Síria // As fontes de mentiras – Dois exemplos de “gente séria”~ 7 min
Segunda parte de artigo sobre manipulação da informação ao nível das fontes. Primeira parte aqui.
Por Duarte Guerreiro e Nguyen.
O que torna uma fonte “séria”
Uma vez que escasseiam os jornalistas ocidentais, quem foram as fontes constantemente citadas pela mui nobre e mui isenta imprensa corporativa ocidental? De onde vieram as notícias e outras histórias do conflito na Síria, tão propagadas nos noticiários? Analisemos dois dos principais exemplos.
Como já por nós abordado, o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) tem sido a principal fonte quando é preciso apresentar números de baixas; mortos civis; o estado de saúde de comandantes da al-Nusra e outros grupos jihadistas; uso de “bombas barril” e alegado uso de armas químicas pelo exército Sírio. O mesmo não se pode dizer quando é preciso relatar atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico ou al-Nusra.
O nome pomposo não esconde o facto de isto ser um colectivo de um homem só, Rami Abdulrahman, a única fonte de muitas notícias e propaganda jihadista, estando activo 24 horas por dia, 7 dias por semana a partir da sua base em Coventry.
Jornalistas ocidentais e meios de comunicação pró-jihadistas anti-Assad descrevem Rami como um homem sempre online e ao telefone com os seus contactos na Síria, deixando para segundo plano a sua família. Como consegue Rami fazer face aos custos das chamadas internacionais e da internet, se não trabalha? Alegadamente é dono de duas lojas de roupa que lhe permitem passar todo o seu tempo acordado ao telefone com os seus amiguinhos jihadistas. Mas a realidade é que em 2012 Rami já tinha recebido aproximadamente £195.000 do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha, número que foi confirmado pelo governo Britânico, assim como donativos sob a forma de telefones, computadores e material. Este apoio financeiro, e a influência do governo Britânico, ajudaram uma organização praticamente desconhecida a tornar-se na fonte a que todos os serviços de notícias pró-ocidentais e pró-jihadistas recorrem.
Ao mesmo tempo, os vencedores do Óscar de melhor encenação e ficção, que se faz passar por documentário, os Capacetes Brancos são talvez a história mais escabrosa de pura propaganda pró-intervenção. Um suposto grupo de proteção civil que actua exclusivamente nas zonas controladas pelos jihadistas, incluindo Afrin, depois de invadido pelo exército da Turquia e os seus jihadistas aliados.
Abrimos aqui um parênteses para falar da situação em Afrin – enquanto o OSDH optou por relatar as atrocidades do exército Turco e dos seus jihadistas, os Capacetes Brancos foram incapazes de relatar um único crime do exército Turco, que incluiu a deslocação forçosa de aproximadamente metade da população de Afrin.
São também a segunda grande fonte sobre os crimes do governo Sírio, mas que curiosamente não relatam crimes das inúmeras facções jihadistas, que incluem assassinatos, tortura, violação, escravatura sexual, pedofilia, genocídio, etc. O grupo “pacifista” nunca se cansou de pedir constantemente mais guerra, ou através da invasão da Síria pelas forças ocidentais, ou através de bombardeamentos ocidentais.
O criador do grupo é James Le Mesurier, antigo oficial do exército Britânico e funcionário de uma empresa de mercenários com sede nos Emirados Árabes Unidos. James recorre à ajuda de um grupo de protecção civil turco, AKUT, para treino, cedência de sede e equipamento, para o seu grupo de propaganda. James recebeu, mais tarde, uma nomeação e louvor do governo Britânico pela criação dos Capacetes Brancos. O grupo recebe dinheiro e apoio de governos ocidentais, monarquias do Golfo, agências e organizações não governamentais, empresas e celebridades. Em 2017, os Capacetes Brancos operavam com um orçamento de $26 milhões.
As relações com a Al-Nusra e acólitos vão ao ponto de celebrarem as suas vitórias em conjunto, auxiliarem nas execuções de prisioneiros e terem membros em comum. Este grupo também nunca teve grandes problemas em falsificar histórias ou exagerar os seus feitos, sempre apoiados pela séria e isenta imprensa corporativa ocidental. Muitas vezes os membros do grupo aparecem a correr com uma criança nos braços, momentos após um bombardeamento; a semelhança entre fotos publicadas não deixou de levantar algumas suspeitas.
Quando os Capacetes Brancos gritaram que tinha acontecido um ataque com armas químicas em Ghoutha Este, a imprensa acreditou. Quando as testemunhas e as provas desmentiram a versão apresentada, a imprensa apressou-se a gritar teoria da conspiração. O simples facto dos Capacetes Brancos resgatarem vítimas de ataques químicos sem qualquer equipamento de protecção devia ser suficiente para levantar dúvidas sobre a versão deste grupo. Se os ataques fossem reais, os membros dos Capacetes Brancos nunca saíram do local vivos ou sem graves lesões e problemas de saúde.
Recentemente foi posta a cereja em cima do bolo que é a mentira dos Capacetes Brancos.
A 22 de Julho o exército de Israel (IDF) entrou na Síria para resgatar entre 400 a 500 membros dos Capacetes Brancos, que foram entregues ao governo da Jordânia. Esta intervenção teve o apoio dos governos dos EUA, Grã-Bretanha, Canadá e França. Estes bravos heróis serão realojados na Alemanha, Canadá e Grã-Bretanha. O exército de Israel não é conhecido pelos seus princípios ou preocupações humanitárias, bem pelo contrário, o que levanta algumas questões em relação aos motivos da operação.
Até 19 de Julho, a zona “rebelde” de Daraa estava sob controlo de grupos afiliados à al-Nusra e do Estado Islâmico. A dia 20, apenas resta o Estado Islâmico, segundo fontes do governo Sírio. A dia 22, a IDF entra numa região totalmente controlada pelo Estado Islâmico e outros jihadistas sem disparar um único tiro e sem qualquer oposição, recolhe centenas de pessoas e prossegue para a Jordânia, mais uma vez sem tiros, sem emboscadas ou desentendimentos. Não é a primeira vez que se toma conhecimento das boas relações entre Israel e os jihadistas.
Enquanto milhares de refugiados são impedidos de entrar no espaço da União Europeia, sendo mantidos em vergonhosos campos de concentração junto às suas fronteiras, este grupo de apoiantes de jihadistas têm direito a asilo expresso. Mesmo os yazidis, que foram vítimas de um conhecido genocídio por parte do Estado Islâmico, estão a ver os seus pedidos de asilo recusados pelo governo britânico. Qual a motivação em salvar os Capacetes Brancos? Preservar futuros agentes? Esconder informações comprometedoras? Sabe-se, por exemplo, que recentemente se descobriu que os jihadistas utilizam armamento feito para a NATO, comprado e oferecido pelas monarquias do Golfo, principalmente pela Arábia Saudita.
Expor as mentiras destas fontes tem consequências. Ser apelidado de agente do Kremlin é a mais comum. Afinal de contas, a Rússia é a causa de todos os males na UE e EUA – especialmente desde que decidiu intervir na Síria. Acusações de ser maluquinho das teorias da conspiração é outra. A censura é mais uma opção, tal como por nós experienciado com uma publicação anterior sobre os Capacetes Brancos, removida pelo Facebook com a desculpa de que era spam.
O caminho da seriedade e respeitabilidade é outro, e passa por aceitar dinheiro de tudo quanto é governo e corporação ocidental para espalhar mentiras absurdas que permitam às maiores máquinas de guerra da história do mundo abater-se sobre milhões de pessoas inocentes para que um trilionário algures engorde a sua conta de banco em mais uns quantos milhares de milhões de dólares a vender armas para partir tudo, cimento para reconstruir o que foi partido e meter o petróleo ao bolso como pagamento. Aí serão muito sérios, muito respeitáveis, citados e louvados, desde os picos dourados do New York Times e Washington Post, aos abismos deprimentes do Expresso e Público.