opinião pública face à quantidade infinita de atrocidades cometidas por Israel nos últimos 5 meses, já para não falar dos últimos 75 anos.

O jornalismo português, no entanto, não morreu em 2024 nem em 2023, já tinha morrido quando, durante mais de uma década, decidiu guardar silêncio sobre a tortura e morte lenta em isolamento de Julian Assange pelo simples facto de ter exposto os crimes do Império; quando não reserva uma única palavra de solidariedade para com o jornalista basco Pablo Gonzalez, encarcerado há dois anos na Polónia pelo simples facto de não servir a narrativa ocidental sobre a guerra na Ucrânia; quando, nos tempos da troika, descredibilizava as nossas manifestações “ilegais”, mas agora, quando a polícia sai à rua, diz que são “manifestações espontâneas”.

Perante tudo isto, ressalvando as muito raras excepções, achamos que os jornalistas portugueses merecem tanta solidariedade como a que estão a mostrar para com os palestinianos.

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