Curdistão // Câmara Municipal de Lisboa condena invasão turca~ 7 min
Por Bruno Garrido e Simone Vieira
A 9 de Outubro, o Estado turco iniciou mais uma ofensiva genocida contra a Administração do Nordeste da Síria, também conhecida como Rojava. O objetivo centra-se em destruir o projecto revolucionário que desde 2012 procura implementar um projecto político de convivência pacífica e de democracia direta entre os povos que habitam a região – árabes, assírios, curdos, yezidis, entre muitos outros.
A ocupação militar realizada com o Exército Livre Sírio, vulgo Al-qaeda, ISIS e muitos outros bandos jihadistas, pretende ocupar uma zona de cerca de 40km ao largo da fronteira com a Síria, e continuar o projecto de limpeza étnica iniciado com a invasão de Afrin. Erdogan pretende deslocar mais de 2 milhões de refugiados sírios em solo turco, ao mesmo tempo que expulsa das suas fronteiras a população curda. Sob o desígnio de “guerra contra o terrorismo” o sultão nada mais pretende que continuar a sua guerra pessoal contra o povo curdo, o qual pretende exterminar.
Desde então, centenas de acções de solidariedade com Rojava e contra a guerra à Administração do Nordeste da Síria têm acontecido um pouco por todo o mundo. Com a campanha #Riseup4Rojava foi possível ocupar as ruas de dezenas de países, bloquear fábricas que produzem armamento de guerra vendido à Turquia e boicotar voos da companhia Turkish Airlines. Alguns países ou câmaras municipais também emitiram votos de condenação pela ocupação do território autónomo do Curdistão por Erdogan.
Em Portugal
Ao longo das últimas semanas foram realizadas acções de protesto no Porto, Coimbra e Lisboa. Houve lugar a manifestações, projecções de filmes, distribuição de flyers, conversas e assembleias abertas com vista a consciencializar e exigir que a guerra genocida contra o movimento curdo seja terminada imediatamente.
Inclusive, em Lisboa a 24 de Outubro, a Câmara Municipal aprovou um voto de repúdio à invasão turca e aos ataques sobre os povos do território autónomo curdo na Síria.
Um voto que, apesar de ser meramente simbólico, se tornou inútil por não ter tido qualquer visibilidade política fora das paredes da fortaleza autárquica. Mais um dia e mais uma ordem de trabalhos, numa reunião de Câmara onde o executivo (quem decide) se junta para debater e votar propostas sobre o destino da cidade. Mais um convívio, com direito a comes e bebes.
Desta vez, e à semelhança do que outros executivos públicos fizeram na Europa, um dos pontos da ordem de trabalhos era sobre o ataque ao território autónomo curdo.
O vereador Manuel Grilo do Pelouro da Educação e dos Direitos Sociais, do Bloco de Esquerda, propôs um voto de condenação da invasão turca e ataques sobre as populações do território autónomo curdo na Síria.
Um voto que acabou a ser subscrito pelo vereador João Paulo Saraiva, Vice-Presidente, pela vereadora Paula Marques, do Pelouro da Habitação, e pelo vereador José Sá Fernandes, do Pelouro do Ambiente. José Sá Fernandes chegou no momento em que Manuel Grilo lia o voto de condenação e, como qualquer bom convívio exige, ocupa o espaço fazendo uma ronda de cumprimentos. O ambiente de convivialidade era algo incongruente com a descrição de atrocidades de guerra que estavam a ser feitas.
PCP e PSD fizeram sugestões ao texto proposto. O PCP propôs um ponto pelo reconhecimento da soberania, independência e integridade territorial da República Árabe Síria. O PSD propôs pela condenação da retirada das tropas americanas no nordeste da Síria. As sugestões não foram aceites pelo Bloco de Esquerda. O voto foi aprovado por maioria, com votos contra do CDS/PP e com a abstenção do PCP.
Não que sejamos os maiores fãs das instituições estatais, mas temos consciência de que, para parar esta guerra genocida, além das ações de rua mobilizadas pela campanha #Riseup4Rojava, internacionalmente, e de um movimento de boicote ao Estado turco; é necessário exigir às instituições públicas, sejam Câmaras Municipais ou Governo, que se posicionem politicamente, que condenem a ocupação e que cessem qualquer tipo de negócios com o Estado turco.
Para já, e em Lisboa, a Plataforma de Solidariedade com os Povos do Curdistão volta a convocar nova manifestação para dia 16 de Novembro, às 15h no Largo de Camões.
De seguida, fica o voto aprovado na íntegra:
Voto de Repúdio n.º1/2019
Pelo repúdio à invasão turca e ataques sobre as populações do território autónomo curdo na Síria
Considerando que:
1. A 9 de outubro de 2019, depois de Donald Trump ter ordenado a retirada americana da Síria, a Turquia, país membro da NATO, iniciou uma nova operação militar no nordeste do país;
2. Sob o falso pretexto de querer criar uma zona militarmente segura no Nordeste da Síria para “instalar” uma parte dos refugiados que a Turquia acolheu devido à guerra, mas também sob o falso pretexto de luta contra o Estado Islâmico, Erdogan pretende efetuar aquilo que se avizinha como uma limpeza étnica da zona, expulsando dali as populações curdas, assírias, yezidis, turquemenas e árabes;
3. Esta operação, denominada “Nascente de Paz”, já provocou o deslocamento forçado de mais de 300 000 pessoas e deixou um rastro de destruição com centenas de mortes, e ataques indiscriminados a população civil, assim como a estruturas de apoio humanitário que se encontram na zona a prestar auxílio às populações locais. Nos últimos 16 dias, foram registados ataques a escolas, instalações médicas, veículos médicos, assim como a pontos de água, luz e comida. Foi, inclusive, atacada uma estação de água que fornece cerca de 400 000 pessoas. A UNICEF estima que, pelo menos, 170 000 crianças venham a precisar de assistência humanitária;
4. Em pleno solo turco, centenas de opositores, incluindo meros utilizadores de redes sociais ou jornalistas, já foram detidos depois de se terem manifestado contra esta “Operação Nascente de Paz”. Erdogan mantém a retórica genocida relativamente ao povo curdo. Veja-se o resultado da operação militar em Afrin, nas ruínas da cidade agora governada por jihadistas;
5. Dessa forma, não pode esta Autarquia, à semelhança do que outras autarquias fizeram um pouco por toda a União Europeia, deixar de se pronunciar sobre a luta pela sobrevivência dos curdos e das restantes populações que ali habitam, que se assemelha em tudo à de tantos outros povos que no passado enfrentaram a crueldade e a tirania à custa da sua própria subsistência. Sobrevivência que está agora ainda mais em risco, dado o acordo feito esta semana entre a Turquia e a Rússia.
Assim, perante o exposto, temos a honra de propor que a Câmara Municipal de Lisboa delibere:
1. Repudiar a recente invasão turca sobre o território autónomo curdo de Rojava;
2. Repudiar as violações do Direito Internacional e dos direitos humanos do governo turco sobre os povos árabes, curdos, assírios, yezidis, turquemenos, entre outros, que habitam na região.
Lisboa, 23 de outubro de 2019