Genocídio: o perigo da indiferença e da normalização~ 4 min
Por F
Hoje completam-se três meses desde que a Palestina voltou a estar no centro do debate público mundial. Os crimes do regime israelita sucedem-se de forma ininterrupta, e todos os dias chegam até nós através dos ecrãs das televisões, computadores e smartphones. As forças armadas israelitas começaram o ano a anunciar que 2024 será “um ano de guerra”, e onde se lê “guerra” leia-se “genocídio”.
Esta não é a primeira limpeza étnica que nos chega a casa em formato livestream, mas nunca antes tínhamos experienciado uma em tão alta definição, com um som tão límpido e em tamanho detalhe.
Aquando dos genocídios no Ruanda, em Timor ou no Sudão, não havia redes sociais e as imagens ou notícias podiam demorar semanas ou meses a sair a público. Aquando das guerras do Iraque ou do Afeganistão, as imagens nos telejornais eram de grandes planos de bombardeamentos, e a realidade era distante e desconhecida. Hoje, não há desculpa.
Nem toda a propaganda do mundo, que há décadas tenta desumanizar e demonizar os povos árabes, pode apagar os milhares de vídeos que, nos últimos três meses, saíram de Gaza e percorreram o planeta.
Nos ecrãs, a cada dia, encontramos pessoas como nós, que podiam ser os nossos pais ou os nossos avós, as nossas filhas ou irmãs, no meio de um horizonte de escombros e sangue. Tudo graças ao apoio dos nossos governos, em nosso nome e com o fruto do nosso suor.
Faz tempo que várias vozes já vêm alertando para o facto de a luta palestiniana ser o derradeiro teste para a Humanidade. Hoje, isso é mais evidente do que nunca.
Dezenas de milhares de mortos, feridos e desaparecidos. Valas comuns. Os que sobrevivem, sem água, comida, electricidade. Bairros inteiros destruídos, assim mesmo, com as pessoas dentro. Famílias inteiras obliteradas numa fracção de segundo. Corpos devolvidos depois de lhes serem roubados os órgãos. Jovens, adultos e idosos, despidos, alinhados nas ruas, vigiados por soldados israelitas, enquanto aguardam pelo camião que os vai levar… para onde mesmo?
Falta alguma coisa?
Por cá, há mil combates a travar, pois mil são os problemas que enfrentamos diariamente, na saúde, na habitação, na precariedade generalizada, nas relações de género, no racismo e em tantos outros campos. Tudo está por fazer. Mas, além de tudo isso, há um genocídio que se desenrola perante os nossos olhos.
Depois da 2ª Guerra Mundial, ao falar sobre o Holocausto com pessoas da Alemanha, era comum ouvir como desculpa que, “na altura, não sabiam o que estava a acontecer”.
Nem sequer é verdade, e hoje já nem essa desculpa temos. E, desta vez, são os nossos governos que estão do lado do genocídio, apoiando-o abertamente, armando-o e financiando-o.
Se um genocídio em nosso nome não nos provocar uma reacção forte e determinada, o que é que alguma vez provocará?
Hoje, urge fazermos, continuarmos a fazer, cada um e cada uma, aquilo que estiver ao nosso alcance para não deixar que a Palestina seja esquecida, para não deixar que o genocídio seja normalizado. Seja participando em protestos, organizando-nos, escrevendo, colando cartazes, falando do assunto no trabalho, nas organizações ou no café, com os amigos e a família. Encontrar quem, perante a barbárie, sente o mesmo que nós, e perceber como transformar o sentimento em acção. Ser mais uma pedra na engrenagem do genocídio, da ocupação e do apartheid, uma entre as centenas de milhares de pedras que em todos os continentes não baixam os braços.
Temos a responsabilidade de não entregar à próxima geração um mundo em que deixámos que o genocídio do povo palestiniano fosse levado até ao fim, enquanto a ele assistíamos. Teríamos de lhes explicar porquê.
Se, nas sociedades ocidentais, face a um genocídio em nosso nome e transmitido em directo, escolhêssemos aceitar e seguir em frente, corríamos o risco de nos tornarmos sociedades pelas quais não valeria a pena lutar.