Declarações de emergência climática: mais uma farsa mediática~ 6 min
Por Simone Vieira
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Um pouco por todo o mundo, milhares de estudantes saem à rua em defesa do ambiente e do clima. Exigem uma atuação urgente aos Governos. A crise climática tornou-se tema central de debates políticos e muitas foram as Declarações de Emergência Climática emitidas um pouco por todo o mundo. Um tema de grupos restritos que se transforma agora num tema de massas. O que explica este fenómeno? E qual a relevância destas Declarações de Emergência Climática no combate às alterações climáticas?
Greta Thunberg, uma adolescente de 16 anos, iniciou uma greve solitária em Agosto de 2018. Todas as sexta-feiras, Greta faltava às aulas para se manifestar frente ao parlamento sueco. Quatro meses depois e dada a mediatização do caso, várias localidades de diferentes países começaram a responder aos manifestos de Greta Thunberg com Declarações de Emergência Climática.
Entre Governos, Parlamentos e Conselhos – o equivalente a Câmaras Municipais – 631 localidades em vários países emitiram declarações de emergência climática. Um número que aumenta a cada dia que passa.
A cidade de Darebin, na Austrália, foi das primeiras a lançar-se no tema da emergência climática, ainda em 2016. Seguiu-se o Conselho de Byron Shire, em Outubro de 2018, também na Austrália. Este Conselho declarou emergência climática e defendeu a necessidade de criar programas legislativos direcionados para o cumprimento dos objectivos do Acordo de Paris.
Seguiram-se os EUA e o Canadá. Tanto nos EUA como no Canadá, as declarações espelham o defendido pelo Green New Deal. Este acordo aplica a retórica do “queremos um futuro verde e justo” e dá cobertura à ilusão liberal de que a tecnologia e a electrificação do transporte individual são a chave no combate às alterações climáticas.
No dia 1 de Maio, o Parlamento do Reino Unido aprova uma moção para declarar emergência climática, tornando-se o primeiro Parlamento a fazê-lo. Neste caso, a moção surge após 11 dias de protestos na rua do movimento Extinction Rebellion. País da Revolução Industrial, o Reino Unido segue as políticas de greenwashing do Green New Deal dos EUA: a declaração de emergência climática aprovada no Reino Unido, traça o caminho para uma versão “verde” da Revolução Industrial.
Na Escócia, Nicola Sturgeon, primeira-ministra, fala da declaração como uma “promessa pública” para agir contra o aquecimento global.
O País de Gales também aderiu, com o Governo a declarar emergência climática. Seguiram-se a República da Irlanda, Alemanha, França, Bélgica, Itália, República Checa, Catalunha, Nova Zelândia e Gibraltar. Na Suíça, várias localidades deram também voz à emergência climática, mas várias foram as críticas lançadas sobre a falta de carácter vinculativo e sobre o seu conteúdo retórico.
Declara-se emergência climática, mas não estado de emergência
A emergência climática entrou nos sistemas jurídicos com o intuito de forçar os Governos a considerar o combate às alterações climáticas uma prioridade política. Declarações que, por serem simbólicas, não se sobrepõem à restante legislação, nem criam obrigatoriedade. As atividades que potenciam os fenómenos das alterações climáticas, como a prospeção e exploração de combustíveis fósseis, por exemplo, continuam a não ser restringidas.
As declarações falam de emergência climática e não de estado de emergência, porque assim o assunto teria de ser levado a sério. No enquadramento jurídico português, por exemplo, declarar estado de emergência implica reconhecer que nos encontramos perante uma calamidade pública – artigo 19º, Constituição da República Portuguesa. A opção pelo estado de emergência obriga a que sejam tomadas medidas concretas para repôr as condições que antecederam a calamidade.
Talvez por isto as declarações tenham sido votadas via moção, um instrumento jurídico usado para instigar as instituições públicas a algo. Um documento pouco concreto e que não gera obrigatoriedade.
Percorrendo o conteúdo das declarações, as atividades humanas, numa perspectiva individual, e a tecnologia são o problema. Um problema que leva ao aquecimento global e que ameaça o nosso modo de vida moderno. O investimento económico na adaptação da tecnologia é apontado como solução. Defendem-se políticas que dão primazia ao transporte individual eléctrico e traça-se o caminho para uma economia electrificada, assente nas energias renováveis. Fala-se de grandes perdas económicas e de como a crise climática pode levar-nos ao colapso da economia global. No final, é a economia que precisa de ser salva.
Desconhecem-se a reais implicações destas declarações. Evasivas e inseridas no conceito de soft law – regulação que não vincula por não ser munida de um regime de consequências. Numa repetição da Declaração de Estocolmo, de 1972, ou do mais recente Acordo de Paris, de 2015, estas declarações revestem-se de retórica política. Retórica que teoricamente compromete os Estados, mas que na prática garante apenas que continuaremos em direcção ao colapso ambiental e climático.
Portugal a seguir
Em Portugal, PAN e Bloco de Esquerda foram os primeiros a pronunciar-se pela emergência climática. O ministro do Ambiente não deu importância, defendendo que seria apenas um gesto simbólico. Afirmou também que Portugal, mesmo com duas fábricas de carvão ativas e com o território vendido à indústria dos hidrocarbonetos e dos minérios, faz muito mais do que todos os países que já declararam emergência climática. Portugal criou este ano um Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e um Plano Nacional de Energia e Clima – tão simbólicos como as declarações, por tratarem-se apenas de documentos orientadores, não vinculativos.
No passado dia 7 de Junho, foram a votos dois projectos de resolução. Um do PAN a recomendar que o Governo declare estado de emergência climática. Outro do BE a recomendar o estado de urgência climática. À parte da retórica política, fica por apurar o resultado prático destas votações.