EUA // “Não continuarei a ser cúmplice de genocídio [na Palestina]”~ 4 min
Por F
Aaron Bushnell imolou-se ontem em frente à embaixada israelita em Washington DC. Enquanto as chamas envolviam e consumiam o seu corpo, Aaron gritava, uma e outra vez, “Palestina Livre!”.
Aaron tinha 25 anos e era militar no activo da Força Aérea norte-americana. Antes de caminhar em silêncio até à embaixada, Aaron deixou ao mundo uma curta mensagem:
Aqui Aaron Bushnell. Sou um militar no activo da Força Aérea dos EUA e não continuarei a ser cúmplice de genocídio. Estou prestes a levar a cabo um acto extremo de protesto, mas que, comparado com o que as pessoas têm estado a viver na Palestina às mãos dos seus colonizadores, não é extremo de todo. Isto é o que as nossas classes dominantes decidiram que seria normal.
Vídeo gravado pelo próprio Aaron Bushnell e publicado originalmente no twitter pela conta @taliaotg, com autorização da família:
Ontem, 25 de Fevereiro de 2024, um jovem de 25 anos escolheu dar a sua vida para fazer ouvir o seu apoio ao povo palestiniano. Os detalhes exactos sobre o que o levou a escolher uma forma de protesto tão extrema são, por agora, desconhecidos.
Não será difícil, no entanto, imaginar alguns desses motivos – talvez o sentir que a sua voz não é ouvida; talvez a frustração perante a contínua cumplicidade do seu governo com o genocídio em curso em Gaza; talvez os processos de silenciamento ou o sentimento de impotência; talvez o sentir que os protestos, apesar de massivos e constantes, não são resposta suficiente à dimensão da barbárie; talvez o acumular de mais de 4 meses de exposição diária às imagens chocantes dessa barbárie. Provavelmente, uma combinação de tudo isto.
Aaron Bushnell é a mais recente vítima da depravação das sociedades ocidentais, que atingem no presente momento histórico o apogeu decadente da sua hipocrisia. Mas não é o primeiro destes casos a acontecer recentemente. A 1 de Dezembro do ano passado, quando Israel retomava os bombardeamentos após uma semana de cessar-fogo, uma mulher envolta numa bandeira palestiniana imolou-se em frente ao consulado israelita em Atlanta.
Dois dias depois, centenas de pessoas manifestaram-se em Atlanta. Em declarações à Fox 5 Atlanta, um dos organizadores da marcha, o Imã Arshad Anwar, disse que este era um exemplo extremo do quão desesperadas as pessoas estão por que a violência em Gaza acabe. “É devastador que as pessoas estejam dispostas a ir tão longe”, disse Anwar. “Isso devia fazer-nos compreender que isto está a pesar imenso nos corações das pessoas. Há um grave sensação de desespero.”
Enquanto maiores ou menores partes das nossas sociedades, em nome da autopreservação ou por força dos algoritmos das redes sociais e das bolhas por estes criadas, estão escudadas destas imagens chocantes, milhões de pessoas por todo o Ocidente continuam a assistir diariamente a uma barbárie que nunca haviam imaginado ver com os seus próprios olhos e com tanto detalhe. A exposição contínua a estes níveis de violência terá – aliás, já tem – impactos a nível psicológico cuja real dimensão ainda é difícil perceber.
O contínuo apoio dos nossos governos aos crimes perpetrados por Israel contra o povo palestiniano – apesar de todos os protestos e do enorme apoio da opinião pública ao cessar-fogo –, bem como todos os processos de silenciamento a que milhões de pessoas foram sujeitas nos últimos meses, acarretarão igualmente enormes impactos a nível psicológico.
A máscara cai e as supostas “democracias” ocidentais mostram-se pelo que realmente são – regimes herdeiros da ordem colonial, sem qualquer consideração pelos direitos humanos e pelo direito internacional, e menos ainda pelas vontades dos povos que dizem representar.
Quando combinamos tudo isto com situações de isolamento social e ausência de colectivo que permita a transformação destes sentimentos em acção colectiva – a única acção que pode produzir impactos reais na sociedade à nossa volta –, o acumular dos sentimentos de impotência, revolta e frustração tem o potencial de empurrar mais e mais pessoas a uma situação de desespero e, assim, tornar cada vez mais comuns actos extremos como este, com que Aaron decidiu pôr termo à sua vida.