AAC silencia estudantes que pediram Assembleia Magna pela Palestina~ 6 min

Por F

Estudantes solidários com a Palestina recolheram mais de 1700 assinaturas para pedir à Associação Académica de Coimbra (AAC), a realização de uma Assembleia Magna sobre a situação na Palestina. Os corpos dirigentes da AAC, que supostamente representam cerca de 28 mil estudantes da Universidade de Coimbra, fizeram tudo o possível para silenciar a sua voz. Durante uma conferência de imprensa realizada na sexta-feira, dentro do edifício da AAC, os estudantes relataram os acontecimentos kafkianos desta última semana. 

A Assembleia Magna, que é o órgão máximo da AAC e onde todos os estudantes da Universidade de Coimbra (UC) podem participar, pode ser convocada por iniciativa da Direcção Geral da AAC ou por iniciativa de 5% dos seus associados. Esta é a primeira vez em mais de uma década que estudantes da Universidade de Coimbra usam este seu direito para abrir um espaço de discussão sobre um assunto que consideram do seu interesse.

Mais de 1700 assinaturas

Na passada segunda-feira, mais de 1400 assinaturas de estudantes que pedem a realização de uma Magna para a discussão da situação na Palestina foram entregues na secretaria da AAC. Dois dias depois, os estudantes proponentes da Magna foram informados de que não teria sido possível validar parte das assinaturas por uma questão técnica alheia à AAC.

Esta foi o primeiro entrave colocado aos estudantes, durante uma longa reunião com dirigentes da Mesa da Assembleia Magna e do Conselho Fiscal da AAC. A alegada não-validação destas assinaturas prendia-se com a impossibilidade dos corpos gerentes da AAC de terem acesso à lista actualizada dos seus associados, na forma dos cadernos eleitorais, detidos apenas pela Universidade de Coimbra e que levaria muito tempo a obter. Depois de 3 horas de reunião, como explicaram os estudantes “o presidente do Conselho Fiscal saiu da sala durante 5 minutos para fazer 2 breves chamadas.” Após as mesmas, conseguiu a actualização da lista dos associados até ao meio-dia do dia seguinte.

Como não há maneira de verificar de forma independente as razões da não-validação de mais de 200 das assinaturas entregues inicialmente, os estudantes recolheram 275 assinaturas adicionais, que foram entregues por volta das 14h do dia seguinte, quinta-feira.

Segundo os estatutos da AAC, a Assembleia Magna tem de ser realizada até 10 dias após a entrega do pedido para a sua realização. A convocatória deve ser feita pelo menos 5 dias antes da data de realização da Magna.

Entraves burocráticos

A alegada não-validação de parte das assinaturas iniciais permitiu à AAC atrasar o dia a partir do qual começariam a contar estes prazos. Mas este foi apenas um de vários alegados entraves burocráticos invocados pelos dirigentes da AAC para impossibilitar a realização da Magna numa data que permita a participação dos estudantes, antes da maioria destes abandonarem a cidade para a época natalícia.

Outro destes entraves, e talvez o maior, é uma alegada área cinzenta nos estatutos da AAC, pela qual não seria permitido que a actual Mesa da Assembleia Magna lançasse a convocatória, e os novos membros que vão tomar posse hoje, às 19h, a presidissem. A Mesa da Assembleia Geral pediu um parecer ao Conselho Fiscal para aclarar a situação. O parecer emitido por esse órgão, cuja função é a fiscalização do cumprimento dos Estatutos da AAC no funcionamento desta, não apresenta qualquer fundamentação sobre essa zona cinzenta, mas indica à Mesa da Assembleia Magna que a convocatória da Magna deve ser feita após a tomada de posse dos novos elementos do órgão, impedindo assim a sua realização antes do final do período lectivo.

Não há impedimentos estatutários

A Guilhotina teve acesso a um parecer jurídico de um advogado, formado na Faculdade de Direito da UC e antigo vice-presidente da AAC, pedido pelos estudantes proponentes desta Magna e divulgado a vários órgãos de comunicação social. As suas conclusões são claras:

O mandato da Mesa da Assembleia Magna apenas cessa com o termo do mandato e a tomada de posse de nova Mesa da Assembleia Magna. Quer-se com isto dizer que até ao termo do mandato (…) a Mesa cessante se encontra em plenitude de funções, podendo praticar todos os atos e competências que lhe estão atribuídas. (…)

A convocação de uma Assembleia Magna pela Mesa da Assembleia Magna, mais do que uma competência estatutária – Cfr. artigo 35.º al. b) dos Estatutos – é um dever estatutário (…)

Não vislumbramos qualquer impedimento de iure a que a assembleia magna seja convocada por determinados membros de uma Mesa da Assembleia Magna e realizada e presidida por outros (novos) membros desse mesmo órgão.

Parecer do advogado contactado pelos estudantes

Silenciamento

Durante a conferência de sexta-feira, os estudantes exigiram que a actual Mesa da Assembleia Magna publicasse a convocatória da Magna até à meia-noite de sábado, data limite para que a dita Assembleia pudesse ser realizada na próxima quinta-feira, antes do final do período lectivo, que termina na sexta-feira.

No sábado, um dos estudantes proponentes da Magna, quando enviou a estes órgãos o parecer jurídico acima referido, ligou ao actual Presidente da Mesa da Assembleia Magna, Gonçalo Pardal, informando do conteúdo desse parecer. Pardal transmitiu a ideia de que nada haveria a fazer, pois a decisão já estava tomada.

Isto evidencia que o que está em causa neste rol de entraves apresentados não é nenhum fetiche pelo cumprimento escrupuloso dos Estatutos da AAC, como dão a entender, mas uma estratégia deliberada para silenciar a voz dos estudantes perante um dos mais brutais genocídios na História da Humanidade.

Presença policial na Universidade

Estudantes denunciam que têm estado presentes no Pólo I da Universidade de Coimbra, desde manhã, carros da polícia e dos bombeiros. Hoje, às 19h, decorre a cerimónia de tomada de posse dos órgãos da AAC.

O genocídio na Palestina avança a cada dia que passa, perante a inacção da comunidade internacional. O silêncio da AAC, que há menos de dois anos prontamente manifestou a sua solidariedade com a Ucrânia, já era absolutamente ensurdecedor.

As tentativas de silenciamento de uma iniciativa histórica da comunidade estudantil são gritantes e uma afronta à história dos estudantes que, nas décadas de 60 e 70, puseram em risco a sua liberdade para tentar derrubar o fascismo.

50 anos depois, Coimbra volta a cheirar aos tempos do Fascismo.

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