Não abandonaremos a Liga Feminista do Porto à fogueira~ 5 min
Por Francisco Norega
Diz-se por aí que a Liga Feminista do Porto é transfóbica e putofóbica, com um exército de polícias das redes sociais pronto para assediar qualquer página que se atreva a cometer o sacrilégio de partilhar conteúdos desta organização.
Acreditamos, obviamente, que cada pessoa tem o direito a ser respeitada independente do seu género, identidade ou orientação sexual, religiosa ou política. Respeitamos que existam espaços de organização que não incluam pessoas brancas, que não incluam homens cis ou que sejam apenas para um grupo restrito da sociedade – referente a uma condição (por exemplo, de pessoas autistas), etnia (por exemplo, pessoas ciganas), sector laboral (estivadores, por exemplo) ou outro critério.
Respeitamos, acima de tudo, que cada grupo de pessoas se organize do seu modo, de acordo com o contexto e as suas ideias e vontades. Nessa mesma linha, acreditamos que qualquer mulher ou grupo de mulheres se pode organizar da maneira que entender e seguir, individual ou colectivamente, qualquer uma das muitas vagas e correntes do feminismo.
Naturalmente, toda a gente é livre de fazer críticas – podemos criticar uma feminista liberal quando esta reduz a emancipação à existência de mulheres em lugares de liderança de instituições, governos ou empresas; podemos criticar uma feminista quando esta ignora as questões de classe; podemos criticar uma feminista marxista por focar demasiado as questões de classe e esquecer as restantes. Todas as críticas são bem-vindas quando são devidamente fundamentadas. Vejamos agora os fundamentos das acusações à Liga Feminista do Porto de “putofobia” e “transfobia”.
Putofobia?
Efectivamente, quando entramos no site e nas redes da Liga, encontramos bastante material sobre prostituição. Deve ser fácil encontrar aquilo que provoca esta acusação. Procurámos bastante. Eis algumas das coisas absurdas que encontrámos:
Regular a prostituição implica colocar o corpo da mulher no mercado, o que causa inevitavelmente a sua desumanização. (…) O racismo e a fetichização são elementos centrais do sistema da prostituição. (…) Regulamentar a prostituição, institucionalizando assim estas práticas, implicaria uma fetichização do racismo legalmente sancionada, e portanto socialmente aceite.
O movimento feminista deve ser claro e intransigente na proteção dos direitos que já alcançamos em Portugal, para que a nossa legislação não recue, para que haja investimento e sejam disponibilizadas opções de saída e proteção às mulheres em situação de prostituição. Lutamos para defender a criminalização dos proxenetas e reivindicamos a criminalização dos compradores de sexo.
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É importante interiorizar que mulheres exploram mulheres diariamente para compreender porque é que o argumento de “pornografia criada por produtoras e diretoras mulheres para mulheres” não só não implica nenhuma desresponsabilização automática do produto pornográfico, como, mais do que isso, se trata de um posicionamento profundamente liberal. Vai na mesma linha do argumento pela necessidade de “mais mulheres CEOs” e “mais mulheres presidentes”.
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Putofobia? Digam vocês.
Se vamos chamar “putofóbicas”, só porque sim, a todas as organizações que criticam a prostituição, talvez devessemos chamar “proxenetistas”, só porque sim, a todas as organizações que a defendem.
A transfobia e o trabalho da Liga Feminista
Quando consultamos o site e as redes sociais da Liga Feminista do Porto encontramos um trabalho consistente à volta de vários temas: violências contra as mulheres (femicídios, violência obstétrica, violência sexual), aborto e indústria sexual (prostituição e pornografia).
Sabemos que, para além disso, têm organizados imensos debates sobre os temas referidos, bem como sessões nas escolas, e constroem relações com outras organizações feministas. A título de exemplo, a manifestação do 8 de Março que anteontem divulgámos é organizada pela Liga Feminista do Porto, a Associação Vozes da Mulher, a Coletiva Maria Felipa (com foco nas vivências das mulheres brasileiras em Portugal), o Núcleo Feminista da FCUP, entre outras.
É verdade – a Liga Feminista do Porto não aborda a questão trans, nem LGBT. Do que sabemos, também não proíbe ninguém nem nenhum grupo de a abordar. Há algum problema que cada organização aborde os temas que mais lhe interessa?
Se calhar deviamos organizar um debate entre a Rita Matias do Chega e uma companheira da Liga Feminista do Porto para percebermos o que é realmente a transfobia, e quais são os principais inimigos da comunidade trans.
Parece que, às vezes, certas partes do movimento transfeminista estão mais preocupadas em atacar outras organizações feministas que não partilham da sua linha, do que atacar as forças que, ao serviço do patriarcado, do fascismo e do capital, representam a maior ameaça à existência colectiva das mulheres.
Quem exclui quem?
Às companheiras que atacam fervorosamente a Liga Feminista do Porto perguntamos: está esta organização ao serviço do patriarcado, do fascismo ou do capital, ou é apenas composta por mulheres que actuam de acordo com ideias diferentes das vossas?
Essas organizações canceladas cometem o crime de decidirem quem pode ou não estar nessas mesmas organizações, e que temas abordam, enquanto que este género de políticas de cancelamento pretende invisibilizar certas organizações e maneiras de pensar na sociedade como um todo. Quem realmente é que é excludente aqui?
Hoje, como em Setembro de 2019, dizemos de forma clara: Não abandonaremos as nossas camaradas à fogueira!