5 meses de silenciamento na Associação Académica de Coimbra~ 6 min
Por F
Estes dias, além de se terem cumprido 7 meses de genocídio em Gaza, cumpriram-se também 5 meses desde o início do processo de silenciamento levado a cabo pela burocracia da Associação Académica de Coimbra.
No início de dezembro, mais de 1700 estudantes tinham pedido a realização de uma Assembleia Magna para discutir a situação na Palestina, que culminasse num posicionamento público da AAC. A burocracia fez tudo o que podia para que isso não acontecesse.
Durante os últimos 5 meses, a AAC silenciou repetidamente as estudantes que tentaram trazer este tema a discussão. Hoje, continua sem tomar qualquer posição.
Depois de sair uma versão mais reduzida em papel, no número de Abril, o jornal A Voz do Operário publicou agora na íntegra aquele que será, até à data, o trabalho jornalístico mais completo sobre este kafkiano processo de silenciamento.
Recomendamos a sua leitura a quem quiser conhecer em detalhe os vários momentos deste processo, incluindo os mais recentes, durante as Assembleias Magnas de Fevereiro e Março.
Atrás dos detalhes técnicos, timings e infortúnios, a burocracia da AAC esconde a sua vontade de não tomar posição perante o genocídio em curso, num contraste evidente com a prontidão com que se posicionou face à invasão russa da Ucrânia. Há dois anos, um dia após os tanques russos cruzarem as fronteiras ucranianas, foi hasteada uma bandeira branca no edifício da AAC para manifestar “a sua solidariedade com todos os estudantes afectados pelo actual conflito”. Na altura, não foi sequer necessário realizar-se qualquer Magna.
Um padrão que se repete de norte a sul
O artigo aborda também três outros casos de silenciamento que põem em evidência o padrão de silenciamento que se abate sobre as vozes pró-Palestina de norte a sul do território português.
Em Novembro, faixas colocadas pelos estudantes foram confiscadas pela administração da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa por “terem um cunho demasiado político para o espaço”. Em Dezembro, a reitoria da Universidade do Minho impediu os estudantes de desenrolar “uma lista com milhares de nomes de pessoas [mortas por Israel em Gaza]” por considerar que “isso iria prejudicar o funcionamento da universidade”.
Em Janeiro, estudantes do movimento Fim ao Fóssil pintaram uma bandeira da Palestina e afixaram uma faixa a pedir o fim da “ocupação ecocida e genocida” nas Escadas Monumentais, no Pólo I da Universidade de Coimbra. Menos de duas horas depois, não havia quaisquer vestígios nem da bandeira, nem da faixa.
O silêncio e a cumplicidade
Estes silenciamentos só funcionam devido ao silêncio generalizado, quando não mesmo cumplicidade, da sociedade civil, dos sindicatos, das organizações que dizem representar os estudantes, dos jornalistas, do mundo da cultura, dos partidos políticos, e por aí fora.
O artigo explora alguns destes silêncios e cumplicidades – uma realidade sobre a qual certamente não saberá bem escrever nem ler, mas que só se for encarada é que pode ser transformada.
Em Coimbra, quatro meses após o início deste grave ataque a um direito democrático dos estudantes, regista-se uma quase total ausência de posicionamentos de núcleos de estudantes, secções ou organismos autónomos da AAC. As Repúblicas, grupos culturais e outros movimentos da cidade também guardam silêncio. (…)
As poucas manifestações de solidariedade chegam de outros grupos de estudantes e investigadores pela Palestina que, em muitos casos, também foram silenciados. (…)
Os media não reportam os casos de silenciamento, já para não falar da cobertura jornalística do genocídio em curso, e tanto o silenciamento como o próprio genocídio estiveram totalmente ausentes da campanha eleitoral.
Observar o mar de gente que saiu às ruas para comemorar os 50 anos da revolução portuguesa deixa um sabor agridoce na boca. Se é certo que a memória histórica é importante, e que os sonhos de um mundo diferente trazidos pelo PREC devem ser celebrados, também é certo que os e as que celebramos a liberdade, se tentássemos fazer uso dela, talvez descobríssemos que já não a temos.
Não tem de ser assim: a Intifada Estudantil
Durante as últimas semanas, aquela que está a ficar conhecida como a Intifada Estudantil levou estudantes a montar acampamentos em universidades em dezenas de países em vários continentes. A brutal repressão policial e os ataques da extrema-direita, a par com as acusações de anti-semitismoe as tentativas de silenciamento através de ameaças de expulsão das suas universidades, não conseguiram quebrar a determinação dos milhares de estudantes que se manifestam pelo fim do genocídio.
As manifestações de apoio por parte de colegas de outras universidades, de estudantes de secundários, de professores e de trabalhadores, em muitos casos massivas, relembram constantemente aos estudantes que não estão sozinhos, e dão-lhes ainda mais força para continuar.
No centro das reivindicações destes acampamentos está o corte de relações das universidades com instituições académicas israelitas, bem como o fim do envio de armamento para Israel e o corte de relações diplomáticas com o projecto sionista. Estas foram precisamente as reivindicações defendidas pelas estudantes na Assembleia Magna de 22 de Janeiro, a única em que foi permitido aos estudantes discutir o tema.
A notícia agora podia ser como os estudantes da Universidade de Coimbra tinham sido pioneiros do movimento estudantil pela Palestina, agora globalizado. As acções da burocracia da AAC, juntamente com o silêncio da comunidade estudantil da UC e da sociedade civil da cidade, ditaram que a notícia fosse esta.