Portugal // O legado da Geringonça – Austeridade eterna~ 7 min

Este é um de quatro artigos que vamos lançar sobre o legado da “Geringonça”. Estes artigos visam principalmente a nossa audiência externa, que muitas vezes recebe uma ideia completamente errónea sobre supostos “milagres económicos” que se passam no país, quando na verdade continuamos entregues ao bom velho neoliberalismo do centrão com pagamentos da dívida à mistura. Algumas noções básicas a ter em conta relativamente a entidades referidas neste artigo, para quem não está familiarizado com a política portuguesa:

Geringonça – A alcunha do governo formado pelo Partido Socialista, com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e da Coligação Democrática Unitária (Partido Comunista Português e Partido Ecologista “Os Verdes”). Inicialmente um pejorativo, o nome acabou a pegar e é agora mais ambíguo. Governa desde 2015, com novas eleições a dia 6 de Outubro.

Partido Socialista (PS) – Um dos dois partidos do centrão neoliberal que se alternam no poder. A face mais gentil do capital, com o Partido Social-Democrata a ser a contraparte com mais espuma na boca. O nome é um artefacto histórico do período pós-revolução de 1974, em que foi preciso ao capital promover uma força mais “moderada” que puxasse o tapete aos partidos com ambições revolucionárias. A empurrar o país para a direita desde então.

Partido Social-Democrata (PSD) – Como descrito acima, o lado B da cassete do centrão neoliberal. Para quando o capital perde a paciência e é preciso implementar à bruta vastos programas de austeridade e privatização, enquanto se mantém uma sociopata expressão de piedoso sofrimento pelos “sacrifícios das famílias portuguesas”. Costuma colaborar com o CDS, sendo o governo anterior à Geringonça uma coligação entre estes dois partidos.

Centro Democrático Social (CDS) – Como o PS, o CDS também tem uma história engraçada ligada à revolução de 1974. A parte engraçada é que costumavam ser colaboradores do fascismo que depois da revolução descobriram subitamente as virtudes da democracia e humanismo. Colado à anca com a Igreja Católica e a máfia da caridadezinha. O tipo de partido que apela à burguesia rural tacanha e à pequena burguesia que entra em apoplexia quanto a tudo o que toca na sua propriedade privada mixuruca. Se conhecem um senhorio que empurraria uma idosa das escadas abaixo para poder subir a renda ao próximo inquilino 100€, é garantido que é um eleitor do CDS.

Partido Comunista Português (PCP) – Uma das forças mais bem organizadas e responsáveis na governação em Portugal, ou pelo menos assim está sempre a ser elogiado pelos seus oponentes partidários – fica por saber se isso é uma coisa boa. Funciona em tandem com a principal confederação sindical nacional, a CGTP. A sua inacção ou incapacidade perante a degradação das condições de vida não o tem exactamente ajudado a capturar o voto trabalhador.

Coligação Democrática Unitária (CDU) – Coligação do PCP e o Partido Ecologista “Os Verdes”. Este último é frequentemente descrito como o partido melancia – verde por fora, vermelho por dentro.

Bloco de Esquerda (BE) – Bloco de pequenos partidos de esquerda que vive principalmente do mediatismo e que tem como base de apoio a pequena-burguesia e aristocracia laboral cosmopolita com problemas de consciência. Preocupados com direitos civis e humanos e cheios de fé que “o Estado somos todos nós”.

Pessoas, Animais e Natureza (PAN) – Partido “nem de esquerda nem de direita” mas do veganismo e direitos dos animais que recentemente entrou no parlamento. Partilha a base de apoio com o Bloco, o que explica andarem constantemente às turras. Para quando a classe média abandona a consciência pesada e opta por abraçar o ennui misantrópico.

Por Luísa Branco e Nguyen

Virámos a página da austeridade. Ficou para trás. É isto o que clama a propaganda. Mas terá ficado mesmo para trás? Em Janeiro de 2016 PS, CDU, BE e PAN repunham os quatro feriados, que o governo PSD / CDS tinham retirado do calendário. Mais quatro dias de descanso para quem não é obrigado a trabalhar aos feriados. Em 2018 foi eliminada a sobretaxa do IRS, imposta pelo governo PSD / CDS. E mais ou menos foi isto.

Do outro lado encontram-se as não prioridades, ou os cortes não relevantes para a Geringonça. Ou seja, as medidas aprovadas pelo duo PSD / CDS, que PS, CDU e BE decidiram manter. Estão dentro destas medidas a redução das indemnizações por despedimento. Anteriormente calculadas em 30 dias de salário base, por cada ano de trabalho. Passaram a 20 dias de salário base, por cada ano de trabalho. Em 2012, o tempo de atribuição de subsídio de desemprego é reduzido de 450, para 360 dias. O mesmo decreto lei estipula as regras do subsídio social de desemprego, que pode aumentar o tempo de pagamento por desemprego, mas por um valor inferior.  Ao subsídio de desemprego passa a ser aplicável um corte de 10% no valor atribuído, após 6 meses. Em 2018 este corte extra de 10% é retirado.

Para além dos desempregados, os pensionistas são igualmente atacados. Entre 2005 e 2015, são introduzidos vários cortes no pagamento das pensões mais altas, cortes que se mantêm apesar de menores. Este período abrange governos PS e PSD / CDS. O governo PSD / CDS tenta, por duas vezes, impedir o pagamento de subsídio de férias e natal aos pensionistas, mas o Tribunal Constitucional chumba os cortes. A idade da reforma é aumentada, usando o aumento da esperança média de vida como desculpa. Em 2013 este aumento é agravado. A Geringonça não diminui a idade de reforma.

Os salários também foram atacados. Em 2012, o pagamento de horas extraordinárias é reduzido em metade. Passa a ser pago mais 25% na primeira hora de trabalho extra, mais 37,5% nas horas seguintes. Feriados tem um acréscimo de 50%. Durante o governo PSD / CDS mais que duplicaram as pessoas a ganhar o salário mínimo nacional, de aproximadamente 400 mil, para aproximadamente 1 milhão. Em Abril de 2019 756 mil trabalhadores ganham o ordenado mínimo nacional, nem perto dos 400 mil aproximados em 2014. O salário médio também é afectado. Entre 2010 e 2015, o aumento do salário médio é 14€. O aumento sobe para 30€ até 2017. Previsivelmente, o mercado livre não acompanha a tendência de aumento do salário mínimo, que se está a aproximar do salário médio.  

O subsídio de refeição, em 2013, passa a ser tributável para valores acima de 4,27€ por dia. Anteriormente era só acima de 5,12€. No entanto, é oferecida às empresas a possibilidade de fugir ao fisco, com a criação dos cartões refeição. O valor tributável do subsídio de alimentação, se pago em cartão ou vale refeição, é muito menor, só sendo tributável para valores acima de 6,83€. Desde 2017 estes cartões permitiram mais um crescimento de fuga ao fisco, com o valor tributável a ser apenas acima dos 7,23€.  Valor que se mantém em 2019. Estes pagamentos em cartão são generalizados para pagamentos de prémios e complementos ao salário. Até 2018 estes pagamentos nem tinham que ser comunicados à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Estes cartões e vales refeição só podem ser usados em estabelecimentos específicos. Supermercados, restaurantes e outras superfícies onde se vendam produtos alimentares. Para muitos, é o regresso das “lojas do patrão”. Não pode ser usado para pagar outros gastos mensais obrigatórios, renda, luz, água, transportes, roupa, etc. como podia anteriormente. É, claramente, uma limitação ao uso do salário de quem trabalha, imposta pelo patrão.

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