Espanha // Entrevista a Adrià Carrasco, exilado político independentista catalão~ 9 min
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Nota: A Guilhotina não tem um posicionamento sobre a independência catalã mas, mesmo para quem se coloca contra, esta entrevista é um importante retrato da repressão no Estado Espanhol.
Por Guilhotina.info
Adrià Carrasco é um dos oito independentistas catalães exilados por motivos políticos. Aparte dos outros, ele não era membro do Governo, do Parlamento, ou de qualquer partido. Trata-se do caso de um militante de base, como tantos outros, que se implicou nos Comités de Defesa da República (CDR), uma organização quase espontânea, descentralizada e horizontal que surgiu para defender os centros de votação durante o referendo de autodeterminação celebrado na Catalunha no passado primeiro de Outubro. Depois da jornada eleitoral, o seu papel tem sido o de reivindicar a implementação do resultado e dar apoio às distintas causas anti-repressivas que derivaram da luta. Um caso mais, como o do rapper Valtonyc – também exilado – de repressão contra quem põe o sistema em questão. Na Catalunha, a Plataforma Adri et Volem a Casa dá-lhe apoio. Carrasco responde às perguntas de Guilhotina desde Bruxelas, onde agora reside.
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Quem era Adrià Carrasco antes do exílio?
Era uma pessoa de 26 anos com uma vida bastante normal. Tinha um trabalho estável e estava à procura de um apartamento para tornar-me independente. Militava na Plataforma No Al Pla Caufec-Porta BCN e desde 1 de Outubro de 2017 também no CDR de Esplugues de Llobregat, a minha freguesia. Inquietava-me muito a situação política e social e não estava confortável com ficar de braços cruzados.
Pla Caufec?
É um plano urbanístico que gere [o território] desde o início dos anos 90 e que sempre tem tido muita oposição dos vizinhos e de colectivos ecologistas e sociais. Pretende construir na fronteira de Collserola, o único parque natural que temos em Barcelona, edifícios de luxo de 8 pisos. Também se irá inaugurar um centro comercial, o maior do município, que ameaça acabar com o comércio local e que destruirá a circulação na zona. A junta de freguesia sempre foi cúmplice desta especulação e facilitou os interesses privados antes dos interesses do povo. Não é só um tema ecológico, mas também de como queremos as nossas freguesias e cidades: a favor do capital ou a favor dos cidadãos e dos seus comércios. Na Plataforma No al Pla Caufec-Porta BCN somos um conjunto de vizinhos que nos juntámos para fazer acções contra este projeto e explicar à gente da freguesia que [os interesses financeiros] estão a brincar com o povo a seu bel prazer.
Porque estás em exílio?
Porque decidi não submeter-me à justiça espanhola e a um tribunal que descende diretamente de um tribunal franquista e cuja actuações, sentenças e forma de operar seguem sendo fascistas, ademais de obedecer a uma razão política.
O que são os Comités de Defesa da República (CDR)?
São organizações que se criaram antes do 1 de Outubro, com o objetivo de garantir que o povo catalão pudesse exercer o seu direito ao voto durante o Referendo de Autodeterminação da Catalunha, ante as ameaças, censura e violência exercida pelo Estado Espanhol para impedir o dito referendo. Depois, e com um resultado claramente a favor do SIM à independência, decidimos nos CDR mudar o R de Referendo pelo da República, ao considerar que o resultado da votação era legítima e devia obedecer-se o seu mandato. Os CDR são independentes em cada freguesia, obedecem às decisões de cada assembleia e dispensam líderes.
Que fazias tu ali?
Eu não tinha nenhum papel, simplesmente acudia às mobilizações e acções que os CDR convocavam. Participei em diferentes mobilizações, manifestações, debates, peças, concertos, bloqueios de estrada, etc. A acção pela qual me acusam consistia em abrir as barreiras das portagens para que as pessoas pudessem circular sem ter que pagar. O objetivo era protestar contra o maltrato recebido do Estado Espanhol, reivindicar que estas autoestradas estavam pagas e que não tínhamos porque continuar a pagar a uma empresa a que só lhe interessa o capital, ao mesmo tempo que mostrávamos como queríamos a República: com liberdade de movimento para toda a gente e sem lóbis económicos que condicionem as nossas vidas.
A que horas decidiste escapar? Como conseguiste escapar da Guardia Civil (GC)?
Na madrugada de 10 de Abril de 2018, eu estava a dormir na minha cama quando bateram insistentemente à porta. Levantei-me e vi que a Guardia Civil estava à entrada da casa. Normalmente, quando vão à tua procura, enviam-te uma notificação para te declarares na esquadra. Eu sabia que se aparecessem 15 pessoas com metralhadoras em minha casa, provavelmente a acusação seria de terrorismo. Nesse momento não foi exactamente uma decisão, mas por instinto. Vesti a primeira coisa que encontrei e saí pela varanda. Os 30 segundos que a minha mãe demorou a abrir a porta foi o que me permitiu fugir. O facto de ter sido um instinto não implica que não tivesse sido premeditado. Para mim era claro: se vierem buscar-me, não tinha a intenção de me submeter ao seu sistema judicial fascista e ainda menos deixar que me lixassem.
Qual é a tua actual situação judicial?
As acusações iniciais eram de terrorismo, rebelião e sedição. Há pouco mais de uma semana ficámos a saber que o Tribunal Nacional decidiu retirar-se do caso e transferi-lo para um tribunal comum, neste caso o de Barcelona. Isso significa que as acusações iniciais, ao não serem investigadas no Tribunal Nacional, por enquanto serão descartadas e o tribunal de Barcelona irá investigar alguma suposta desordem pública. O que é que isso significa? Não têm provas para me acusarem de terrorismo. O dia da operação policial (desproporcional) foi mero teatro, uma operação policial que obedece a uma estratégia política com um objetivo claríssimo: semear medo entre as pessoas que lutam e fazer um linchamento público para tentar apaziguar o movimento independentista que vai à rua. Mas saiu-lhes mal…
Há mais pessoas numa situação semelhante à tua?
Sim. No dia em que vieram à minha procura, também foram à procura de uma companheira do CDR Viladecans: Tamara Carrasco. Ela não teve a mesma sorte que eu e desde esse dia que está presa na sua cidade. As medidas cautelares impostas pelo juiz impedem-na de sair de Viladecans e obrigam-na a apresentar-se na esquadra uma vez por semana. É uma aberração. Na Bélgica também está parte da equipa do governo de Carles Puigdemont, incluindo o próprio. O rapper Valtonyc também teve que se exilar por cantar contra a monarquia. É vergonha atrás de vergonha.
Continuas a ser militante à distância?
Faço o que posso mas é muito frustrante para uma pessoa como eu, acostumado a lutar na rua.
Qual pensas ser a tua função agora?
Agora, o meu trabalho concentra-se em denunciar e explicar o que se está a passar em Espanha. Que um rapaz de 26 anos possa ser acusado de terrorismo por tal acção é escandaloso e prova o tipo de justiça podre que temos em Espanha. O facto de eu estar cá fora é incômodo para eles porque sou mais uma prova (na realidade sou o único exilado civil) de que algo está errado em Espanha.
Como é partilhar o exílio com os líderes institucionais do independentismo?
Que haja aqui gente que está numa situação semelhante à tua ajuda bastante. Isso gera uma rede e faz com que não te sintas tão sozinho.
Não te gera contradições militar na mesma causa política que a direita?
Nos CDR há gente de todas as ideologias, pelo que é um trabalho que trazíamos de casa. Diante de nós temos um monstro velho mas forte, e tem de se ter claro que a única opção para vencê-lo é unindo esforços. À parte disso, eu vejo-a como uma oportunidade para que as mentes mais fechadas se dêem conta que a “esquerda mais radical” somos só gente normal que temos bem claro quem é o inimigo e que há que combatê-lo com contundência. É uma oportunidade para “convencer” aos sectores mais conservadores que o objectivo da nossa reivindicação é por fim às desigualdades, discriminações e privilégios econômicos das elites com o objectivo, se me permites a simplicidade, de construir um mundo mais justo.
Que sentido tem que a esquerda se junte a uma reivindicação nacionalista?
Estamos a tomar por garantido que não há patriotas de esquerda. E isso não é assim, existem e são muitos.
Há outro sector (no qual me incluo) que vê a independência como uma ferramenta, uma oportunidade para romper com o regime de 78 e começar de novo. Para mim, esse é o objectivo da independência, e creio que cada vez mais gente o compartilha. Se temos de criar um estado igualmente repressivo, capitalista, e desigual como o que temos agora, para mim, não faz sentido.
Os CDR falam muito de desobediência. O que é que esta palavra representa para ti? Achas que esta é a aposta a seguir pelo independentismo? Porquê?
Representa não submeter-se à força que os corpos da ordem exercem sobre o povo. Significa saltar da varanda quando te vêm buscar. Creio que é a única opção: o Estado Espanhol não vai dar nada oferecido, temos que tomá-lo pelas nossas mãos.
Referente a isto, como analisas as políticas que o actual Governo da Generalitat e os partidos independentistas estão a fazer?
Nos partidos há o risco que o deputado queira manter o seu lugar a todo o custo, e isso é o que se passa na Catalunha. Se alguém pensa que vamos conseguir romper com Espanha sem sacrifícios, está enganado. Mas a “passividade do governo” leva a que a gente pense que igual a eles também não sabem como fazê-lo, e isso é bom, porque a conclusão é que se eles não se movem, o povo é que tem de se mover. E tem que se mover organizadamente e em massa, com objetivos não-simbólicos.
Que podem fazer os movimentos organizados do resto da Europa, e de Portugal em concreto, para dar apoio à vossa causa anti-repressiva?
Difusão, solidariedade, debates nas suas cidades… Ou algo muito mais ambicioso: forçar determinados partidos a pronunciarem-se publicamente contra a injustiça espanhola.