Hoekstra, ex-assessor da Shell, eleito Comissário para a Acção Climática da UE~ 5 min

Por F

O Parlamento Europeu aprovou hoje a nomeação de Wopke Hoekstra para o cargo de Comissário da Acção para o Clima da União Europeia. Hoekstra, que faz parte do Partido Popular Europeu, foi proposto para o cargo por Ursula Von der Leyen, do mesmo partido, e a sua candidatura foi viabilizada pelo apoio dos grupos parlamentares Socialistas, Liberais e Verdes, para além do do próprio PPE. Com 279 votos a favor, 173 contra e 33 abstenções, a votação final realizada hoje torna Hoekstra uma das pessoas que vão liderar a aplicação do chamado “Pacto Verde Europeu” nos próximos anos.

O percurso profissional e político deste senhor, no entanto, fará qualquer pessoa com dois dedos de testa questionar-se sobre o sentido desta escolha.

Indústria petrolífera e mundo financeiro

Um dos principais responsáveis, a partir de agora, pela redução das emissões de CO2 do Bloco Europeu, Hoekstra foi assessor da empresa petrolífera Shell entre 2003 e 2006. Durante 11 anos foi ainda assessor da McKinsey & Company, consultora que assessorou pelo menos 43 das 100 empresas mais prejudiciais para o meio ambiente. Entre elas, encontram-se tabaqueiras, farmacêuticas e, claro, petrolíferas.

Para além disso, entre 2017 e 2021, foi membro ex-officio dos Conselhos de Governadores do Banco Europeu de Investimento, do Mecanismo de Estabilidade Europeu, do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e do Banco Mundial. É ainda membro do Comité de Desenvolvimento do Banco Mundial-FMI.

Toda esta informação é pública e conhecida, e foi utilizada pelos e pelas deputadas da Esquerda no parlamento europeu para pressionar os Socialistas e os Verdes a retirar o seu apoio a este candidato, e tentar assim travar a sua nomeação. Os seus esforços não deram frutos, embora no final se tenham registado posições diversas dentro dos Verdes europeus – enquanto representantes do grupo parlamentar europeu afirmaram que os compromissos escritos apresentados por Hoekstra eram uma “vitória” para a transição ecológica, os eurodeputados franceses e espanhóis deste grupo posicionaram-se contra a sua nomeação.

Carreira política

Hoekstra foi também Ministro das Finanças da Holanda entre 2017 e 2022, e Ministro dos Negócios Estrangeiros entre Janeiro de 2022 e Setembro de 2023. Durante os anos em que esteve no governo holandês, usou da sua influência para intensificar a exploração de gás no país. Votou contra leis ambientais fundamentais e opôs-se ao cumprimento das metas nacionais de redução das emissões de azoto, em violação das obrigações europeias de protecção da natureza. 

Enquanto ministro, em Junho de 2020, concedeu um apoio de 3,4 mil milhões de euros à companhia de aviação KLM. Meses mais tarde, afirmou que o governo holandês não continuaria a apoiar a empresa a menos que esta acordasse sacrifícios financeiros para todos os seus trabalhadores durante um período de cinco anos.

Hoekstra foi também protagonista de uma das maiores polémicas do início da pandemia, quando pôs em causa a distribuição de apoios financeiros aos países do sul da Europa, aquando das discussões sobre a emissão de dívida conjunta a nível comunitário para fazer face à recessão económica generalizada. 

Pandora Papers

Como um bom moralista que, à primeira oportunidade, aponta o dedo aos “países preguiçosos” por causa do défice e das capacidades orçamentais, ou apela a processos disciplinares por causa da dívida pública (como fez com Itália em 2019), Wopke Hoekstra foi apanhado a fazer as suas próprias trafulhices. O seu nome aparece nos Pandora Papers, publicados em 2021, que revelam os seus investimentos em acções offshore de uma empresa dedicada a realizar safaris na África Oriental, através de uma outra companhia que operava nas Ilhas Virgens, um paraíso fiscal britânico.

Voto Secreto

A votação realizada hoje no Parlamento Europeu decorreu sob voto secreto, sendo assim impossível saber com certeza o sentido de voto de cada deputado e deputada. O que sabemos é que o único grupo parlamentar que se posicionou publicamente contra esta nomeação foi o da Esquerda, de que fazem parte os eurodeputados do PCP e do BE. O PAN faz parte dos Verdes europeus, embora se encontre sem representação neste orgão depois de o eurodeputado Francisco Guerreiro, eleito pelo PAN em 2019, ter saído do partido no ano seguinte. Este eurodeputado continua a fazer parte do grupo parlamentar dos Verdes, agora como independente. No entanto, não encontrámos qualquer posicionamento, nem do PAN nem de Francisco Guerreiro, sobre esta nomeação, pelo que é impossível saber qual foi o seu sentido de voto. Todos os restantes eurodeputados eleitos por Portugal em 2019 fazem parte de grupos parlamentares que apoiaram a nomeação de Hoekstra.

Eis mais um episódio em que a União Europeia nos assegura de que levam a sério a crise climática e têm pessoas sérias e empenhadas em encontrar soluções reais e imediatas para esta. Enfim, que podemos dormir descansados enquanto o sr. Hoekstra trata da saúde às petrolíferas, às companhias aéreas, aos interesses financeiros e a todas essas forças que teimam em continuar a carregar no acelerador enquanto nos aproximamos mais e mais do abismo.

Fontes: El Salto, Euronews, Público, Público, Reuters, Wikipedia 

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