Guiné-Bissau // Os Comandos e os seus crimes~ 6 min

Por Nguyen

Divisões étnicas e o seu papel na guerra de libertação da Guiné

A Divergente fez uma reportagem para dar voz aos comandos negros que lutaram pelo Estado Novo durante a guerra de libertação da Guiné-Bissau. Sendo um tema pouco explorado e com interesse histórico, é aberrante que tenham seguido pela via de apresentar uma força militar criminosa de guerra, como os desgraçadinhos abandonados. Replicando, em certa medida, o discurso que a extrema direita tem vindo a propagar

Na reportagem não mencionam, por desconhecimento ou falta de vontade, a composição étnica das forças. Coisa que o regime do Estado Novo conhecia bem e usou em sua vantagem, recrutando forças africanas com base em tensões étnicas entre grupos, etnias e sectores revoltosos. Daí ter recrutado mais Manjacos, Fulas e Felupes na Guiné Bissau do que de outras etnias. O uso de tensões étnicas e das forças especiais de tipo Comandos é comum nas três guerras de libertação, Angola, Moçambique e Guiné Bissau. A participação de tropas negras vai aumentando com o desenrolar das guerras. Estas são incluídas em milícias, grupos armados de proteção a aldeias, nas forças armadas no geral e nas tropas especiais.

Criação dos Comandos

Com o início da guerra em Angola, as forças portuguesas são apanhadas desprevenidas e é necessário recrutar e mobilizar tropas. Essas forças são formadas e criadas para lutar numa guerra de contra-insurgência e, como tal, é preciso inovar, pois as forças existentes foram criadas e treinadas para lutar no contexto da OTAN – num possível confronto com o Pacto de Varsóvia. De grosso modo a estratégia portuguesa divide-se entre a defesa e/ou criação de pontos fortes, picadas (ações de busca e destruição de minas e outros explosivos) e ataques às bases das forças das guerrilhas.

É neste contexto que os Comandos são criados em 1961, tornando-se operacionais em 1962 em Angola. São formadas também forças similares nas forças armadas como os Grupos Especiais e Grupos Especiais Paraquedistas (em Moçambique) e os Flechas (que pertencem às estruturas da PIDE/DGS). De notar ainda a utilização, em Angola, de tropas exiladas e/ou mercenárias de regimes próximos ao Estado Novo – como os Leais Zambianos e os Fiéis Catangueses.

O Fascista italiano que participou na criação dos Comandos

Os Comandos são criados por militares portugueses e uma figura obscura, um tal de Dante Vacchi. Segundo a  versão “de cara lavada” do jornalismo português, tratava-se de um jornalista e “aventureiro italiano”, com participação na Legião Estrangeira francesa e com experiência de combate. Por uma sucessão de “acasos”, viaja de Portugal a Angola e começa a dar instrução durante a criação de uma tropa de elite, aberta apenas a voluntários. 

A realidade é bem mais obscura e tenebrosa do que esta sequência de acasos. Dante Vacchi terá lutado ao lado das tropas nazis que invadiram a Itália, com o intuito de repor Mussolini no poder e tomar conta do norte do país. No pós-guerra junta-se à Legião Estrangeira e luta na Argélia e Indochina. Terá entrado em contacto ou com os membros da OAS (Organisation Armée Secret, um grupo de militares apoiantes do regime colaboracionista de Vichy, racistas e pró-colonialistas), ou com a rede criada por Otto Skorzeny (ex-comandante das Waffen SS, que lutou em Itália) que actua na Península Ibérica e irá formar a Aginter Press

Esta é formada por Yves Guerin-Serac, com sede em Lisboa, em 1963. Oficialmente funcionava como um grupo de imprensa, mas na realidade era uma rede de mercenários fascistas e nazis que forneciam serviços de espionagem, informação, treino e contrainsurgência, emitindo passes de jornalistas para moverem os seus agentes mais facilmente. 

O papel dos comandos será de ataque às aldeias suspeitas de albergar guerrilheiros, às bases identificadas dos movimentos de libertação, recolha de informações e prisioneiros e tentativa de assassinato de elementos chave das forças de libertação.

Crimes de guerra dos Comandos

Infelizmente, durante as guerras de libertação dos países africanos lusófonos, os comandos são conhecidos por terem cometido inúmeros crimes de guerra e violações das Convenções de Genebra. No célebre documentário A Guerra, relatos de elementos das forças de libertação, de civis e das próprias forças portuguesas confirmam a ocorrência dos mesmos. 

Assassinar civis (incluindo mulheres e crianças), incendiar casas, pilhagem e destruição dos meios de subsistência da população e até a utilização de fardas e insígnias das forças que se lhes opõem, são episódios recorrentes e parte da instrução dos comandos. Violações de mulheres, tortura e assassinato de prisioneiros de guerra e desmembramentos também são crimes imputáveis a esta força.

Os crimes com mais relatos são, possivelmente, os ocorridos em Moçambique, onde as populações de Wiriamu e Mucumbura foram chacinadas com requintes de sadismo pelos comandos. Segundo a descrição, vê-se que existe uma preocupação com eliminar todas as testemunhas e relatos, uma espécie de procedimento padrão, que visa salvaguardar a imagem das diversas forças especiais que actuaram nas guerras. É difícil crer que estes massacres tenham sido situações excepcionais e anómalas.

Não sendo propriamente crimes de guerra, são no mínimo questionáveis os ataques portugueses à Guiné Conacri e ao Senegal, perpetrados por forças de comandos. Especialmente a operação Maré Verde, que tem como um dos objetivos derrubar o governo de Sékou Touré, para instalar um governo fantoche favorável a Portugal, assim como o crime de guerra de atacar as estruturas e membros civis do PAIGC. 

Do outro lado da fronteira realizou-se a operação Ametista Real, onde se invade o Senegal, outra nação em paz com Portugal. Os ataques são perpetrados por comandos. Nesta altura a ONU condena as ações e guerras de Portugal contra países e povos que estão no seu direito legítimo à autodeterminação e independência.

O infame Marcelino da Mata

Se falamos de Comandos não podemos deixar de mencionar um dos seus fundadores, o infame Marcelino da Mata. Uma besta que se gabava de matar prisioneiros de guerra e de lhes cortar os genitais. O facto deste cacique do Estado Novo ter tido membros das forças armadas e do Estado no seu funeral, assim como ter mantido as “medalhas” que lhe foram atribuídas, mostram que algo está profundamente errado. Até porque os crimes deste indivíduo contra a III República Portuguesa não terminaram com o fim da guerra. 

Marcelino integrou o MIRN e a respetiva rede terrorista da extrema-direita que assolou Portugal. Assim como pautou a sua participação política na extrema-direita portuguesa. Obviamente que todos os saudosistas do Estado Novo pediram para homenagear o criminoso de guerra, utilizando a expressão chave da facho-esfera, “um personagem polémico”, para o reabilitar, a ele e aos seus comparsas.

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