A táctica e os objectivos de Israel em Gaza~ 5 min

Por Nguyen

Perante a violência atroz e os castigos impostos pelo estado de apartheid de Israel, é difícil perceber o sentido por detrás das suas acções. Atrás da aparente falta de plano, reina uma lógica vingativa que traz destruição generalizada.

Vários autores, analistas e jornalistas já apontaram o facto de Israel ter sofrido uma forte derrota no dia 07 e decidido não olhar a meios para salvar a sua honra e a sua aura de invencibilidade. E, pelo caminho, a carreira política de Netanyahu, e talvez do seu partido. Enquanto a operação do Hamas demorou meses, ou anos, a planear, o estado-maior das forças armadas sionistas desenhou uma operação terrestre “em cima do joelho”, sem capacidade logística própria nem tempo para treinar adequadamente os reservistas.

Destruir o Hamas e a sua liderança

O objectivo declarado de destruir o Hamas existe apenas nas televisões e relações públicas.

Primeiro, porque a liderança do Hamas está radicada no Qatar. Israel teria, portanto, de bombardear este país ou enviar assassinos, caso contrário é “só para inglês ver”.

Segundo, consideremos que seria possível eliminar todos os operativos do Hamas em Gaza. Os ataques do dia 07 foram feitos por uma ampla aliança de movimentos armados – logo outro tomaria o seu lugar. Acreditar que a resistência palestiniana é composta apenas pelos actuais operativos do Hamas é mais uma mentira reconfortante, mas não deixa de ser uma mentira.

Terceiro, porque o Hamas, além das Brigadas Al-Qassam, o seu braço armado, é um enorme movimento político, com presença em todos os campos da sociedade palestiniana – tanto na Palestina ocupada como na diáspora. Convém não esquecer que o Hamas foi o partido vencedor das últimas eleições palestinianas, em 2006, descritas por observadores europeus como “em linha com os padrões internacionais, livres, transparentes e sem violência”.

Por último, as forças sionistas são muito aversas a baixas, tendo parado as operações militares do passado recente antes de sofrerem 100 mortos. Esse número foi ultrapassado logo nos primeiros dias, e o combate agora em curso, urbano e nos túneis, só vai fazer disparar esses números (ver os exemplos das batalhas de Mossul ou Fallujah). Qual será a tolerância da população israelita a ver sacos de corpos a voltar para casa, principalmente quando a população de Israel já está insatisfeita com o actual regime?

Destruir Gaza – genocídio ou deslocamento forçado

Este, sim, parece ser o objetivo último da intervenção. Ou seja, um acelerar daquilo que é a asfixiante realidade diária em Gaza – e cujo resultado foi a derrota humilhante de dia 07. Como vimos recentemente, a barbárie e o terror são as armas mais eficazes para provocar grandes deslocamentos forçados de populações. A estratégia usada pelo ISIS e aperfeiçoada pelo Azerbaijão, levou populações inteiras a fugir da selvajaria do invasor – tanto na Síria e no Iraque como em Nagorno-Karabakh. As bombas sobre civis, o profanar de corpos e as publicações online a humilhar os habitantes de Gaza servem para isso mesmo. Mas nenhuma porta foi aberta para poderem fugir.

O passo seguinte é o cerco total. No Iémen não resultou, em Tigray ainda está por saber se resultará. Mas, mesmo não exterminando a população, doenças como a disenteria, o escorbuto e o raquitismo podem entorpecer uma população por gerações. Principalmente se não existirem estruturas clínicas e pessoal de saúde qualificado para a tratar depois.

A falta de água mata rápido, mas este foi um passo longe demais, principalmente debaixo de grande atenção mediática e forte presença de organizações internacionais. É que Iémen, Tigray e as acções da Janjaweed no Sudão (agora rebaptizada como RSF) aconteceram longe dos olhos do mundo. Mas a falta de um plano coerente por parte de Israel, combinada com a necessidade de salvar honra e orgulho, leva a este tipo de erros.

O que sobra? Tentar matar o máximo possível e destruir o máximo possível para voltar tudo ao mesmo, mas pior. Provavelmente engolir o sapo de ter de fingir (para já, pelo menos) procurar a solução de 2 Estados.

E, quando tudo estiver esquecido, Gaza terá menos hospitais, menos escolas, menos médicos, enfermeiros, professores, engenheiros, centrais eléctricas, portos, armazéns e tantas outras coisas. Terá uma população enferma, sem trabalho e sem um tecto sob o qual dormir. Tudo para fazer brilhar a flor do deserto, em contraste com a pobreza e a miséria por ela provocada à sua volta. E, depois de um período de acalmia, voltam os bombardeamentos, os ataques, os massacres, como temos visto acontecer nos últimos anos. 

No entanto, como se viu no dia 07, afinal voltar ao normal já não vai ser uma possibilidade assim tão simples. As consequências políticas e militares estão à vista de todos. A normalização de relações entre o estado de apartheid e os vizinhos árabes foi para a gaveta. A exploração de gás conjunta com a Turquia foi parada, o shekel está a colapsar e a economia de Israel a ir pelo cano.

A resistência armada em Gaza colocou a “autoridade palestiniana” de Mahmoud Abbas numa posição extremamente frágil. O actual presidente da Palestina, já há muito criticado pela sua passividade e cooperação com as forças sionistas, ficou ainda mais desacreditado. A população da Cisjordânia tem feito múltiplas manifestações contra Israel e Abbas, em apoio à resistência armada contra a ocupação.

A solução dos 2 Estados, agora novamente tão falada no seio da comunidade internacional, só permitirá resolver este conflito se deixar o campo da retórica e for aplicada na prática. O que é certo é que não há como regressar à realidade pré-07 de Outubro, e muito da história da resistência contra o apartheid e a ocupação israelita está ainda por escrever.

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