Curdistão // Turquia e jihadis preparam a invasão de Rojava~ 8 min

Por Bruno Garrido

Ontem, Donald Trump e a Casa Branca anunciaram a retirada das tropas americanas do norte da Síria. No comunicado pode ler-se:

A Turquia irá brevemente iniciar a sua operação no norte da Síria (…) e as forças armadas dos EUA não irão apoiar ou estar envolvidos na operação (…) tendo derrotado o “Califado” territorial do ISIS.

Logo após o comunicado ser lançado, Donald Trump, numa série de tweets, afirma que é altura dos EUA saírem da Síria, uma guerra “dispendiosa”. Desafia a que outras forças na região tomem o controlo da situação e que lidem com os milhares de combatentes do ISIS que já não considera um problema dos EUA.

Em comunicado, o comando geral das SDF (Forças Democráticas Sírias) afirma:

Apesar dos nossos esforços para evitar um confronto militar com a Turquia. (…) As forças americanas não cumpriram com as suas obrigações e retiraram-se das fronteiras com a Turquia, que se prepara para uma invasão do norte da Síria.

Dizem também

A operação militar turca no Norte da Síria vai ter um impacto negativo na guerra contra o ISIS e destruirá toda a estabilidade que foi conquistada nos últimos anos. (…) Nós, nas SDF, não hesitaremos por um momento, em defender-nos e apelamos a todas as pessoas, Árabes, Curdos, Siríacos e Assírios para juntarem forças para defenderem o país contra a agressão turca.

Esta situação leva a que, mais uma vez, o movimento curdo fique encurralado numa guerra que não criou mas na qual esteve desde o primeiro momento na linha da frente na defesa dos povos da região e na luta pela preservação da integridade territorial síria.

A decisão de Trump tem enfrentado enorme resistência interna, com pressão a ser levantada pelo Pentágono, onde vários sectores já afirmaram ser um erro estratégico. Vários senadores americanos já vieram a terreno afirmar que, trair o povo curdo é uma das piores decisões na história da diplomacia americana.

No entanto, tais apoios devem sempre ser vistos como altamente cínicos. O interesse do Pentágono e de senadores como Lindsey Graham é a fragmentação territorial da Síria e a continuação da guerra eterna na região, que enche muitos bolsos. Os curdos são apenas uma ferramenta para tal fim.

A geopolítica e as reações dos atores internacionais

Depois da decisão de retirada das tropas americanas, um dos quadros das SDF afirmou que poderão estar disponíveis para negociar com Damasco uma forma conjunta de impedir a ocupação militar turca

Ainda que de momento existam muitas informações contraditórias no terreno, é pouco expectável que uma aliança com Damasco venha a acontecer, ainda com a memória fresca dos acontecimentos de Afrin. O governo de Damasco já emitiu um parecer oficial onde rejeita qualquer ocupação turca.

O ministro dos negócios estrangeiros francês demonstrou preocupação com a retirada das tropas americanas e recomendou prudência ao governo americano. Por seu lado, Londres afirmou que caso as tropas se retirem, também Inglaterra se irá retirar da zona.

O ministro dos negócios estrangeiros iraniano Mohammed Javad Zarif afirmou em conversa telefónica com o homologo turco Mevlüt Çavuşoğlu, que o Irão se opõe a uma invasão do norte da Síria e à agressão ao povo curdo. Enquanto isso, a ONU mostra-se preocupada com o pior cenário.

A solidariedade internacional

Há meses que o tema da invasão turca circula na região. Erdogan afirmou em vários momentos que a ocupação para erradicar os “terroristas curdos” se encontra cada vez mais próxima. Na Primavera nasceu a campanha #RiseUp4Rojava que invocou solidariedade internacional para que se agisse e houvesse posicionamento contra a ocupação militar. Na sua última convocatória, “Chamada para o dia X : Não à guerra no Norte da Síria” o movimento organizado do norte da Síria apela:

Se chegamos ao dia X, o início de uma invasão turca: vão para as ruas, façam acções, ocupem, disturbem e bloqueiem! Demonstrem aos responsáveis governamentais e às grandes companhias o que pensas das suas guerras! Juntos podemos parar a agressão da Turquia! Não à guerra no norte da Síria. A revolução do norte da Síria irá ganhar, o fascismo será esmagado!

Sob este pretexto, já ocorreram diversas manifestações desde ontem em cidades como Paris, Rennes, Bern, Marselha, etc. Para os próximos dias já estão marcadas manifestações em distintos pontos do mundo, tais como Barcelona, Madrid, Bilbao, Berlin, Genebra, aos quais Portugal se irá juntar esta quinta-feira no Porto e no próximo sábado em Lisboa.

A Turquia e a guerra psicológica

Uma das principais armas usadas pelo regime turco é a guerra psicológica, aplicada na zona desde há meses. Neste momento, e enquanto a situação se torna delicada, há que ter cuidado com as fontes e a desinformação que começa a circular oriunda de vários órgãos de comunicação afectos ao regime de Erdogan.

Se é certo que a retirada norte-americana é eminente, até ao momento, das cerca de 2500 tropas americanas na zona, só cerca de 200 é que se retiraram das zonas fronteiriças. O movimento curdo sempre teve a consciência que os seus únicos amigos são as montanhas e encontra-se preparado para defender as populações da área e preservar os sucessos da revolução curda.

Ontem, poucas horas depois do anúncio da Casa Branca, alguns meios começaram a noticiar que os ataques a Rojava tinham começado. Mas ainda no dia de ontem conseguimos confirmar com um companheiro que se encontra presente no norte da Síria, que “até ao momento nenhum bombardeio tinha atingido a zona”.

Apelou a que houvesse “cuidado com a informação que se espalha”, e disse que muitos dos bombardeios que o site syria.liveupmap relata são falsos. Até ao momento não existia bombardeamento em Derik [zona fronteiriça]. Acrescenta à nossa conversa que:

É muito fácil usar vídeos de bombardeamentos e dizer que são isto e aquilo. Por agora, a única confirmação que temos é de um bombardeamento perto de Semalka – zona fronteiriça entre o KRG e Rojava – procurem seguir as fontes certas e procurar em vários meios de informação. Enquanto tivermos Internet a partir da comuna, continuaremos a reportar os acontecimentos, enquanto que para as mobilizações e solidariedade internacional, as companheiras da campanha RiseUp4Rojava vão informando”

Durante o dia de hoje, a presença militar em distintos pontos da fronteira foi intensificando, com diversas milícias jihadistas a posicionarem-se perto do norte à espera de ordens turcas. Uma destas é a Ahrar al-Sharqiya, jihadistas que anteriormente pertenciam à Al-Nusra, de que todos se lembram, como o braço da Al-Qaeda na Síria. A maioria dos seus membros deslocou-se de Deir ez-Zor no sul para este combate. Também as milícias jihadistas que ocupam Afrin há meses se encontram preparadas para o ataque. De facto, hoje já começaram a realizar os primeiros ataques contra povoações de Afrin que não tinham sido ocupadas.

Acções de solidariedade

Aconteceram hoje várias mobilizações na Federação Democrática do Norte e Este da Síria, onde milhares de pessoas se reuniram na fronteira com a Turquia para formar um escudo humano gigante. Afirmam que não irão permitir que a Turquia invada as suas terras e estão dispostas a resistir a uma possível invasão até o fim.

Ao início da noite, foram relatados novos bombardeamentos perto da estrada que liga o Curdistão Regional Iraquiano a Rojava. Não se registaram feridos e as SDF afirmaram que não vão responder a provocações turcas.

Hoje voltámos a entrar em contacto com o companheiro no terreno, que afirma:

A moral está em alta, e que levavam meses a preparar-se para este momento. Estamos em modo de emergência e esperamos a possibilidade de ataques em breve, mas pode ser que não aconteça. É um pouco como os despejos, nunca estás seguro se virão. Neste momento encontramo-nos neste ponto, uma guerra de desgaste e sobretudo de terror psicológico.

Volta a frisar que necessitamos de erguer as redes internacionais e manter a “moral e a motivação em alta, temos tudo organizado, vamos agora dar muito foco à campanha RiseUp4Rojava e activar as redes internacionais.”

Relembra a experiência de Afrin, e reforça que precisamos de estar atentos ao que partilhamos e onde consultamos a informação.

Como em Afrin, aqui também vemos que a guerra é muito de informação nesta fase. Muitas contas falsas a espalhar desinformação. Temos uma equipa de comunicação a informar [a partir] do terreno e que através da campanha vai divulgar toda a informação. Como nós, a Turquia também leva muitos meses a preparar esta guerra, assim que seguramente terão surpresas preparadas, e temos de estar atentos a todas as possibilidades.

Alguns textos informativos:

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