Não abandonaremos as nossas camaradas à fogueira~ 19 min

Enterro de “Abel” Guadalupe Moreno, Nicarágua, Junho de 1979

Por Duarte Guerreiro

Quando foi anunciado o suicídio de Lara Crespo (condolências a quem – de facto – a conheceu), uma transmulher, eu imediatamente pensei “Quanto tempo até culparem publicamente as feministas radicais por isto?”

Só tive de esperar dois dias. Talvez tenha sido menos noutros cantos da Internet, visto que eu procuro activamente evitar um certo activismo estridente de rede social. Dizia uma camarada feminista radical, com palavras mais sensatas que as minhas:

A situação começa a dar medo. Ponderei ficar calada. Mas a responsabilidade de toda feminista é falar quando a regra é calar. O medo sempre foi usado contra nós.

“Quando falamos, temos medo que nossas vozes não sejam ouvidas. Mas quando não falamos, continuamos com medo. Então é melhor falar” – Audre Lorde

Tenho visto os posts, notícias e comentários sobre a morte de Lara nas redes sociais. Não a conheci.

Lamento profundamente a perda de qualquer pessoa levada ao suicídio (suicidada) pela sociedade patriarcal. Esmagada pela rigidez da hierarquia de gênero, pela opressão e rigor dos papeis sexuais. Oprimem. São feitos para oprimir. Gostaria de viver num mundo em que todos fossem livres para se expressar como bem entendem, sem que isso exigisse intervenção médico-cirúrgica, leis proibicionistas ou discursos inflamados religiosos sobre pecado e anormalidade. Gostava que todas as pessoas, de qualquer sexo, fossem livres para ser, vestir, usar, falar, apresentar, amar e sentir como bem entendessem. Esse é o mundo que eu pretendo viver, que eu preciso viver – porque o contrário eu já sei como é.

Eu já sei como é viver num mundo onde o gênero é ferramenta de opressão. Eu já sei como é viver num mundo em que os sexos, algo tão ridiculamente natural e inócuo do nosso corpo, com meras funções fisiológicas, são instrumentalizados para estereotipações dos comportamentos humanos, com o objetivo de controlar esses corpos diferentes de maneiras diferentes.

Eu quero um mundo em que o sexo não signifique papel social. Em que ser do sexo feminino não signifique fraqueza, delicadeza, trabalho doméstico, estupro e casamento forçado. Em que ser do sexo masculino não signifique força, violência, rigidez, falta de emoções e agressividade. Em que comportamentos, sentimentos e sexualidade sejam meramente humanos, partilhado por todos os sexos, normais de serem exprimidos por qualquer ser humano.

Por outro lado, é triste ver que há pessoas instrumentalizando a morte de Lara para fazer discurso político incitando ódio contra mulheres.

Lara foi vítima de uma estrutura de dominação masculina, como nós somos. Toda pessoa que se suicida pela opressão de gênero é uma pessoa suicidada pelo patriarcado.

As mulheres não criaram o patriarcado. As mulheres não se beneficiam do patriarcado. As mulheres não se beneficiam do gênero.

Não são feministas radicais que estão matando pessoas trans. Não são feministas radicais que estão ameaçando pessoas trans.

Mais uma vez, o alvo é mirado nas mulheres – e a estrutura de poder e os homens perpetradores são deixados em paz, intocáveis, no seu pedestal.

Queime a bruxa! Queime a bruxa!

Feminismo radical

Tenho um imenso respeito pelo trabalho das feministas radicais. Reconheço nelas o mesmo impulso que me levou ao marxismo. Não basta procurar a culpa em políticos, medidas, governos, países, corporações. Os específicos são importantes, mas passageiros.

É preciso olhar para o funcionamento da sociedade como parte de um sistema com a sua lógica própria que tudo consome e transforma à sua imagem. Que nos empurra a todos, oprimidos e opressores, para determinados resultados e formas de estar.

Para compreender o ângulo económico, o marxismo continua a ser a escola que nos permite ver mais claramente o que é o capitalismo. Para compreender o que é o patriarcado, nunca encontrei sabedoria que se equiparasse à das teóricas do feminismo radical. Para chegar às conclusões correctas em tal demanda, é preciso ver para lá da máscara da ideologia dominante. É preciso ir aos fundamentais. É preciso ser radical, ir à raiz.

É preciso olhar com os olhos bem abertos a incrível violência que molda a existência das mulheres, abafando a voz sufocada na garganta que diz que não aguenta ver mais. Que se preferia não ver, continuar ignorante. Não é fácil, mesmo quando se é um homem e se foi socializado para suprimir emoções.

Como parte de seguir notícias para a Guilhotina pelo mundo fora, regularmente apanho relatos dos media independentes do México. Um tema recorrente é o feminicídio. Não apenas o matar, mas os laivos de crueldade, de homens que tratam mulheres como crianças tratam insectos.

De adolescentes que desaparecem e famílias que agonizam durante anos sem saber o que lhes aconteceu. E depois os corpos encontrados à beira da estrada, para nunca serem identificados e devolvidos aos seus. Os relatórios da polícia são sempre variações do mesmo “sinais de violação e tortura prolongada, morte violenta”. E depois os corpos profanados, esquartejados, decepados. Os pedaços deixados como mensagem para as outras.

Quando toda a gente só falava da série Handmaid’s Tale, eu não consegui passar dos primeiros minutos do primeiro episódio. Só conseguia pensar no México.

É preciso uma tremenda coragem. Para olhar para as violações, as mutilações, os espancamentos, os apedrejamentos, a objectificação, o enclausuramento, a estupidificação, a mercantilização, o homicídio, a tortura, a humilhação – uma lista que continua por longas páginas, a lista de ferramentas usadas para impor o género feminino às mulheres e transformá-las numa versão deformada e amputada do seu potencial humano.

Sobrevivendo a olhar, é preciso perguntar, mantendo o sangue frio apesar do horror. Qual a razão desta fúria incontrolável contra a mulher? Não “porque é que os homens nos odeiam?”, mas sim “que propósito serve este ódio?” e construir a partir daí. São as feministas radicais quem tem esse sangue frio.

Então é possível começar a perceber que o género é a prisão construída e refinada ao longo de milhares de anos pelo patriarcado e as classes dominantes para controlar a capacidade que as mulheres e só as mulheres possuem: reproduzir a espécie e, consequentemente, a classe.

Agrilhoa-las ao seu aparelho reprodutivo como parideiras submissas aos interesses do sistema económico. E, para juntar insulto à injúria, obrigá-las a ensinar às novas gerações o mesmo sistema que as quebrou a elas. Dar aos seus filhos e filhas a fruta envenenada do género e classe. Com a conivência da vasta maioria dos homens. Quem quer abrir mão de ter escravas sexuais e domésticas?

Nada mais faz sentido. Senão qual a justificação? Que os homens possuem um ódio inato às mulheres? Que esta é a sua “natureza”? Mas foi Dworkin, a bruxa das bruxas, que proclamou uma das frases que mais me tocou ler:

Não acredito que a violação é inevitável ou natural. Se acreditasse, não teria razão para estar aqui. Se acreditasse, a minha prática política seria diferente do que é. Alguma vez ponderaram porque é que nós [mulheres] não estamos só em combate armado contra vocês? Não é porque há uma escassez de facas de cozinha neste país. É porque acreditamos na vossa humanidade, contra todas as provas.

Senti um oceano de gratidão. Era o comprovar de algo que cresci a reprimir. Ser homem e sofrer o género masculino é ser bestializado. O patriarcado comanda-nos como a um cão, e dá-nos pontapés como leva um cão que desobedece ao dono. “Morde! Fode! Humilha! Domina! Mata! Faz ou fazem-te a ti!”

Demasiado cobarde para resistir ao género, demasiado corajoso para desistir dele, ainda assim rangia os dentes e pensava que eu NÃO. SOU. UM. ANIMAL. E foi pela boca da Dworkin que pela primeira alguém mo confirmou. Sempre lhe estarei grato por isso.

E se o género é uma construção, se é destrutivo e desumanizador, as feministas radicais chegaram à conclusão lógica: a única coisa inteligente a fazer é aboli-lo.

Não fazer dele uma performance, não subvertê-lo – ideias fruto da errada concepção liberal de que a cultura dita a realidade e não o contrário. Sequer tentar apenas o vai reforçar, porque a conclusão lógica dessa abordagem é a naturalização do género. Se antes todo o corpo pertencia ao género, agora o liberalismo diferencia-se do conservadorismo ao contentar-se com o cérebro. Nasce-se a gostar de usar saias e batôn ou de calças e camisas, presume-se.

E, chegando a tais conclusões, algumas destas mulheres ainda dão o passo seguinte de coragem suicida ao promover as suas conclusões e prescrições, sabendo à partido a enxurrada machista que se abaterá sobre elas. Muitas calam-se pelo caminho, e muitas mais se calam quando veem como são queimadas as bruxas que se atrevem a desafiar o patriarcado. As que resistem temem pouco, pois ganharam a coragem daquelas que viram o pior que pode acontecer às suas semelhantes e decidem perseverar por elas.

A tragédia do pseudo debate a acontecer neste momento, é que a abordagem feminista radical seria a que mais beneficiaria as pessoas transexuais. Porque então todos os marcadores de género perderiam sentido. Não haveria saias femininas, só saias. Não haveria calças masculinas, só calças. Cada um poderia exprimir-se como bem entendesse fisicamente e sexualmente sem que isso estivesse sujeito a qualquer etiqueta de se ser mais macho ou fêmea. Não é possível sofrer de disforia de género quando não há género.

Mas para que esta análise seja possível, certas categorias são necessárias. Uma delas é a de mulher como entidade biológica com características próprias. Doutro modo a opressão da mulher está assente em coisa nenhuma excepto no facto de usar saias e outros marcadores de género e voltamos ao beco sem saída da análise liberal de género, onde tudo não passa de performance.

Por isso as feministas radicais não abrem a mão da mulher como categoria. Correctamente. Se um homem pode passar a ser mulher só porque se sente mulher, para além de tal ir contra todas as evidências, torna impossível a emancipação da mulher porque os mecanismos da sua opressão são completamente obscurecidos. Do mesmo modo que é impossível fazer uma análise séria do capitalismo se substituirmos a categoria de trabalhadores e burgueses por outras que metem tudo no mesmo saco como “colaboradores” ou “contribuintes”.

E porque as feministas radicais não abrem mão desta categoria, no cérebro infantil liberal onde a cultura molda a realidade, é o mesmo que negarem a existência a pessoas trans e portanto literal violência. Como se estivéssemos a falar de encantações mágicas, que uma vez proferidas, transformam a realidade física. Toda a nuance de análise morre na praia.

Continuava a camarada:

Eu tenho medo do discurso que cresce em Portugal. Mas nada na perseguição de mulheres me surpreende. Nada disso é novo. E, mesmo assim, não me fazem sair por aí agredindo e ameaçando pessoas trans. Eu tenho muito claro na minha mente quem é meu inimigo, é uma estrutura de poder. Eventualmente, me defendo de indivíduos pontuais que são problemas mais imediatos, como todas as pessoas. Mas essencialmente somos queimadas nas fogueiras das bruxas, apontadas como fachos e nazis, por fazer perguntas. Perguntas como: “o que é uma mulher?” ou “o que é gênero?”

Mas tudo isto é académico. Porque 90% do debate actual não tem realmente que ver com as dificuldades sofridas por pessoas trans nem com discussões teóricas.

Os homens que queimam bruxas

Por mais luta, estudo e dedicação que se dê a tentar reconstruir o que o patriarcado deturpou dentro de nós e construir de fresco algo novo, é uma luta que ficará sempre incompleta para a nossa geração. Somos marcados na infância e a pressão do status quo é incessante e implacável.

E é por isso que eu sei o que vocês estão a fazer, bando de cabrões. Eu estou na vossa cabeça, por mais variadas bandeiras coloridas que usem para mascarar o vosso machismo. Também eu fui socializado para o género masculino.

Raras excepções (bom… imagino que existam), todo o “aliado” macholas que entope as redes sociais a denunciar “TERFs” não quer verdadeiramente saber das pessoas trans. O que vocês querem, o que vocês adoram no fundo do vosso coração envenenado pelo patriarcado, é a licença para dizer publicamente a mulheres “Cala-te e mete-te no teu lugar, puta do caralho, ou racho-te os cornos.”

Não passam da versão woke das redes sociais do marido que chega a casa com bafo de vinho e atormenta a mulher porque pode. Porque sabe que é mais forte que ela e que se lhe der um murro no queixo, não há nada que ela possa fazer excepto ouvir os seus ossos a rachar.

Quantas variações deste mantra vemos vomitadas diariamente por homens, inclusive aqueles que ficam muito ofendidos por serem chamados de tal coisa, mas que depois reproduzem todos os comportamentos típicos da socialização masculina? Quantos de vocês escreveram orgulhosamente que TERFs devem ter os dentes partidos, que são nazis, que devem ser mortas violentamente?

Porquê? Eu sei porquê. Porque sabe bem, não é meus cabrões? Não há nada como aquele shot de adrenalina quando se faz chover golpes num adversário contra o qual possuímos ódio moralmente justificado. Não apenas pelo gosto de bater, não. Isso seria mesquinho e cruel.

Porque é justo. E não prejudica que seja contra mulheres, não é? Elas sabem lá se quando vocês fazem ameaças violentas não falam a sério? Porque já viram violência de um pai, um tio, um irmão, um colega de escola, um namorado. Elas sabem que de muitos é só coragem de Facebook, mas e se… E se alguns de vocês são mesmo comidos dos cornos e as vão seguir até casa e fazer sabe-se lá o quê? Então muitas até amocham, para vosso grande deleite.

Dizia ainda a camarada:

Esse ano, uma lista TERF anda à solta expondo mulheres em Portugal, inclusive mães, e servindo de ameaça. Claro que uma lista online não foi suficiente, então a ameaça precisava ser mais presente: andaram a circular o apartamento à procura do andar e da casa de uma das mulheres, mãe de uma criança pequena, que foi exposta na lista. Uma baliza unilateral incitando à ostracização de pessoas sem direito de questionamento e defesa.

Esse ano, uma amiga foi convidada a fazer uma viagem intercontinental para falar sobre socialização feminina a convite de uma universidade. Só para isso. Quando lá chegou, foi informada que não poderia falar porque era feminista radical.

Isso já aconteceu muitas vezes com muitas mulheres diferentes. Outra amiga foi convidada a falar na universidade sobre sua pesquisa de graduação sobre uso de hormônios em crianças (deveria ser do interesse geral!) e também foi “desconvidada” porque foi considerada transfóbica.

Eu costumava receber elogios inbox, do tipo “depósito de p***”, “p.ta”, “v4gab#nda”. Parei de adicionar pessoas, mesmo as que conheço, porque nunca sei com que vou contar. Venha a mim quem sabe sobre mim e, assim, possamos conversar – é minha regra há um tempo.

Outras amigas receberam e ainda recebem ameaças físicas e ameaças de estupro inbox. Outra, mulher pobre foi processada e a pessoa pediu indemnização porque ela disse que não era cis no Facebook.

Outra pessoa trans no Brasil ameaçou jogar bomba num encontro de feministas, mas isso também acontece com frequência no UK (inclusive, os eventos de feministas radicais geralmente não têm local divulgado até a última hora por causa disso, para manter a nossa segurança).

Uma exposição “de arte” num museu dos Estados Unidos exibia bastões de baseball com as cores da bandeira trans e camisas manchadas de vermelho onde se lia “kill terfs” ou “I punch terfs”. Uma mãe foi presa na frente dos 3 filhos nos Estados Unidos por “errar o gênero” de uma pessoa trans.

A maquiadora autónoma Amanda Schon e mãe de duas crianças, no início deste ano, foi exposta em redes sociais com mais de 1 milhão de seguidores, com foto e tatuagem que a identificava, com tag das empresas com as quais trabalhava, exigindo que cortassem as relações de trabalho com ela por ser “transfóbica” (ela basicamente dizia que éramos oprimidas por causa do nosso sexo e da nossa capacidade reprodutiva).

Não aprendemos ainda o que a exposição na Internet acarreta e significa? Ou aprendemos e, mesmo assim, consideramos “feminista” e “progressista” expor virtual e globalmente mulheres trabalhadoras, pobres, lésbicas, mães de crianças pequenas porque há um discurso que não permite questionamentos e discordâncias? Mulheres têm ou não têm o direito de refletir e opinar sobre a sua própria opressão? Como pode ser que mulheres que questionam o gênero sejam fascistas, mas pessoas que incitem a agressão e morte de mulheres não sejam? Quem está ameaçando quem?”

Imaginemos que o debate entre feministas radicais e feministas liberais tinha lugar apenas entre mulheres. Acham que o tom alguma vez teria chegado ao presente? As mulheres podem organizar boicotes, levar a cabo ostracização social, tentar destruir imagens públicas e prejudicar carreiras. Mas não andam por aí a ameaçar partir os dentes e matar outras mulheres. Não ocupam o seu tempo a enviar ameaças de violação. Não são mulheres que seguem mulheres pelas ruas a meio da noite. Isso somos nós, rapazes. Sim, os rapazes aí do fundo de saia também. Somos nós e a nossa maravilhosa masculinidade.

E ainda por cima o molde até já está feito. Apoiar a causa trans? Criando serviços de apoio? Via organizações cujo programa enfraqueça o patriarcado? Criando mecanismos de defesa contra a violência masculina, essa sim real, sobre pessoas trans? Não, nada disso. A causa trans é melhor servida gritando contra mulheres online. Ainda por cima é só copiar do Twitter dos States, para nem sequer se ter de pensar muito em insultos e teoria originais.

Como a Inquisição medieval, escudados com a arrogância de quem se pensa o detentor da mensagem única e verdadeira, não passam de uma horda de homens sádicos e machistas que tiram prazer de meter as mulheres “no seu sítio” – subordinadas às necessidades do homem, a única medida aceitável de todas as coisas.

E para as feministas liberais que pensam que é o trabalho da mulher acolher e cuidar debaixo do seu tecto toda a criatura ferida que aparece da rua, mesmo silenciando a sua própria voz: quando e se eles acabarem de esmagar as feministas radicais, vocês serão as próximas. As exigências nunca terão fim. A vossa voz só terá um papel: cantar as glórias dos vossos melhores e eternamente tentar escalar uma montanha, onde no pico reside a legitimidade e igualdade que os homens nunca vos irão reconhecer enquanto jogarem pelas suas regras.

Como é que eu sei? Porque tenho um ego de homem, e a sua voracidade é a mesma do ego dos vossos queridos amigos de Facebook com quem trocam comentários com corações enquanto denunciam “TERFs” e que se vão virar contra vocês no primeiro momento em que levantarem a garimpa.

Terminava a camarada:

Perguntas não matam. Perguntas não ameaçam. Questionar é a obrigação ativista de toda feminista. Nós não vamos nos calar pelo medo, embora tenham tentado e, em certa medida, conseguido com muitas de nós. Caçado muitas de nós. Derrubado muitas de nós.

E por que… por que tantos insistem em se calar, olhar pro lado e se omitir vendo essa caça às bruxas acontecer?

Por que fingem que não é com vocês? Por que deixam as mulheres serem esmagadas?

Morte ao Patriarcado & Paz entre mulheres!

Quanto a mim, retiro conforto desta passagem que encontrei no “Caliban e a Bruxa”:

[quando os homens] da frota bacalhoeira de St. Jean-de-Luz, uma das maiores [do País Basco] ouviram rumores das suas esposas, mães, e filhas [a serem] despidas, esfaqueadas, e muitas já executadas, a campanha do bacalhau de 1609 terminou dois meses mais cedo. Os pescadores regressaram, com bastões nas mãos, e libertaram um comboio de bruxas a serem levadas para o local de queima. Este acto singular de resistência popular foi tudo o que foi preciso para parar os julgamentos…

– Kurlansky 2001: 102

Foram os únicos. Mas ali foi quanto bastou. Estão avisados, amiguinhos. Aqui neste canto, faremos como os bascos fizeram há 410 anos atrás. Não abandonaremos as nossas camaradas à fogueira a que as tentam condenar por não se submeterem, usando cinicamente os cadáveres de pessoas trans como prova acusatória. Posicionamo-nos publicamente contra esta caça às bruxas. E se a isso chegar, de bastão na mão.

Pescadores bascos, de Gerardo Sacristán Torralba, 1931-1935

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