Um mês de Intifada Estudantil em universidades dos 5 continentes~ 8 min
Por F
Durante este último mês, estudantes de centenas de universidades por todo o mundo montaram acampamentos e ocuparam faculdades, exigindo o fim da colaboração das suas universidades com instituições israelitas e o fim do investimento em empresas que lucram com o apartheid e com a ocupação da Palestina. Investigadores, funcionários e professores respondem com solidariedade à repressão dos estudantes e juntam a sua voz à dos estudantes, naquele que é já um dos mais significativos processos internacionais de resistência nas universidades desde o Maio de 68.
De Sydney a Los Angeles, de Tóquio a São Paulo, de Joanesburgo a Berlim, os e as estudantes exigem não só um cessar-fogo imediato mas também o fim do regime israelita de apartheid e ocupação – a única forma de fazer cumprir o direito do povo palestiniano à autodeterminação, e de conseguir uma Palestina Livre, do rio até ao mar.
Em muitas universidades da Europa e da América do Norte, os acampamentos têm sido brutalmente atacados, não só pela polícia como por multidões pró-genocídio. Centenas de estudantes foram suspensos das suas instituições de ensino e ameaçados de expulsão – e, no caso de estudantes estrangeiros, de deportação. As enormes manifestações de solidariedade por parte de outros estudantes, bem como de funcionários, professores e sociedade civil, têm dado ânimo aos estudantes para continuar os protestos.
Deste lado, como é habitual, a cobertura mediática resume-se a algumas breves notas, sem grande contexto, maioritariamente quando há detenções e cenas de repressão (a que os propagandistas chamam de “confrontos”). Se nos chegam ao Ocidente imagens de estudantes por todo o mundo em protesto, e informação sobre o que os move, é graças às redes sociais, aos media alternativos e a meios de comunicação do Sul Global.
Hind, Mahmoud, Refaat
Alguns dos momentos mais poderosos do último mês tiveram lugar quando palestinianos comuns vítimas do genocídio em Gaza, que não merecem menção nos meios de comunicação ocidentais, foram homenageados durante esta Intifada por estudantes e professores de várias partes do mundo. Destacamos três fortíssimos actos, tanto pelo peso das suas homenagens como pela forma como obrigaram os propagandistas a contar a história de pessoas que, de outra maneira, nunca seriam por eles nomeadas.
O Hamilton Hall, da Universidade de Columbia, foi ocupado por estudantes a 30 de Abril e rebaptizado Hind’s Hall em memória de Hind Rajab, uma menina de 6 anos do bairro de Tel al-Hawa, na Cidade de Gaza.
Hind e 7 familiares seus evacuavam do bairro, a 29 de Janeiro, quando o carro em que seguiam foi atingido por um tanque israelita. Hind viu morrer a sua tia, tio e cinco primos e primas, e ficou três horas em chamada com paramédicos do Crescente Vermelho Palestiniano. Hind acabou por ser, ela própria, abatida por um snipper israelita, não sem antes ver a equipa médica que havia sido enviada para a assistir ser também executada.
Na Universidade de Melbourne, o edifício Oeste de Artes foi rebaptizado de Mahmoud’s Hall em homenagem a Mahmoud Al Haq, um estudante palestiniano que foi morto em Gaza antes de ter tido a oportunidade de ver com os seus próprios olhos a Universidade de Melbourne, onde havia sido admitido.
O primeiro acampamento de professores pela Palestina, estabelecido na New School de Nova Iorque a 8 de Maio, recebeu o nome de Acampamento Refaat Alareer em honra do já lendário professor universitário e poeta palestiniano, autor do poema «If I must die». Refaat foi morto a 7 de Dezembro em Shejaiya, no norte de Gaza, quando a casa onde vivia foi alvo de um bombardeamento israelita. O acampamento foi iniciado a 8 de Maio por duas dezenas de docentes que reiteraram as exigências dos estudantes dessa mesma instituição que haviam sido reprimidos uma semana antes, e exigiram amnistia para os 45 detidos durante a intervenção policial.
Romper a normalidade contra a cumplicidade
Há um mês, em reacção aos primeiros protestos na Universidade de Columbia, os e as estudantes norte-americanas foram o primeiro grupo social de uma sociedade ocidental que decidiu parar e romper com a normalidade.
Depois de 7 meses de genocídio repletos de manifestações e vigílias, a grande maioria ao fim-de-semana e em horário pós-laboral, que não têm produzido quaisquer mudanças nas políticas das autoridades ocidentais, foram estes estudantes os primeiros a decidir colectivamente que não podiam continuar no business as usual. A ocupação das universidades com protestos permanentes foi o primeiro acto de confrontação directa e frontal com um sistema que se afirma democrático mas que ignora repetidamente as reivindicações dos povos que diz representar, independentemente do enorme apoio popular que possam ter.
A determinação dos e das estudantes é de continuar os protestos até que algo seja feito para travar este genocídio ou, pelo menos, parar de o financiar e alimentar com os nossos impostos, a nossa força de trabalho e a nossa educação. Muitos são os que dizem não se importar com as ameaças feitas pelas administrações das universidades, nem com o possível impacto que a participação nestes protestos possa ter nas suas carreiras, pois tudo isso é irrelevante face ao genocídio em curso na Palestina.
Num Ocidente em que o grosso das gerações adultas estão apáticas, ou assoberbadas com as condições de vida e a precariedade em que nos afundamos cada vez mais, ou, na melhor das hipóteses, incapazes de enveredar por outros métodos de resistência além daqueles que não perturbam o normal funcionamento da sociedade (nem das nossas vidas), os estudantes norte-americanos são a voz da consciência colectiva do Ocidente.
Com as suas acções, deram ao mundo um exemplo de resistência que inspira milhares de jovens por todo o mundo – jovens que ainda não se deixaram contagiar pela crença, penosamente semeada nas nossas mentes adultas pela propaganda, de que as nossas acções não podem ter qualquer impacto na realidade.
Um mês depois de os protestos saírem da Universidade de Columbia para o resto do mundo, e apesar de toda a repressão, a luta pelo fim da cumplicidade com o genocídio continua, e novos acampamentos continuam a surgir todos os dias. Só o tempo dirá se e como este movimento conseguirá perpetuar-se no tempo, e que impactos reais conseguirá ter nas políticas de cada universidade e de cada estado. No entanto, é certo que já se está a fazer História.